Delegada de Polícia Civil Adeliana Xavier explica quem são as pessoas amparadas por lei no crime de abandono de incapaz
GOVERNADOR VALADARES – Um ditado popular afirma que “o que os olhos não veem, o coração não sente”. No entanto esta reportagem reitera que o olhar atento é necessário e pode salvar uma vida indefesa. Minas Gerais é o segundo estado brasileiro com maior recorrência de crimes de abandono de incapaz, conforme o último levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado neste ano. As principais situações de abandono acontecem em meio às atividades do cotidiano dos pais e responsáveis legais. Muitos casos, infelizmente, resultam na morte da vítima.
De acordo com o anuário, nos anos de 2021 e 2022, o Estado registrou 2.641 casos de abandono. As vítimas têm entre zero e 17 anos. Nessa estatística lamentável, o território mineiro fica atrás apenas do estado de São Paulo, onde houve 3.482 ocorrências do crime. O questionamento que surge, a cada vez que se noticia um crime dessa natureza, é se os pais e responsáveis têm conhecimento do risco, da lei que proíbe essa prática, ou se entendem como algo comum deixar pessoas incapazes de se defender sozinhas. Por outro lado, a rotina agitada e, por vezes, solitária dos pais, reforça a necessidade dos órgãos de segurança pública investigar a circunstância do abandono.
Casos no Leste de Minas
O Leste de Minas protagonizou dois tristes acontecimentos envolvendo abandono de incapaz nas últimas duas semanas. Um pai acabou preso no dia 24 de outubro em Coronel Fabriciano, após chegar em casa e encontrar a filha desacordada. A menina, de apenas 4 anos, conforme o Boletim de Ocorrência, tinha paralisia cerebral. O pai, inclusive, chegou a levar a filha às pressas para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em busca de socorro. Mas a criança já estava sem vida. Ainda segundo a polícia, o pai havia deixado a criança em casa, sozinha, para levar a esposa ao trabalho e outro filho à escola.
O segundo caso ocorreu em Valadares. Um morador encontrou duas crianças revirando o lixo, na região da lagoa do bairro Castanheiras, e chamou a polícia. As crianças teriam se queixado para o morador que sentiam muita fome e, portanto, estavam ali à procura de alimento. O homem se comoveu com a situação e providenciou comida para as crianças. A polícia, então, localizou a mãe, que alegou trabalhar muito e precisar de tempo para se divertir. A mulher foi presa.
É válido lembrar que o artigo 133 da Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, considera abandono de incapaz o ato de “abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono”. A lei determina, como punição, detenção de seis meses a três anos.
Mas, afinal, quem são as vítimas de abandono de incapaz?
Em entrevista ao DIÁRIO DO RIO DOCE, a delegada de Polícia Civil Adeliana Xavier Santos, que também é mãe, explica quem são as pessoas amparadas por lei nessa categoria de crime.
“A lei não traz em seu texto o limite de idade. Incapaz é todo aquele que não possui capacidade para se defender dos riscos resultantes daquele abandono. A capacidade civil inicia-se aos 18 anos. Mas para a configuração do crime de abandono de incapaz, é importante analisar se a criança ou adolescente que foram abandonados tinham ou não capacidade de se defender. Uma criança de dois anos não tem qualquer capacidade de se defender, mas o adolescente de 15 pode se defender? Cada caso deve ser analisado de forma individualizada”, pontua.
Ponto de vista materno
Nesse sentido, Adeliana Xavier avalia, até mesmo de seu ponto de vista materno, a circunstância em que uma criança é deixada, por exemplo, aos cuidados de um irmão mais velho. “Sendo mãe de três, um adolescente de 14 anos e duas crianças, de 10 e 5 anos, entendo que irmãos não devem ser responsabilizados pela segurança dos mais novos. Uma vez que ainda estão em plena formação. Mais uma vez pondero que cada caso é um caso. Uma mãe que sai para trabalhar e não tem rede de apoio para deixar os filhos, pode pedir ao filho adolescente para cuidar do irmão mais novo? Quem sou eu para julgar a vida do outro pela régua da minha vida. Seria muita prepotência da minha parte. Essa é minha visão pessoal e como mãe”, observa.
Contudo a delegada ressalta que essa conduta oferece risco e propõe a necessidade de uma investigação. “Legalmente, a Polícia Militar ou Conselho tutelar pode comparecer a uma residência para resgatar irmãos, menores de 18 anos, que foram abandonados no local sem a presença de uma pessoa maior de idade. Isso pode gerar a instauração de um procedimento para apurar a conduta do responsável por aquelas crianças. Toda a situação deve ser analisada e apurada. O responsável legal que saiu para beber no bar e deixou os filhos sozinhos é diferente do responsável que saiu para trabalhar e não tinha com quem deixar os filhos”, exemplifica.
Apenas um descuido?
“A lei não aborda o que seja descuido e o que seja abandono. Descuido é não estar atento e a criança cair do balanço no parquinho. Abandono é algo muito mais sério! A criança não está no seu campo de visão ou cuidado, ela está sozinha em algum lugar, completamente vulnerável ao meio no qual está inserida”. – Adeliana Xavier.
A delegada, aliás, ressalta que deixar uma criança ou pessoa indefesa sozinha, independente do local, jamais pode ser visto como uma prática do cotidiano. Seja para levar um filho à escola, fazer compras ou resolver quaisquer pendências. Essa não pode ser, portanto, uma opção. “Deixar uma criança com menos de 12 anos sozinha nunca pode ser visto como algo comum. Pois não podem se defender dos riscos gerados por aquele abandono. Uma criança deixada dentro do carro, [por exemplo], é algo inaceitável e traz riscos enormes para o bem-estar e sobrevivência. Portanto essa conduta é crime”.
Por fim, Adeliana enfatiza que, em casos de flagrante, a vítima é entregue ao Conselho Tutelar. Então a Polícia Civil instaura um inquérito e passa a investigar o que levou ao abandono. Mas no decorrer das investigações a família pode assumir novamente a responsabilidade pela vítima. “A simples instauração de um inquérito policial para apurar as condições do abandono não suprime o poder familiar e a criança pode ser entregue ao responsável. Apenas após toda a tramitação do inquérito e do processo junto ao Judiciário, com atuação ativa do Ministério Público, é possível concluir pela mitigação [diminuição] do poder familiar”.
Para denúncias, disque 100 ou 190.
Comments 1
Chega ser triste isso, deixar uma criança sem os cuidados obrigatório pelos seus pais, realmente não tem nenhuma justificativa para isso. é covardia mesmo.