Funeral de presidente do Haiti acontece em meio a protestos e dúvidas sobre assassinato

Em meio a um clima de instabilidade e a várias perguntas sem respostas sobre o assassinato de Jovenel Moïse, o caixão com o corpo do presidente do Haiti foi carregado por uma comitiva de homens em trajes militares em Cap-Haitien, onde ele nasceu e será enterrado nesta sexta-feira (23), mais de duas semanas após sua morte.

Coberto pela bandeira haitiana, o caixão também recebeu coroas de flores brancas – a cor do luto no país – e a bênção de um padre católico, em uma cerimônia que, de certa forma, simboliza a expectativa de que o país possa se recuperar das feridas históricas.

Representantes de diversos países se dirigiram a Cap-Haitien para participar da série de cerimônias em memória de Moïse ao longo do final de semana. Questionado pela Folha se enviou algum representante ao Haiti, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil não respondeu até a manhã desta sexta.

A relativa calma durante o início do funeral do presidente, no entanto, foi rompida horas mais tarde quando, segundo testemunhas ouvidas pela agência de notícias Reuters, surgiram relatos de disparos de tiros e de bombas de gás entre a multidão do lado de fora do local da cerimônia.

De acordo com a agência, a delegação dos Estados Unidos, liderada por Linda Thomas-Greenfield, embaixadora americana na ONU, e outros dignitários estrangeiros foram levados às pressas para veículos em áreas protegidas. Não houve relatos imediatos de feridos nem qualquer indicação de que os convidados estivessem em perigo.

Embora as circunstâncias do incidente desta sexta ainda não estejam claras, Cap-Haitien tornou-se palco de um cenário de convulsão social nos últimos dois dias. Protestos de apoiadores de Moïse mancharam o céu com a fumaça preta de pneus em chamas.

Segundo o jornal americano The New York Times, alguns grupos tentaram bloquear estradas para impedir a entrada de pessoas de outras localidades que queriam acompanhar o funeral.

A mensagem dos manifestantes contraria o objetivo pelo qual o novo governo do Haiti disse trabalhar. Ao assumir o poder na última terça-feira (20), o primeiro-ministro Ariel Henry disse ser um “democrata e um homem de diálogo” e prometeu agir pelo apaziguamento político no país.

O discurso, no entanto, ainda não convenceu parte da população. “Mandamos alguém vivo, eles mandaram de volta um cadáver”, disse o mecânico Frantz Atole, 42, acrescentando que os atos de protesto devem continuar. “Este país não vai ficar em silêncio.”

Outra manifestante em Cap-Haitien culpa “a burguesia de Porto Príncipe”, capital do país, pela morte de Moïse e pelo cenário de tensão instalado no Haiti. “Tudo o que estou pedindo é que fechem todas as ruas para impedi-los de chegar [ao funeral]”, disse a estudante Emmanuella Joseph, 20, chorando em um trecho da estrada bloqueado pelos protestos.

Na cidade natal do presidente assassinado foram montados palcos com bastante iluminação, e a estrada de tijolos que leva ao mausoléu da família foi pavimentada. Situado em um terreno onde ele viveu quando menino, o local onde Moïse será enterrado fica à sombra de árvores frutíferas e a poucos passos do túmulo de seu pai.

“Clamem por justiça. Não queremos vingança, queremos justiça”, disse Martine Moïse, viúva do presidente, ao se aproximar do caixão, com o rosto quase totalmente coberto por um chapéu preto de aba larga e uma tipoia no braço direito. No ataque que matou o marido, ela também foi baleada e, em estado grave, transferida a Miami para tratamento. Martine voltou ao país no último sábado (17), usando um colete à prova de balas.

Autoridades haitianas que chegavam ao local não foram muito bem recebidas pela população do lado de fora. O chefe da polícia haitiana, Leon Charles, foi chamado de criminoso. “Por que você tem toda essa segurança? Onde estava a polícia no dia do assassinato do presidente?”, questionou um manifestante. Outros gritos foram abafados pelo volume alto da música religiosa durante o funeral.

​Conhecido no país como “Homem Banana”, devido à carreira que construiu como exportador da fruta antes de entrar na política, Moïse não conseguiu reprimir a violência de gangues, que cresceu durante seu mandato, e enfrentou grandes protestos contra seu governo devido a acusações de corrupção e de autoritarismo.

Em Cap-Haitien, no entanto, o apoio ao presidente ainda se traduz, nesta sexta, em cartazes espalhados pelos edifícios da cidade, onde se liam frases em crioulo haitiano, um dos idiomas oficiais do país, como “eles mataram o corpo, mas o sonho nunca morrerá” e “Jovenel Moïse, defensor dos pobres”.

Moïse foi morto em casa na madrugada do último dia 7. Até agora, não há conclusão sobre quem foi o mandante do assassinato nem a razão do crime. Segundo o governo haitiano, o presidente foi morto por um grupo de mercenários, que incluía militares colombianos aposentados. Mais de 20 pessoas foram presas por conexão com o caso.

Um dos investigados como um dos possíveis mandantes é Claude Joseph, que era o premiê interino na ocasião do crime e assumiu o comando do país até a posse de Henry nesta semana.

Segundo reportagens publicadas pela imprensa colombiana – mais de 20 suspeitos pelo crime são ex-militares do país sul-americano -, a ideia de Joseph seria prender Moïse, alvo de contestação pela forma autoritária com que governava, mas o então primeiro-ministro teria mudado de ideia e resolvido mandar matá-lo. A polícia haitiana nega que o ex-premiê, agora titular da pasta de Relações Exteriores, esteja sob investigação. BAURU, SP (FOLHAPRESS) – LUCAS ALONSO

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