GOVERNADOR VALADARES – Governador Valadares está entre as 10 cidades de Minas Gerais que receberam os maiores repasses da Lei Aldir Blanc, em 2023, com um valor depositado de R$ 1.752.323 acrescido de rendimentos, totalizando R$ 1.859.310,67. O valor consta na Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura. Por lá é possível verificar que o recurso está disponível na conta da Prefeitura desde 26 de dezembro de 2023. A aplicação desse recurso, porém, ainda é uma promessa em meio a questionamentos, burocracias e cobranças da comunidade cultural, que vê com preocupação o avanço dos meses sem o tão esperado apoio. O cenário parece um capítulo já conhecido pelos produtores culturais da cidade, que viram processos semelhantes no passado terminarem em devolução de recursos ao Governo Federal.
A corrida contra o tempo expõe a fragilidade do setor cultural de Valadares, onde muitos artistas e agentes culturais dependem de recursos provenientes de leis de incentivo e editais para sustentar suas atividades e promover projetos. A Lei Aldir Blanc, por exemplo, foi criada com o intuito de apoiar o setor cultural durante a pandemia e, desde então, tornou-se uma fonte essencial de financiamento para muitos trabalhadores da cultura. Estes recursos, no entanto, demandam organização, planejamento e transparência para serem efetivamente utilizados e distribuídos, e muitos municípios ainda enfrentam dificuldades nesse processo.
Christopher Rodrigues é um dos produtores culturais que testemunhou as dificuldades de captação de recursos em Valadares. Projetista com experiência em projetos para associações e empresas, ele integra o coletivo GV Cultural, que promove o fortalecimento da cultura local. “A Secretaria de Cultura, ela tem devolvido o dinheiro dos editais e nós temos visto outros produtores passando muita dificuldade aqui, porque como Valadares não é uma cidade industrial, as pessoas aqui vivem com salário mínimo, não é igual outras cidades próximas a nós como Ipatinga, que já é uma cidade industrial que vive com dois, três salários mínimos. Então as pessoas carecem da necessidade de viver de cultura.”, explica Christopher.
Outro ponto de vista vem de Letícia Firmatto, produtora cultural com longa trajetória em Valadares. Envolvida em diversos projetos culturais e artísticos, Leticia destaca que, sem o devido planejamento e com a falta de transparência, os recursos correm o risco de seguir o mesmo caminho de edições passadas. “Em 2020, a prefeitura de Valadares ela ia ter que devolver, se não tivesse sido prorrogado, R$ 1,4 milhão porque não distribuiu o recurso. Aí conseguiu a prorrogação e mesmo com a prorrogação foram de novo deixando tudo pra última hora e aí chegou no final do prazo que era 31 de dezembro, eles não conseguiram empenhar todo o recurso e tiveram que devolver recurso pro Governo Federal”, relembra. Para ela, um dos grandes entraves é a falta de diálogo direto com a Secretaria, que coloca os trabalhadores culturais em uma situação incerta e sem garantia de que suas reivindicações serão atendidas.
Fernanda Oliveira, também produtora cultural, integra o movimento hip-hop em Valadares e faz parte do coletivo Deck, onde atua com jovens em comunidades vulneráveis por meio de batalhas de rima e oficinas culturais. Ela também tem acompanhado todo o processo em relação à implementação da lei Aldir Blanc. “Já na primeira edição, a gente teve vários problemas. Nós encaminhamos uma denúncia ao Ministério Público por causa desses problemas com a aplicação da lei aqui na cidade. E aí, na segunda edição, a gente se organizou melhor, tomou a iniciativa para lei Aldir Blanc ser compatível com a realidade dos trabalhadores da cultura e, mesmo assim, tivemos também vários problemas, isso porque não foram contratados pareceristas isentos; a prefeitura não formalizou e não implementou o Conselho de Cultura para fiscalizar a implementação da Lei Aldir Blanc. Nós fizemos uma segunda denúncia do Ministério Público e, agora, nessa nova gestão da Secretaria de Cultura, a gente também esteve junto acompanhando a falta deste Conselho de Cultura, que a gente também já solicitou ao Ministério Público, que a prefeitura implementasse”, disse Fernanda Oliveira.
“A gente ficou esperando a divulgação do edital, com muita expectativa, só que essa divulgação não saiu até então”, comenta Fernanda. Ela explica que o atraso compromete a inclusão dos artistas que, como ela, dependem da continuidade desses projetos. “Pedimos premiações e menos burocracia para facilitar o acesso ao recurso, mas sem resposta. E o tempo para elaborar projetos é cada vez menor”, conclui.
Entendendo a importância dos recursos de incentivo à cultura
A captação de recursos para a cultura, por meio de leis de incentivo como a Lei Aldir Blanc e a Lei Rouanet, permite que produtores e artistas promovam projetos que fortalecem a diversidade e a produção cultural no país. No caso da Lei Rouanet, o patrocínio vem de empresas privadas, que direcionam uma porcentagem de impostos para projetos culturais, garantindo que atividades artísticas sejam financiadas e tenham impacto social. Já a Lei Aldir Blanc, que envolve recursos diretamente distribuídos pelo Governo Federal, busca apoiar, especialmente, a cultura local e os produtores que não têm fácil acesso a patrocinadores privados, oferecendo um alívio financeiro para ações culturais de impacto local.
Essas leis permitem que o recurso captado seja investido em oficinas, exposições, festivais e na formação de novos agentes culturais, promovendo assim o desenvolvimento de uma identidade cultural mais inclusiva e fortalecida. Em Governador Valadares, porém, os produtores culturais precisam de um Conselho de Cultura ativo para que esses recursos possam ser organizados e fiscalizados com mais eficiência, evitando que os fundos sejam devolvidos por falta de uso.
A resposta da Prefeitura: promessas e prazos apertados
Questionada sobre o atraso na aplicação dos recursos, a Prefeitura de Governador Valadares, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, apontou os trâmites burocráticos como a principal causa. Em nota, a Secretaria informou estar cumprindo os processos legais para garantir a transparência da aplicação dos recursos e se mostrou otimista de que os editais sejam lançados “até a próxima semana”. A Prefeitura também se compromete a usar “todas as mídias e o Diário Oficial” para informar e orientar os produtores culturais sobre os processos de acesso aos recursos.
A instituição do Conselho Municipal de Cultura, aguardada há anos pelos produtores, é outra promessa que parece próxima de se concretizar. A Prefeitura anunciou a realização de fóruns setoriais nas próximas semanas, um passo necessário para a criação do Conselho. O Fundo Municipal da Cultura, no entanto, ainda depende da implementação deste conselho.
Com um valor considerável em jogo e um setor cultural sedento por apoio, resta à comunidade cultural de Governador Valadares esperar que as ações anunciadas sejam, desta vez, cumpridas a tempo. A lei exige que o recurso seja aplicado até o dia 31 de dezembro de 2024. Após esse prazo, o valor será devolvido ao Governo Federal.
Agora só o tempo dirá se os editais e o Conselho Municipal de Cultura vão finalmente ganhar vida ou se a cidade continuará, mais uma vez, a lutar para que seu potencial artístico e cultural encontre espaço para florescer.