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Árvore: estratégia para conter o calorão

FOTO: Wellington Malini

Segundo pesquisas, a alta capacidade de absorção de calor promove, sob as árvores, uma diferença de temperatura que pode chegar a 6º C

WELLINGTON MALINI
da TV Leste para o DRD

GOVERNADOR VALADARES – Quem olha para o pico da Ibituruna, principal cartão postal da cidade, logo percebe o contraste entre a imponente “pedra negra” e a escassa vegetação. Entretanto, a realidade era outra, quando a cidade começou a nascer ao longo da ferrovia Vitória a Minas. Desde o começo de sua colonização, a cidade, então distrito de Figueira, viveu a “opulência do verde”, fator que, segundo os pesquisadores, foi um complicador da exploração da região por conta da mata densa e da presença de doenças endêmicas, como a malária.

Ao longo do tempo, o crescimento da exploração comercial e madeireira absorveu grande parte das riquezas da região. De acordo com o historiador e professor titular da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Haruf Salmen Espindola, o resultado é uma região com o solo empobrecido por conta das diversas intervenções que vem sofrendo, como a técnica da coivara, a derrubada da vegetação, que depois de seca, é queimada.

“Até os anos 70, tinha muitas residências no centro da cidade com quintais e neles muitas árvores, como pés de manga, abacate, carambola e várias outras espécies frutíferas. Quem olhava por cima, via uma cidade muito arborizada e isso praticamente não existe mais”, lembrou Espíndola, ressaltando que a solução para minimizar os efeitos do calor, já muito intenso na cidade, é a recuperação da arborização.

Espíndola explica que o planejamento de Governador Valadares seguia o modelo da planta de Belo Horizonte e, no final dos anos 50, passou por um intenso trabalho de arborização do centro com o plantio dos Oitis. “Teve até campanha para que as pessoas também plantassem. Para se ter uma ideia, a Avenida Minas Gerais era cheia de árvores no canteiro central, mas isso foi ficando inviável por conta do crescimento da cidade e chegada dos automóveis”, explicou.

José Altino Machado, ex-vereador da cidade, foi o responsável por trazer os Oitis para Valadares ainda no final da década de 1950. “Já naquela época a cidade era muito quente, muito mais do que hoje. Para você ter uma experiência de como era Valadares naquela época, basta passar na ponte da Ilha por volta do meio-dia. Era insuportável andar pela cidade sem arborização. Nós só tínhamos árvores, que eram os Ficus, na avenida Minas Gerais, e em poucas ruas da área central”, comentou Machado, acrescentando que muitas delas tiveram de ser sacrificadas por conta de pragas.

Imagem de Valadares no início dos anos 50. FOTO: Arquivo/Museu

Segundo ele, a arborização da cidade foi uma solicitação dos empresários. “Primeiro, nós tentamos o plantio do Flamboyant, mas ele não dava sombra. Tentamos a castanheira, mas as folhas dela eram grandes demais e entupiam os bueiros”, disse ele lembrando que a solução foi buscar alternativas fora da cidade. “Naquela época eu já tinha avião e fui a Cornélio Procópio, no Paraná para outras demandas e acabei descobrindo os Ipês naquela região”, comentou Machado, lembrando de um erro de comunicação entre ele e o prefeito daquela cidade que inviabilizou que o Ipê fosse trazido para Valadares.

“Quando eu vi as árvores, elas estavam floridas e eram lindas. Eu perguntei: ‘prefeito, quanto tempo para ficar assim’. Ele me falou 40 anos, mas ele achou que eu estava me referindo às flores. Eu entendi errado e vi que era inviável, pois precisávamos de sombra rapidamente. Ele me indicou uma outra cidade onde iria achar o que eu precisava e em Apucarana descobri os Oitis, que são típicos da Mata Atlântica. Com dois anos já teríamos sombra”, lembrou.

Machado é autor de um projeto de lei que determinava o plantio de duas mudas de árvore na frente de cada residência habitada ou não. “O morador ficou responsável por cuidar”, disse. O resultado, segundo Altino Machado, foi o plantio de 52 mil árvores na cidade.

A estrada de ferro e o avanço da pecuária

Através de um resgate histórico, é possível entender a dimensão do impacto da economia extrativista que atuou na região do Vale do Rio Doce no início do século 20. Em seu trabalho “Nada se perde tudo se consome: devastação da floresta tropical de Minas Gerais no século xx”, o historiador Haruf Salmen Espindola, doutor em História pela Universidade de São Paulo, destaca o início da devastação da floresta tropical na região, que impactou e moldou o aspecto climático do atual Vale do Rio Doce.

“A diversidade florestal aqui era grande, com muita madeira de lei, peroba, jacarandá, ipê e muitas outras. E uma fauna e uma biodiversidade impressionantes. Assim como toda região, a Ibituruna era coberta de floresta e vários fatores contribuíram para a devastação dessa floresta. Aqui prevalecia a agricultura de coivara: desmata, queima e depois, na terra, planta”, explicou. Segundo ele, outra forma de devastação da floresta foi a ação das madeireiras e a produção de carvão. “As toras eram exportadas pela estrada de ferro Vitória a Minas, que foi construída para integrar economicamente a região ao porto de Vitória. Na década de 1940, chegou a era das serrarias. Valadares chegou a ter doze grandes serrarias e muitas outras, inclusive em cidades do entorno. E foi exatamente no entorno dessas serrarias que foram surgindo os povoados”, destacou.

De acordo com o estudo, nas três primeiras décadas do século XX, a construção da estrada de ferro, iniciada em 1903, foi o principal fator de incremento do povoamento e transformação da paisagem. Espindola destaca que a região era composta por uma “população rarefeita e de grande incidência de malária”. “A partir da construção da Rio-Bahia, atual BR-116, começou a surgir a pecuária de engorda, chamada de ‘invernada’, que é engordar o boi para enviar para os frigoríficos, especialmente para o Rio de Janeiro. A mata começou a dar lugar às pastagens de colonião por conta da expansão da pecuária, o significou também a redução da mata”, disse.

Outra prática comum na região, segundo o pesquisador, eram as queimadas, forma comum de manejo na pecuária. “Esse foi outro fator que atingiu as florestas e eles eram comuns. O fogo entrava pela mata, porque era provocado por conta do plantio, saía do controle e ainda tinham as fagulhas que saíam da locomotiva, que era a vapor. Na época da seca, o colonião vira uma palha, pega fogo, atinge a mata e, no ano seguinte, no lugar da mata, nasce o colonião e a mata morre”, explicou o pesquisador ressaltando ainda a presença da Aroeirinha: “essa árvore infesta, toma conta e nada mais nasce”, finalizou.

Inimigas das calçadas

Com o crescimento da cidade, em muitas ocasiões, as árvores passaram a ser “inimigas”, seja por conta da construção de novos empreendimentos ou mesmo por danificarem as calçadas. “Quem me indicou as árvores, me passou todas as instruções. Me disseram que não podia deixar crescer muito, pois galhos ficariam grossos demais e poderiam cair. Me disseram que o tamanho da raiz de uma árvore tem o tamanho da copa e ressaltou que o Oiti não cai, o que cai é o galho dele que, se ficar alto demais, pode pesar e o tronco não suportará o peso”, destacou Altino Machado.

Daniele Werneck, moradora de um condomínio no bairro São Pedro disse que um conjunto de árvores vai precisar ser retirado para dar lugar à área de acesso dos prédios. “Eu acho errado cortar uma árvore, pois a gente precisa de sombra. Os moradores dos primeiros andares estão reclamando e não querem que as árvores sejam cortadas, pois eles vão perder a sombra no apartamento deles. Acho que é possível fazer o acesso e manter as árvores”, argumentou. Daniele é casada com Francisco Artur Ferreira, que já ocupou o cargo de Gerente de Praças e Jardins na prefeitura de Governador Valadares. “Eu recebi vários pedidos de poda e de corte, vários foram concedidos. Alguns pediam autorização e outros cortavam por conta própria”, disse Ferreira.

Caminhando pela cidade, é possível observar locais onde ocorreram os cortes das árvores. No início da rua Doze, na Ilha dos Araújos, três delas foram cortadas. O professor e pesquisador Alexandre Sylvio, acompanhou de perto a mudança na vegetação e, segundo ele, a cidade perdeu muito da sua arborização. “Valadares já foi muito mais arborizada e, nos últimos anos, entramos em um processo de corte dessas árvores urbanas, os Oitis. Acredito que por conta da fiação ou até mesmo estética, mas percebo que o corte é bem mais intenso”, disse.

Segundo o pesquisador, por conta da alta capacidade de absorção de calor, a presença das árvores no ambiente ajuda na redução da temperatura ambiente. “As árvores funcionam como um ‘ar condicionado’ natural. A temperatura debaixo de uma árvore pode chegar a uma diferença de até seis graus”, destacou.

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