Chefes de família: cresce percentual de mulheres à frente dos lares no Brasil

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que, entre 2014 e 2019, quase 10 milhões de mulheres assumiram a frente do lar. Enquanto isso, no mesmo período, 2,8 milhões de homens deixaram a posição de chefes de família. Entre as tantas responsáveis pelo bem da casa e dos filhos no país está a valadarense Rubiana de Souza, de 41 anos. Ela é técnica em enfermagem, mas atualmente trabalha como atendente de telemarketing para uma rede de lojas e também faz artesanato para vender.

Rubiana faz acessórios de crochê para complementar sua renda. | DRD/TV Leste

Rubiana tem quatro filhos (de 26, 22, 14 e 5 anos) e criou três deles sozinha. Ela conta que engravidou, pela primeira vez, quando ainda tinha 14 anos. Depois disso, teve mais dois filhos com o então companheiro. Mas por viverem um relacionamento conturbado, acabou se separando. Desde então, Rubiana disse que o agora ex-companheiro não foi mais presente na vida da família e não deu assistência aos filhos. A partir daí, começou o desafio de, ainda jovem, tornar-se chefe de família.

“Minha mãe olhava eles para mim, para eu trabalhar. Mas quem sempre trabalhou e cuidou dos meus filhos foi eu. Recebi o auxílio, o Bolsa Família, mas se a gente for depender desse dinheiro não dá. Eu faço meus bicos, igual o artesanato, também sempre trabalhei de carteira assinada. Não pode parar, né”, relatou.

Hoje, os dois filhos mais velhos (de 26 e 22 anos) já não moram com Rubiana. O menor deles, de 5 anos, é fruto de um segundo relacionamento e mora com o pai. Sendo assim, segue sob os cuidados dela o Daniel, de 14 anos. A mãe de família conta com orgulho que sempre esteve ao lado dos filhos, buscando oferecer a eles o seu melhor e ser também uma inspiração.

Futuro

Nessa trajetória, Rubiana fez questão de ressaltar que, mesmo com as dificuldades em ser uma mulher multitarefas, a educação esteve presente na vida de toda a família:

“A questão dos estudos, das reuniões, era sempre eu quem ia. A gente não prevê o futuro, né. Eu engravidei muito nova, com 14 anos, então eu quase não aproveitei a fase da adolescência. Então Deus me deu muita força e hoje eu só não fiz uma faculdade ainda, mas pretendo fazer faculdade. Terminei meus estudos, fiz um curso técnico em enfermagem; já era para eu estar trabalhando, mas por causa da pandemia fiquei devendo os estágios. Hoje estou fazendo os estágios, de pouquinho em pouquinho, para concluir o curso e pegar o diploma. É um exemplo que eu quero dar para os meus filhos: ‘A mãe estudou, formou’. Estudar, trabalhar, ser dona de casa e ainda cuidar dos filhos, não é fácil”, destacou.

Rubiana de Souza e o filho Daniel, de 14 anos. | DRD/TV Leste
VÍDEO: DRD/TV Leste

Ainda conforme os dados do Ipea, 43% das mulheres que chefiam um lar, nos dias atuais, vivem em casal. Dessas, 30% têm filhos e as outras 13% não. Por fim, as 34, 4 milhões gestoras de domicílios restantes se dividem entre: mães solteiras (32%); solteiras, sem filhos e que vivem sozinhas (18%) e mulheres que dividem a residência com familiares ou amigos.

Por que isso está acontecendo?

Na busca por respostas para esse tema, o DRD esteve, na manhã desta sexta-feira (19), com a psicóloga e mestre em Gestão Integrada do Território Eliene Nery. Ela também é professora na Univale e afirma que o papel de chefe de família torna-se sinônimo de sobrecarga para a mulher; uma vez que ela não se desvincula das outras funções, como os serviços domésticos.

“A mudança, na situação cultural, da mulher ir para o mercado de trabalho, não traz junto um apoio para que alguém a substitua nos afazeres da casa. Então ela entra no bloco da jornada tripla de trabalho. Ela cuida de si, cuida da família e trabalha. As cobranças feitas nesse campo são muito voltadas para a mulher. Não se cobra do marido se o almoço está pronto, que a roupa não está lavada. A mudança cultural não acompanha a entrada da mulher no mercado de trabalho”, avaliou a professora.

Além disso, Eliene Nery pontuou as razões que culminaram no aumento do número de mulheres que, querendo ou não, tiveram que assumir o controle da casa ou da família em todos os sentidos, devido à ausência do homem. A princípio, a professora atribuiu esse dilema também ao cenário econômico nacional, que causou a perda de emprego de muitos maridos e pais nos últimos anos, principalmente, após a pandemia de covid-19.

No entanto Nery ressalta que há, em muitos casos, a falta de compromisso do homem no que diz respeito ao afeto e ao cuidado com a família, o que ela descreve como um traço cultural da sociedade:

“Os homens, por si só, trabalham e não trouxeram consigo o compromisso do cuidado com a família. É preciso que nós todos pensemos sobre o nosso lugar. O afeto, as parcerias entre homem e mulher, o amor, isso sempre vai fazer parte. O que se pensa é que tenham contribuições quando há parceiros. Parceria econômica, afetiva… Quando há a saída desse parceiro masculino e a mulher assume esse cuidar da família sozinha, isso para ela é mais difícil. Ela tem dado conta, mas com grande sacrifício. E isso é um custo para ela, emocional e afetivo”, afirmou.

Eliene Nery (professora da Univale)

Mulheres de baixa renda

A professora da Univale enfatizou que, nessas circunstâncias, o sofrimento emocional e a sobrecarga de uma mulher de baixa renda são ainda maiores. “Elas têm postos de trabalho em que ganham menos, muitos postos de trabalho foram perdidos ao longo da queda econômica. Então a mulher de baixa renda sofre mais com a precariedade da falta de trabalho e, às vezes, por estar sozinha, por não ter uma educação formal. Essa falta de educação formal dificulta na entrada de um emprego melhor, que possa trazer uma renda”, explicou Eliene Nery.

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