Desde março de 2020 vivemos uma pandemia que gerou uma grande reviravolta em todo o mundo. A alta e rápida propagação do novo coronavírus, que provoca a doença Covid-19, resultou no fechamento dos comércios, no isolamento social de grande parte da população, no colapso de sistemas de saúde e causou um medo coletivo, principalmente em pessoas consideradas grupo de risco. Por isso, maternidades como a do Hospital Júlia Kubitschek (HJK), da Fhemig, passaram por uma série de adaptações para receber e tratar grávidas com suspeita ou confirmação da doença.
O cenário de pandemia, as medidas de proteção, higienização e distanciamento social, e todas as consequências deste período, como o desemprego e os impactos na economia, fizeram com que os planos comuns para uma gestação já não sejam mais os mesmos.
O Dia da Gestante, comemorado amanhã, 15 de agosto (sábado), será uma data para reflexão sobre como as gestantes foram impactadas por todas essas mudanças, e para fazer um alerta sobre todos os cuidados que elas devem ter, especialmente nesta fase.
As gestantes foram incluídas no grupo de risco (idosos com mais de 60 anos, pessoas com doenças cardíacas ou respiratórias, aqueles que têm diabetes ou estão se tratando do câncer), não por serem mais propensas a contrair o vírus que outras pessoas, mas por serem mais vulneráveis a infecções em geral.
“A Covid-19 é uma doença inflamatória e, no primeiro e no terceiro trimestres, a gestação cria um ambiente pró-inflamatório no corpo da mulher que seria um ambiente favorável para o vírus. Além disso, outros membros da família coronavírus, como MERS-CoV e SARS-CoV, estão envolvidos em complicações na gestação”, explica a coordenadora da maternidade do HJK, médica obstetra Ana Raquel Lara.
Grávida com Covid-19
Do céu ao inferno – isto é o que se pode dizer sobre o que a esteticista Polyanne Soares, 25, passou em sua segunda gravidez. Já mãe de um filho de dois anos, Polyanne levava com tranquilidade sua gestação de uma menina, mas, por volta das 26 semanas, o mundo parou por causa da pandemia do coronavírus. Nesse momento, começaram as dificuldades. “O consultório onde eu realizava o pré-natal fechou, e eu fiquei dois meses e meio sem atendimento. Fiquei muito preocupada com a saúde do meu bebê”, diz.
Polyanne, que continuou trabalhando em casa durante este período, reiniciou as consultas com um novo médico, mas, quando estava com 35 semanas de gestação, os problemas começaram a aparecer. “Descobri que estava com diabetes gestacional, e que teria que adiantar o meu parto”, relata.
Já se preparando para o momento de dar à luz, a esteticista começou a sentir os sintomas da Covid-19. “Senti falta de ar, cansaço e tive febre e perda do paladar, mas só fui à UPA realizar o exame depois que meu pai testou positivo”, conta Polyanne.
Depois de também receber a confirmação da doença, foi recomendado à Polyanne que ela permanecesse internada na UPA, onde ficou por três dias. De lá, foi transferida para o HJK, e teve que ser internada no CTI. Foi lá que a jovem começou a sentir as contrações do parto, que aconteceu no outro dia.
Segundo ela, o número reduzido de plaquetas, que impediu a realização de uma cesariana, resultou em um início de hemorragia durante o parto, mas no fim tudo deu certo, e sua filha Catarina nasceu saudável, apesar de um pouco “cansada”.
“Foi muito difícil, meu marido só pôde ficar comigo no momento do parto, e durante todo o resto do tempo eu estava sozinha. Mas pude ficar com minha filha após o seu nascimento, e amamentá-la normalmente”, revela.
Hoje, 20 dias após o parto de Catarina, Polyanne pode cuidar de sua filha recém-nascida com tranquilidade, mas ainda realiza tratamento para uma possível sequela da Covid-19. Quando perguntada sobre a dica que deixa para mulheres que esperam bebês na pandemia, ela foi enfática: “Cuidem-se, pois não sabemos o dia de manhã”. E continuou: “A gente escuta tanto ´fica em casa’, e às vezes não damos importância para isso. Eu achava que a Covid-19 era algo distante de mim, até que houve o primeiro caso na família, e de repente 28 pessoas pegaram. Perdemos minha tia, e minha avó permanece internada. Eu não desejo para ninguém o que passei, estar grávida, em um CTI, sem poder falar com minha família, vendo tantas pessoas entubadas. Quando eu estava no hospital, tudo que eu queria era estar em casa”, desabafou a esteticista.
Cuidados na pandemia
Mesmo que o indicado seja o distanciamento social, para ajudar a reduzir a curva de contágio, é importante destacar a importância de as gestantes continuarem a realizar os exames de rotina. O pré-natal é um acompanhamento primordial e não deve ser interrompido durante a quarentena.
“Em locais de consultas, recomenda-se não levar acompanhante e manter 1-2 metros de afastamento de outras pessoas. Além disso, a gestante deve realizar os cuidados básicos: higienizar as mãos com frequência e usar máscara cobrindo o nariz e a boca”, salienta Ana Raquel. A profissional ainda lembra que a grávida deve permanecer em casa pelo maior tempo possível.
Informações da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig) ainda recomendam que os atendimentos reduzam o máximo possível a espera pela consulta, e que a gestante não precise ir ao local repetidas vezes, se não for necessário.
“A periodicidade das consultas e exames complementares devem ser suficientes para garantir o cuidado adequado de cada gestante, evitando excesso de visitas a locais com ambientes fechados e aglomeração de pessoas”.
O cuidado com a saúde em geral e a saúde mental também devem ser foco no atendimento às gestantes nessa fase. “As orientações passadas são sobre ter uma alimentação saudável, mas também tentar uma convivência saudável em casa em tempos de isolamento social. Como, por exemplo, tentar encontrar uma atividade prazerosa que possa ser feita, e melhor ainda, em família”, recomenda a coordenadora da maternidade do HJK.
A médica obstetra ainda sugere tentar dividir as responsabilidades das tarefas domésticas com os demais membros da família para evitar sobrecarga física e mental à gestante, e manter contato telefônico com amigos e parentes que não residem na mesma casa, já que ter uma rede social que apoie a gestante é importante nesta fase.
Hospital preparado para a Covid-19
A maternidade do HJK, referência no Estado para atendimento a pacientes com Covid-19 ou suspeitos da doença, preparou-se desde o início da pandemia para realizar o parto e o tratamento clínico de gestantes com segurança. O fluxo na maternidade foi alterado já na triagem, quando a paciente é questionada sobre sintomas respiratórios. Caso os apresente, ela passa por uma avaliação clínica mais detalhada em um consultório separado.
“Se a gestante não tiver que ser internada para o parto, ela é avaliada quanto à gravidade dos sinais e sintomas. Se a doença for leve, ela será liberada com uma receita, recebendo orientações sobre isolamento social e sinais de agravamento que indicam um retorno ao hospital. Se a doença for grave, ela poderá ser internada para investigação”, explica Ana Raquel.
Caso após a coleta dos exames a suspeita de Covid-19 se confirme, as pacientes são separadas mais uma vez, sempre com muito cuidado para que suspeitas e confirmadas não se misturem. Os profissionais da equipe que atendem as gestantes com Covid-19 ou suspeitas também não se juntam aos que atendem pacientes sem sintomas de síndrome gripal.
As gestantes que dão entrada na unidade para ter o bebê também passam por um fluxo diferente. Se for uma paciente com suspeita ou confirmação de Covid-19, ela será encaminhada para uma sala pré-parto exclusiva, onde cabem até no máximo quatro gestantes. Neste local, a paciente permanece até o momento de dar à luz, quando é encaminhada à sala de parto.
O único espaço compartilhado por todas as grávidas é o bloco obstétrico, que é a última sala por onde passa o fluxo das gestantes. Mesmo assim, há todo um cuidado para o que o acesso ao local pelas pacientes seja feito de forma segura: suspeitas ou confirmadas de Covid-19 entram no bloco por uma porta diferente daquelas sem sintomas.
Após o parto, a paciente, já com o bebê e na presença de um acompanhante, é encaminhada à enfermaria exclusiva pós-parto, equipada com 10 leitos, respeitado o distanciamento necessário.
De 17 de março (quando a maternidade se tornou referencial para gestantes, parturientes e puérperas com casos suspeitos ou confirmados de Covid-19, no fluxo de responsabilidade do Programa de Parceria de Investimentos – PPI em Belo Horizonte) até o dia 11 de agosto, haviam sido realizados 209 atendimentos de urgência e emergência a casos Covid-19 ou suspeitos na maternidade do HJK, sendo que 117 pacientes tiveram que ser internadas. 35% dos casos demandaram internação no CTI. Foram realizados, neste período, 45 partos de mulheres confirmadas/suspeitas para Covid-19.
Emergências não devem ser ignoradas
Outro ponto importante que deve ser considerado são as imprevisibilidades que podem aparecer na gravidez. Muitas gestantes podem ficar receosas em procurar o hospital no meio da pandemia, pelo risco de contágio, mas em alguns casos é preciso deixar a insegurança de lado.
“Caso haja algum sangramento vaginal, perda de líquido, ou se houver diminuição dos movimentos do bebê, a gestante deve comparecer imediatamente ao atendimento de urgência”, ressalta a profissional.
A indicação da via de parto deve seguir as características de cada caso. O médico deve definir o que for mais seguro para a parturiente e seu filho naquele momento, e a escolha dependerá das condições clínicas da mãe e do feto.