São por volta de 15h20 de uma sexta-feira, dia 1º de abril, em uma escola do bairro Turmalina. Faz uns 15 minutos que as aulas terminaram. A essa hora, todos os alunos já tinham saído das salas e ido para casa. Poucos sons são ouvidos. Um momento de aparente calmaria, intercalado entre o silêncio e algumas linhas de diálogos de pessoas contando o que planejaram para fazer no final de semana.
A conversa, então, é sobreposta por vozes que vêm da entrada da escola. Em poucos segundos já é possível ver um grupo de jovens se aproximando da quadra esportiva coberta. No começo dava para perceber uns 10 (o que já dava para montar dois times de futsal), mas aos poucos a pequena arquibancada de cimento vai ficando ocupada, à medida que chegam mais jovens.
No meio de um sol escaldante, típico de Valadares, as camisas de times de futebol se destacam. Antes de alguém pisar na quadra, do meio do grupo de jovens, um deles pega uma bola e chuta pra frente, em direção ao meio da quadra. Em seguida, dois deles aceleram os passos e correm na direção da bola. O primeiro a se aproximar da bola é Hugo, de 17 anos. Ele puxa a bola com o pé e olha em direção ao gol. Em um curto período de tempo o chute vira passe e encontra o pé do outro jovem. Enquanto uns observam da arquibancada, outros entram em quadra e começam a disputar a bola. Os habituados a jogar no gol tomam suas posições. Não demora muito para que em alguns minutos os times já estejam formados para o aquecimento da “pelada” começar.
Do lado de fora da quadra, um homem de estatura média, com máscara tampando a boca, já dá o recado: “Daqui a pouco eu vou aí para tirar o time”. O homem em questão é Breno Froy, que, desde 2006, é o que pode se chamar de oficineiro, no Programa Fica Vivo. Ele é responsável por organizar oficinas de futsal para jovens e adolescentes, entre 14 e 24 anos, que participam das atividades do programa de prevenção à criminalidade no bairro Turmalina.
Breno olha para a quadra procurando alguém, então ele chama Hugo e pede para que ele conte sobre o programa Fica Vivo. O jovem, meio sem saber o que falar, olha para o oficineiro, como se pedisse algumas dicas do que dizer. Com o incentivo do Breno, Hugo acaba conseguindo expressar um pouco do que já viveu nos dois anos em que participa do projeto.
“É muito bom, né?! Pra distrair a mente, sair do envolvimento aí na rua, jogar um pouco de bola, conversar com o pessoal aqui dentro, e assim tem sido. É melhor que tudo aí. Ficar na rua, envolvendo no crime, é a pior coisa que tem”, disse Hugo.
Dentro da quadra, a disputa da bola é intensa, a pelada ali é levada a sério. As vozes dos jovens se misturam, em meio a gritos de: “marca, marca ele”, “toca a bola aqui”, “só chuta pro gol”. E então o chute vem, mas não chega ao gol. A mira do “jogador” fez a bola passar exatamente na parte da grade da quadra que tinha um buraco.
Com a pelada parada, Breno aproveita para reunir os jovens e pede para fazerem uma roda. O momento era de atenção ao que o oficineiro falava. Os olhos do jovens se concentravam em Breno, enquanto ele contava das atividades que estão planejadas para acontecer, como, por exemplo, um campeonato de futsal. Ele explica os detalhes e pede atenção aos jovens, que, em meio à empolgação, acabam se dispersando do assunto. Com tanto tempo lidando com jovens e adolescentes, o oficineiro já sabe os caminhos para conseguir se comunicar com eles. Bastam algumas palavras para o foco retornar, sinal de quem conseguiu conquistar a confiança do grupo e sabe a importância do trabalho que faz.
“Muitos jovens realmente passaram por aqui. A gente tem trabalhado com eles as demandas que tem no dia a dia. Temos feito um trabalho de formiguinha, porque não é fácil. São jovens em situação de vulnerabilidade, então é complicado. Tem que ser um trabalho de muita paciência, um trabalho de formiguinha, realmente. Hoje a gente foca mais no social, porque através do esporte consegue educar, mas a gente tem que também atender às demandas que são trazidas pela realidade deles. O nosso foco aqui é o jovem, aquele jovem envolvido na criminalidade”, conta Breno sobre o empenho que tem no programa.
O Fica Vivo é uma iniciativa focada na redução de homicídios de adolescentes e jovens de 12 a 24 anos, em áreas que registram maiores concentrações desse tipo de crime. O programa promove oficinas de capacitação, esporte, cultura e arte. Em Governador Valadares, o Fica Vivo foi implantado em 2006.
“Através das oficinas a gente consegue intervir nas demandas individuais e particulares de cada jovem, assim também como questões que são coletivas. Nesse sentido, a gente utiliza a prática esportiva voltada para a qualidade de vida, mas também para atender às demandas sociais”, explica Jaqueline Soares, gestora do Fica Vivo em Governador Valadares.
Atualmente, a cidade conta com duas Unidades de Prevenção a Criminalidade, uma no bairro Turmalina e outra no Santa Helena. Só o núcleo do Turmalina atende cerca de 200 jovens e adolescentes por mês. Além do futsal, também são realizadas oficinas de fotografia e automaquiagem, dança e vôlei. Os encontros práticos buscam promover a discussão de temas relacionados a cidadania, aos direitos humanos e à participação social, colocando esses jovens como protagonistas. Ao todo, são 18 profissionais envolvidos nas atividades realizadas no programa.
Cada vez mais se faz necessário o contato social e a abertura para diálogos como ferramentas essenciais na construção de cidadania e sociedade. É através de ações simples, como uma “pelada”, que ocupa o tempo de adolescentes e jovens, que o programa Fica Vivo se mantém na luta contra a criminalidade. Um combate diário de sobrevivência para manter aqueles que participam do programa sempre por perto e longe da violência. Um verdadeiro trabalho de formiguinha.