Autismo: uma forma diferente de se relacionar com o mundo

FOTO: Freepix

Nos últimos anos, vários estudos e pesquisas no mundo todo mostram aumento no número de diagnóstico do transtorno; atualmente, uma pessoa em cada 59 é autista

A primeira vez que Breno ouviu falar sobre autismo foi dentro de casa, quando o diagnóstico do irmão mais novo foi confirmado, há cinco anos. Naquela época, o próprio Breno já tinha passado por várias avaliações psicológicas, mas sem um diagnóstico preciso, parecia um quebra-cabeça em que as peças não se encaixavam. 

A dificuldade de criar relações com outras pessoas, o jeito reservado e a hipersensibilidade auditiva e social reforçaram ainda mais a suspeita do Transtorno do Espectro Autista (TEA), como a peça do quebra-cabeça que faltava. 

“A dificuldade que eu percebo na minha comunicação é entender e processar algumas subjetividades, que pessoas típicas conseguem entender de imediato. Algumas coisas eu não entendo, outras demoro uns minutos para entender, e outras eu vou entender só no dia seguinte. Ou seja, existe um atraso no processamento de informação. […] O TEA ele é característico pela dificuldade de habilidades sociais. Nesse sentido, não é que o TEA não queira se relacionar socialmente com as pessoas, é que ele tem uma dificuldade nisso”, explica Breno dos Santos Lima.

Avaliação

A partir disso, ele considerou a possibilidade de buscar uma avaliação para saber se também tinha o transtorno. Hoje, aos 26 anos, já diagnosticado com o Transtorno de Espectro Autista sem deficiência intelectual, com pouco ou nenhum prejuízo na habilidade de comunicação, o estudante de Medicina entende melhor o porquê o quebra-cabeça do jogo social era sempre tão complicado de montar. “Quando se entende que é parte de si, você tem um ponto de referência para poder fazer as demais coisas na sua vida. A partir disso, eu posso dizer que o diagnóstico é libertador. Ele me dá a possibilidade de construir uma vida pautada na consciência do TEA”.

O autismo é um transtorno de desenvolvimento psiconeurológico que impede o cérebro de processar e conduzir informações de modo adequado. Assim define o professor e médico psiquiatra Estevão Vadasz, referência no Brasil sobre o assunto.

Mas para simplificar, também podemos dizer que é uma forma diferente do cérebro processar as informações, em que o indivíduo tem mais dificuldade de se relacionar com o outro, de expressar os seus desejos e compreender os desejos dos outros. “É uma forma diferente de se relacionar com o mundo”, define Fernanda Oliveira Ferreira, neuropsicóloga e professora na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Governador Valadares.

Aumento de diagnóstico

Assim como o Breno, nos últimos anos, vários estudos e pesquisas no mundo mostram um aumento no número de diagnóstico do transtorno, principalmente, em pessoas acima dos 18 anos. Atualmente, uma pessoa em cada 59 é autista. Um dos principais motivos é o aumento da capacidade de diagnóstico.

O autismo em adultos pode parecer improvável, mas é bastante possível que as pessoas cheguem à fase adulta e não saibam que convivem há anos com o TEA. Isso se deve ao fato de não manifestarem características moderadas ou severas do transtorno.

Fernanda Oliveira, que estuda o tema há mais de 15 anos, conta que no consultório percebeu um aumento considerável, nos últimos 10 anos, de diagnósticos de TEA em adultos, sobretudo, dos casos leves. “Às vezes a pessoa passou a vida inteira só considerando que ela era diferente, anti-social, estranha. E agora os próprios adultos têm passado a analisar seu histórico e buscar ajudar, buscar avaliação”.

O diagnóstico do TEA acontece por meio de uma avaliação clínica baseada na observação do comportamento da pessoa e entrevistas. Estas atividades buscam identificar algum prejuízo na vida da pessoa relacionados à dificuldade de interação social, de estabelecer relacionamentos e na comunicação.

Depois da confirmação do diagnóstico é fundamental buscar atendimento psicológico. Isso ajudará a compreender melhor as características do transtorno e aprender a lidar com as dificuldades nas interações sociais. Em alguns casos, será importante o acompanhamento com um psiquiatra ou neurologista, por ser necessário o uso de medicamentos.

Desmistificação e preconceitos

A divulgação de informação sobre o assunto tem ajudado a desmistificar ideais e preconceitos. E em paralelo pessoas autistas têm ocupado lugares de representatividade. Mas, além disso, para que esse jogo de quebra-cabeça fique completo, há também outras peças essenciais: empatia e respeito. A construção de uma sociedade, onde pessoas autistas são integradas, vai além dos direitos garantidos por lei conquistados nos últimos anos.

“Lugar de autista é onde ele quiser. Então a nossa sociedade tem que estar aberta para incluir, principalmente, na escola regular [o autista], para que ele tenha o convívio com os alunos neuroatípicos e também os alunos neurotípicos, desde da infância a criança aprenda a conviver com a neurodiversidade. A sair da sua caixinha e saber que há diferentes formas de vivências”, destaca a professora Fernanda Oliveira.

“O meu irmãozinho vai ter uma oportunidade que eu não tive. A família está preparada agora para lidar com ele da maneira que ele funciona para ele se preparar para lidar com o mundo. Eu acredito que não é o mundo que tem que se adaptar a nós. Mas sim nós que temos que dialogar adaptação que seja boa para as pessoas atípicas e típicas, neurologicamente falando”, disse Breno.

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