Queridos irmãos e irmãs, a proposta do evangelho para uma caminhada de fé nos faz pensar em entender que o evangelho é uma proposta e projeto para a vida de cada dia até o último instante. A vida humana se conflui com Cristo para uma identidade pessoal que salva e que tem poder de restituir a verdadeira dignidade humana. Cristo salva e revela.
Para nos revelar sua identidade e cumprir sua missão em meio à nossa realidade humana, para salvar a verdade da sua vida, ele vai até as últimas consequências, está disposto a “tudo”, até a perder a vida física.
A decisão “incondicional” e absoluta de ser ele mesmo e cumprir a missão que o Pai lhe confiou, tornando-se, também, sua missão a qualquer meio em vista da vida, e da vida em plenitude, é o ato supremo de fidelidade e obediência a Deus, com uma resposta de amor incondicional.
Queridos irmãos e irmãs, a vida de Jesus contemplada e rezada em nossa celebração eucarística e nos evangelhos é uma identidade a revelar, é uma missão a cumprir, desde a anunciação até o pentecostes. Perder a própria vida física, o morrer, consciente e com inteira liberdade, é o sinal de despojamento nas mãos do Pai, o “teste”, a “prova” absoluta da fidelidade à própria identidade é a missão recebida do Pai. É, portanto, o ato pelo qual a vida é salva e restituída.
Fazendo esse caminho, podemos então nos perguntar: qual é a identidade de Cristo? Ele é o verdadeiro Deus. Ele nos salva por aquilo que ele “é” na sua “essência e substância”. É um ato de reconciliação mais sublime entre o homem e Deus. Mas não podemos esquecer que, no percurso da vida e da história, Jesus nos salva com aquilo que “faz”. E o que faz com a sua missão depende da aceitação ou recusa da parte de cada ser humano e, de maneira especial, dos que se colocam ao seu lado no segmento.
Nos evangelhos, Jesus incita os apóstolos a dizerem o que pensam dele, de sua identidade e missão. Pedro, em nome dos discípulos, responde: “Tu és o Cristo de Deus!” Para os apóstolos, que refletem a mentalidade da época, e que no momento pensavam ter encontrado um mestre, em ter o Messias de modo diferente de como entende Jesus. Eles pensam no Messias com poder, Jesus como amor e serviço. Se Deus é amor, abertura, comunhão, não há outro caminho, outro projeto para ele, Homem-Deus, senão o do amor. Só o homem-amor pode ser a revelação do Deus-amor.
Se pensarmos na força e no poder de Jesus, poderia ter reconduzido o homem a Deus, realizado a obra de pacificação e reconciliação e do homem como Deus e dos homens entre si, também através do poder usado por amor. Mas o homem-Jesus prefere cumprir sua missão pelo amor – serviço – doação, isto é, unicamente pelo amor, o apelo às consciências, a doação, o serviço, a paciência, a mansidão, os meios podres, muitas vezes os pequenos atos e gestos. Porque este é o único caminho para a transformação dos corações.
Queridos irmãos e irmãs, a vida de Jesus sempre é e sempre será um amor fiel ao Pai e aos irmãos. Jesus jamais poderá aceitar ser o que seus compatriotas querem que ele seja, mas será o que o Pai quer, a verdadeira imagem de Deus do homem, a verdadeira face de Deus e a verdadeira face do homem, que se revela e se manifesta, não em alguns momentos, mas ao longo da caminhada. Até o fim!
Jesus sabe que essa decisão, de realizar o plano do Pai num mundo dominado pelas fragilidades humanas e o pecado, causar-lhe-á muito sofrimento. A recusa da parte do poder pelo poder, da ganância pela ganância e, enfim, morte violenta como castigo por fazer o bem. Ele aceita livremente essa consequência da sua decisão, para não trair o amor fiel ao Pai e ao homem.
Quando contemplamos os evangelhos, pode-se imaginar o drama da consciência do Cristo. Encarrega-se de realizar uma vocação messiânica e pretende levá-la a termo na mansidão e com os meios pobres e fragilizados, e ver que não poderá levar até o fim a sua obra porque verá a morte antes da sua realização, porque desde sua infância, já se vê em meio a essa realidade. Sem dúvida, Deus quer que se realize a missão messiânica de Jesus para além da morte. Deus não o abandonará na morte. Pois a morte violenta de Cristo pode ser vista e contemplada por dois ângulos, com o olhar da fé: por um lado revela a força do pecado humano, que mata e oprime; por outro lado, a força do amor mais forte do que a morte. Diante do contexto humano em que Cristo viveu, a morte violenta de Cristo, enquanto ato de amor absoluto, é também revelação de Deus ao homem e do homem a si mesmo.
Sendo assim, a morte de Cristo como caminho para a vida é a ressurreição do homem. Enquanto ato absoluto, é a ressurreição do homem, é a fonte da vida em plenitude. Porque a vida tem suas raízes no amor. Uma fonte que a humanidade, consciente ou inconscientemente, atinge – Cristo é o homem totalmente aberto, no qual os muros e as realidades desumanizadoras são derrubados, de tal modo que ele é integralmente “passagem” do pecado para a graça; da morte para a vida – Páscoa. O futuro do homem depende da Cruz; a redenção do homem é a Cruz. Ele não se encontrará, não se realizará verdadeiramente a si mesmo, senão permitindo a destruição dos muros da própria existência, voltando o olhar para Cristo crucificado – traspassado e seguindo aquele que, na condição de traspassado de homem com o lado aberto, abre o caminho para o futuro, de uma eternidade que se faz na compreensão da vida.
Fraterno abraço
Pe. Gilberto Faustino Bras