GOVERNADOR VALADARES – O céu tomado pela escuridão e sufocantes nuvens de fumaça; no solo, milhares de hectares em chamas: essas foram as imagens de Minas Gerais que mais repercutiram nas últimas semanas. As queimadas florestais têm dizimado gradativamente a paisagem do estado reconhecido por suas belezas naturais. Com o maior número de focos de incêndio registrado em 14 anos, a Mata Atlântica mineira clama por ajuda e nos faz refletir: é possível controlar o fogo?
Causas
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Minas Gerais já teve mais de 6.191 focos de incêndio em áreas de vegetação apenas em 2024, sendo o maior número para o mesmo período (janeiro a setembro) desde 2010. Somente no mês de agosto foram registrados via satélite 2.488 focos no estado.

Mas, não é de hoje que as florestas mineiras ardem em brasas. De acordo com estudos de historiadores ambientais, a devastação da Mata Atlântica na região do Vale do Rio Doce é uma consequência do extrativismo das indústrias de mineração, siderurgia, agropecuária e madeireira, que se intensificou em meados do século XX. Desde aquela época, os posseiros abriam clareiras utilizando inadequadamente o fogo para limpeza e fertilização do solo. Assim, os incêndios florestais se alastravam por grandes extensões e dias.
Décadas se passaram, e nada mudou. Segundo o especialista em direito ambiental e mestre pela UNIVALE, Guilherme Rosa Thiago, as motivações para as queimadas seguem sendo as mesmas. “No Vale do Rio Doce, a principal causa é a utilização do fogo como ferramenta para manejo do solo. Por exemplo, algum produtor rural resolve “limpar o pasto” com fogo e ignora a influência da intensidade e direção do vento, além de não verificar se os aceiros estão bem executados para interromper a propagação do fogo. Assim nasce uma queimada descontrolada”, explica.
Além disso, conforme descreve o especialista, a região do leste mineiro é marcada por duas estações bem definidas, uma seca e uma chuvosa. Dessa forma, entre abril e setembro, a grande quantidade de vegetação seca durante o tempo de estiagem favorece o alastramento das chamas.
Efeitos
Então, se o uso do fogo como ferramenta para limpeza da vegetação ficou fora de controle, qual é o resultado disso? É possível observar claramente enquanto as chamas se espalham e destroem o bioma da região, causando danos à saúde humana e contribuindo para o agravamento das mudanças climáticas.
Antes de seu crescimento econômico, o Vale do Rio Doce era coberto por densas florestas de Mata Atlântica, mas, como foi destacado, essa vegetação foi rapidamente consumida pela indústria, o que modificou o clima da Bacia Hidrográfica. De acordo com pesquisas, uma das consequências dos incêndios florestais é o aumento das secas durante todo o ano, principalmente nas proximidades de Governador Valadares e Aimorés, locais em que a deficiência hídrica já indica a formação de um processo climático de semiaridez.
Por outro lado, a crise climática influenciada pelas queimadas também resulta nos eventos extremos que ocorrem durante o período chuvoso, como as enchentes. Nos últimos 40 anos, a frequência de alagamentos em Governador Valadares mais que duplicou, segundo dados disponíveis do SAAE.
Como impedir esse Piroceno?
É assim que, incapaz de controlar as queimadas, o homem sai de cena no Antropeceno (nome dado para a Era dos Humanos) e dá lugar às chamas do Piroceno, a Era do Fogo. Esse é um conceito proposto pelo historiador ambiental Stephen Pyne, que diz que o fogo, enquanto parte dos ciclos naturais, se manteve dentro dos limites ecológicos. “Mas, foi exatamente a apropriação do fogo pela espécie humana enquanto uma ferramenta tecnológica para exercer o domínio sobre a natureza, e seu uso desenfreado, que nos levou ao Piroceno”, explica o pesquisador Guilherme Rosa.
No entanto, encontrar formas para controlar as chamas não é o caminho recomendado para interromper o Piroceno. Para o especialista em direito ambiental, o mais indicado seria o ser humano avançar na outra direção e desistir da ideia de dominar a natureza. “[O ideal seria] trocar a lente com que enxergamos o planeta e seus recursos naturais: em vez de dominar para consumir, podemos cuidar para florescer e frutificar“, afirma.
Sendo assim, para evitar que a Era das Chamas continue em curso, é necessário cessar a exploração dos recursos e elementos naturais, especialmente diante de um cenário de crise climática. Em vez de tentar moldar a natureza a partir da ganância humana, devemos focar na recuperação dos danos já causados, aproveitando o pouco tempo que ainda nos resta.
Restauração
Segundo Guilherme, é possível que a natureza restaure as áreas impactadas a longo prazo, porém também existem ações de reflorestamento que podem e devem ser feitas para que o processo seja mais ágil. “Em ambos os casos é necessário que existam medidas de proteção e prevenção para evitar que novos incêndios atrapalhem a recuperação“, ilustra.
Para a preparação dos combatentes, uma das políticas públicas que podem ser aderidas a nível municipal é a capacitação de brigadistas. No estado, já existe o programa Minas Contra o Fogo, uma eficiente formação conjunta entre Semad, IEF, Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) e Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) que fortalece o combate aos incêndios florestais.
Enquanto isso, para garantir o reflorestamento da Mata Atlântica, é importante apoiar e incentivar iniciativas que promovam a restauração ambiental e o desenvolvimento rural sustentável. Em destaque na região, há a atuação do Instituto Terra, fruto da iniciativa do casal Lélia Deluiz Wanick Salgado e Sebastião Salgado, que em duas décadas de trabalho tem transformado milhares de hectares de áreas degradadas do Vale do Rio Doce em florestas novamente.
Provocar incêndios é crime. Denuncie!
De acordo com o art. 41 da Lei 9.605/98, causar incêndios em vegetação é tipificado como crime ambiental, o que pode resultar em pena de reclusão de dois a quatro anos, além de multa. Também é crime o manejo de fogo em regiões de reservas ecológicas, preservação e parques florestais.
Como foi destacado, a principal causa dos incêndios é pela ação humana. Por isso, caso veja alguém provocando fogo em vegetação, denuncie pelo Disque-Denúncia no número 181, de forma anônima ou pelo telefone 190, da Polícia Militar.
Também entre em contato com a Cemig (116) e com o Corpo de Bombeiros (193), se identificar algum incêndio, para que o combate seja efetuado o mais rápido possível.