Brasil completa um ano do primeiro caso de Covid-19 na contramão do mundo

PHILLIPPE WATANABE (FOLHAPRESS) – Países veem o avanço da vacinação e quedas expressivas nas mortes por Covid-19 – o que, neste momento, não necessariamente representam causa e efeito. Enquanto isso, o Brasil, um ano depois do primeiro caso da doença registrado oficialmente, vê um novo crescimento do Sars-CoV-2 e alcança o pior momento na pandemia.

O Brasil completou nessa quarta-feira (24) 35 dias seguidos com média móvel de mortes acima de 1.000. No mesmo dia, o país superou a marca de 250 mil vidas ceifadas pela Covid-19 e registrou a maior média móvel de óbitos de toda a pandemia: 1.127.

Mas desde novembro a taxa começou a reapresentar tendências de crescimento. À época, especialistas já apontavam a expansão da doença e o risco que as festas de fim de ano representavam.

O registro de mortes nas duas últimas semanas no Brasil teve crescimento acima de 2%, o que representa uma situação de estabilidade, porém, em patamar elevado –cenário semelhante ao que persistiu no meio do ano passado.

O estado de São Paulo, por exemplo, registrou, no último dia 22, o maior número de pacientes com Covid-19 internados em UTIs desde o início da pandemia. Araraquara, no interior de São Paulo, viu se esgotarem suas vagas de UTI e, em menos de dois meses de 2021, já teve mais mortes por Covid-19 registradas do que em todo 2020.

Mas foi Manaus a primeira cidade em 2021 a ver seu sistema de saúde colapsar com a pressão da Covid-19. A evolução rápida das internações pela doença levou à falta de oxigênio hospitalar, e pacientes morreram sem acesso ao gás medicinal.

A região Sul do país, de início controlada, também vive o pior momento da pandemia, o que levou os governadores dos seus três estados a anunciar a criação de um grupo de trabalho contra a Covid-19.

Enquanto o vírus continua a avançar rapidamente pelo Brasil e com variantes preocupantes pelo potencial de contaminação, como é o caso da P.1 (observada no Amazonas), da B.1.1.7 (Reino Unido) e da B.1.351 (África do Sul), a vacinação caminha a passos lentos.

O país conta, até o momento, apenas com duas vacinas contra a Covid-19: a CoronaVac, sob responsabilidade do Instituto Butantan, e o imunizante de Oxford/AstraZeneca, nas mãos da Fiocruz.

Nesta semana, a Anvisa deu autorização para uso definitivo para a vacina da farmacêutica americana Pfizer, desenvolvida com o laboratório alemão BionNTech, mas ainda não foi feito acordo para compra de doses do imunizante porque o governo não concorda com cláusulas do contrato da farmacêutica. Doses dessa vacina começaram a ser oferecidas ao governo desde o segundo semestre do ano passado.

A campanha nacional de vacinação contra a Covid-19 teve início no fim de janeiro, e só 7,6 milhões de doses (somadas as primeiras e segundas) foram aplicadas, o que representa 3,82% da população brasileira acima de 18 anos. Além do ritmo lento, também já houve registros de outros problemas (não exclusivos do Brasil, porém) como a interrupção de vacinação em capitais, além de desencontros e erros do Ministério da Saúde.

O ônus da Covid-19 no Brasil neste ano, porém, é atípico entre países que já tiveram uma fase aguda em 2020. Em vários outros lugares, os números declinam.

Os Estados Unidos, que foram dramaticamente afetados pela Covid-19 (ultrapassa o meio milhão de mortos e soma mais de 28 milhões de contaminados, segundo a Universidade Johns Hopkins), registraram no último mês queda expressiva nas mortes, chegando a 22% na comparação entre a semana de 9 a 16 de fevereiro e superando 6% nos sete dias mais recentes.

A diminuição nos números americanos de mortes e casos coincide com o início do governo do democrata Joe Biden. Ao contrário de seu antecessor, o republicano Donald Trump, o novo presidente se mostra preocupado com as orientações científicas básicas de combate à Covid-19 e comunica essa preocupação o tempo todo.

Um exemplo é o uso de máscaras, incentivado pelo atual presidente, que também assinou ordem executiva (equivalente a medida provisória) determinando a obrigatoriedade do item em viagens, meios de transporte e em instalações federais.

Sob Trump, uma ação do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos) que visava o uso obrigatório de máscaras foi bloqueada, e a agência emitiu apenas recomendações para seu uso.

Como Trump, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido) também tem um histórico de desconsiderar evidências científicas sobre a Covid-19. Além de minimizar a pandemia desde o início, foram inúmeros os momentos em que Bolsonaro indicou o uso de medicamentos para Covid-19 considerados, por estudos científicos, ineficazes, e provocou aglomerações, sem preocupação com o uso de máscaras.

Segundo levantamento da ONG Conectas Direitos Humanos e do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (Cepedisa) da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), concluiu que na esfera federal “mais do que a ausência de um enfoque de direitos, já constatada, o que nossa pesquisa revelou é a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República”.

Os pesquisadores levaram em conta as 3.049 normas relacionadas à Covid-19 publicadas desde o início da pandemia até o fim de 2020.

Exemplos de campanhas de vacinação mais céleres (e seus consequentes efeitos positivos no combate à pandemia) também já são vistos pelo mundo. Um dos mais citados é Israel, que já tem mais de 50% da população vacinada. Com essas taxas, o país já viu números de mortes e infecções caírem.

O Reino Unido é outro que avança rapidamente e já tem mais de 25% da população inoculada. Mesmo em meio à vacinação, o país precisou passar recentemente por mais um “lockdown” para conter a expansão do Sars-CoV-2 e, principalmente, de sua variante mais contagiosa B.1.1.7. Resultado: queda no número de mortes.

Se tais exemplos parecem distantes, há também no continente desempenho superior na vacinação. O Chile já conseguiu vacinar mais de 14% da população, ficando à frente inclusive dos EUA (com mais de 13% dos habitantes vacinados).

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