Outros três trabalhadores, entre eles um com deficiência, também foram resgatados
Rio Vermelho (MG) – Um grupo de quatro trabalhadores rurais foi resgatado em condições análogas às de escravo, na Fazenda Palmeiras, localizada na Zona Rural do Município de Rio Vermelho/MG. A fiscalização foi realizada em conjunto pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Auditoria Fiscal do Trabalho (Ministério da Economia) e Polícia Rodoviária Federal (PRF). Entre os resgatados estão uma idosa de 83 anos, que trabalhou na fazenda por mais de 60 anos sem remuneração e nenhum outro direito trabalhista, como descanso semanal ou férias, e um trabalhador rural, de 49 anos, que prestava serviços no local há mais de 30 anos, nas mesmas condições.
A força-tarefa foi realizada para apurar denúncia reportando a submissão de uma trabalhadora doméstica a condições de trabalho análogas às de escravo. Na sede da fazenda, a fiscalização confirmou o teor da denúncia, além de ter encontrado outros trabalhadores em situação de trabalho degradante. Nenhum dos trabalhadores tinha registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e, à exceção de botas de borracha, não utilizavam equipamentos de proteção individual.
O procurador da PTM Governador Valadares, Fabrício Borela Pena, que atuou no caso, relata que “foram constatadas inúmeras irregularidades, como: falta de registro em CTPS; falta de pagamento de salários e 13º salário; ausência de depósito de FGTS e contribuição previdenciária; não concessão de férias; ausência de limitação da jornada de trabalho; não fornecimento de EPIs; ausência de realização de exames médicos e de medidas de gestão de segurança no trabalho rural; constatação de moradia rural em condições inadequadas de segurança, conforto e higiene e alojamentos em condições precárias, sem fornecimento de água potável, sem disponibilização de dormitórios limpos com colchões com densidade adequada, sem armários individuais e sem local adequado para guarda e preparo de refeições.”
Conforme revelou a inspeção, a trabalhadora chegou à fazenda ainda adolescente, aos 12 anos de idade, com a mãe, e ali viveu por toda sua vida. O procurador relata que “desde que se mudou para a fazenda, ali trabalhou continuadamente, realizando serviços domésticos. Ela jamais foi reconhecida como trabalhadora: nunca recebeu salário, nunca tirou férias, não tinha limitação de jornada, folga semanal ou intervalos. Trabalhou por, no mínimo, 60 anos em favor da família do proprietário, preparando as refeições, limpando e organizando a casa, lavando e passando roupas, cuidando das crianças, entre inúmeras outras tarefas. Nos últimos anos, com o avançar da idade, ela já não tinha condições físicas de trabalhar com a mesma intensidade, de modo que o proprietário passou a contratar pessoas para realizar o trabalho doméstico, em alguns dias da semana. No entanto, ela nunca parou totalmente de trabalhar na casa. Os valores que recebia em dinheiro eram contados e destinados a pagar despesas específicas e inevitáveis da trabalhadora, em geral relacionadas a gastos com saúde. As próprias roupas da trabalhadora, em sua maioria, eram doadas pela família do proprietário. A trabalhadora possuía pouquíssimos pertences, a maioria deles de pouco valor e relacionados à higiene pessoal. Não possuía FGTS, poupança ou qualquer quantia guardada. Jamais contribuiu para a Previdência Social e não se aposentou. No momento em que foi encontrada pela equipe, ela se mostrava em condições físicas bastante debilitadas, com uma ferida na perna e muita dificuldade para se locomover”.
Além da idosa, foi também resgatado um trabalhador com deficiência auditiva, em situação semelhante. Conforme apurado pela fiscalização, ele trabalhava todos os dias, sem direito ao descanso semanal, jamais recebeu salário regular e nunca saiu de férias. O procurador Fabrício conta que “o quarto em que vivia o trabalhador estava em condições precárias de conforto, higiene, limpeza, organização, arejamento e iluminação. O trabalhador dormia em uma cama de madeira, com colchão encardido e empoeirado, roupas de cama gastas e sujas. Não havia armário para guarda de pertences, com objetos espalhados por todo o quarto e roupas amontoadas em um varal improvisado. Embora houvesse janela, ela era mantida sempre fechada, de modo que o cômodo era impregnado por forte cheiro de mofo, com muita poeira e sujidade. O teto, o piso, as portas e o pouco mobiliário existente estavam deteriorados e sujos. Dentro do quarto ainda eram deixadas diversas ferramentas de trabalho, como facões, enxadas, garrafas etc”.
A situação dos outros dois trabalhadores resgatados também era inadequada. “Eles moravam em uma pequena casa, a cerca de três quilômetros da propriedade, com três filhos, em local de difícil acesso, localizada a cerca de uma hora de caminhada da sede da fazenda. Os trabalhadores faziam o deslocamento de ida e volta a pé, todos os dias (cerca de 3 km cada trecho) e, para chegar à casa, têm que cruzar um riacho, com água até acima do joelho, ou passar por uma pinguela precária construída no local por eles mesmos. Relataram que, quando o riacho está cheio, sequer conseguem sair de casa, pois não existe outro acesso. A casa em que residem é de pau a pique, subdimensionada, com diversas frestas no telhado que permitem a entrada de animais peçonhentos. Há fiação exposta e improvisada, com riscos de choques elétricos. Não há local adequado para guarda de alimentos. A água é retirada de uma pequena cisterna que não possuía vedação adequada, permitindo a queda de matéria orgânica e até pequenos animais e insetos, tornando a água imprópria para consumo, uma vez que não passa por qualquer processo de purificação ou filtragem”, explica Fabrício.
Em vista dessas constatações, a equipe de fiscalização concluiu pela configuração do trabalho em condições análogas às de escravo e realizou o resgate dos trabalhadores.Devido à situação de extrema vulnerabilidade socioeconômica, eles foram encaminhados à rede de proteção especial do município, onde serão acompanhados e inscritos nos programas sociais existentes. Também foram emitidas guias para recebimento de seguro desemprego.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) continua negociando com o empregador o pagamento das verbas salariais, rescisórias e indenizatórias dos trabalhadores, além da compensação pelos danos sociais decorrentes da gravíssima conduta praticada.