Estudos da Embrapa mapearam municípios em todo o País com condições mais favoráveis ao desenvolvimento da drosófila-da-asa-manchada (DAM), praga que ataca pomares de frutas pequenas e pode gerar perdas de até 100% da produção. Identificada no Brasil em 2013, ela afeta principalmente plantações de ameixa, amora, caqui, citros (laranja, limão e tangerina), figo, morango, nectarina, pera, pêssego e uva. As pesquisas, que fazem parte do Projeto DefesaInsetos e envolvem três Unidades da Embrapa (Meio Ambiente – SP, Territorial – SP e Semiárido – PE), têm ainda como objetivo detectar potenciais agentes de controle biológico e minimizar o impacto ambiental do uso de produtos químicos contra o inseto.
Os estudos apontaram que o mês de novembro é o que apresenta o maior número de municípios com condições favoráveis ao desenvolvimento da drosófila-da-asa-manchada: 2.288, no total. Em contrapartida, junho é o que tem o menor número: 884 municípios. A área mais propícia está na região Sudeste, onde a presença de pomares e as condições de temperatura e umidade favorecem o desenvolvimento do inseto durante todo o ano. Na região Sul, a favorabilidade predomina de outubro a abril, enquanto no Nordeste a aptidão prevalece de maio a outubro, com pico em julho. Na região Centro-Oeste, as quatro unidades da federação têm condições favoráveis entre dezembro e junho. O período mais curto é o da região Norte, de junho a agosto.
Os períodos de inaptidão ao desenvolvimento da DAM também foram sinalizados pelos zoneamentos mensais realizados pela equipe da Embrapa. Para tanto, foram analisados dados de produção agropecuária do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de forma a identificar os municípios em que há produção das principais plantas frutíferas hospedeiras. Outra fonte utilizada foi o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Rafael Mingoti, analista da Embrapa Territorial, destaca que, ao revelar as áreas e períodos em que o inseto tem condições ótimas para o desenvolvimento, o trabalho aponta quais locais e momentos exigem mais atenção para evitar prejuízos.
Drosófila-da-asa-manchada (DAM)
Drosophila suzukii é um inseto polífago, praga exótica de importância econômica para cultivos no Brasil, onde foi identificada em 2013. É conhecido por Drosófila-da-Asa-Manchada (DAM) ou Spotted Wing Drosophila (SWD), além de mosca-da-cereja ou mosca-do-vinagre.
Originária do sudeste da Ásia, a DAM é considerada uma das mais importantes pragas de pequenas frutas em diferentes países na América do Norte, América do Sul, Ásia e Europa. O inseto-praga possui grande gama de cultivos-hospedeiros, entre eles mirtilo, morango, framboesa, pêssego, uva, amora, amora-preta, cereja, ameixa, caqui, figo, citros (laranja, limão e tangerina) e pera. Pode ocorrer também em damasco, nectarina, seiva de carvalho e flores.
As perdas podem chegar a 100% da produção e sua principal estratégia de manejo é baseada no controle químico. Entretanto, algumas características do controle biológico também o tornam uma boa estratégia para o manejo desse inseto. Entre elas, destaca-se a capacidade de muitos parasitoides atacarem as larvas dentro das frutas, onde os agrotóxicos são geralmente menos eficazes. Além disso, os inimigos naturais são capazes de interferir na mortalidade natural de populações de pragas presentes em áreas naturais, nas quais hospedeiros silvestres estão presentes e o controle não é empregado.
Fotos: Paulo Lanzetta
Controle biológico: vespas parasitoides são promissoras contra a praga
Para tentar reduzir esses prejuízos, os produtores geralmente lançam mão do controle químico. Por isso, uma das prioridades da pesquisa agropecuária é buscar alternativas e formas de uso mais adequado desses produtos, além de disseminar conhecimentos que favoreçam o uso bem-sucedido do controle biológico.
A equipe de pesquisa da Embrapa tem buscado informações sobre diversos inimigos naturais – fungos, bactérias, vírus, nematoides, predadores e parasitoides – que possam atuar como agentes de controle biológico da drosófila-da-asa-manchada. Na avaliação de Jeanne Prado, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente responsável pela prospecção desses bioagentes de controle, “estudos que aprofundem o conhecimento sobre a praga e as estratégias de controle são sempre necessários, pois abrem um leque de opções nacionais ao controle do inseto”. Trabalhos baseados em informações técnico-científicas nacionais e internacionais sobre a drosófila-da-asa-manchada e seus inimigos naturais favorecem a prospecção por bioagentes de controle, antes mesmo que sejam realizados estudos laboratoriais ou de campo, complementa.
“Buscamos informações sobre inimigos naturais que já se apresentaram no exterior como importantes estratégias de controle e identificamos aqueles já presentes no nosso território ou que possuam habilidades para adaptação e possível sucesso no controle da praga. Ao ser integrada ao manejo em cultivos agrícolas, a estratégia pode auxiliar na redução do uso de produtos químicos”, detalha Prado. A análise mais aprofundada da literatura técnico-científica resultou na priorização de duas vespas como mais viáveis para uso em condições nacionais.
Os cientistas fizeram, então, um segundo mapeamento, para avaliar se as áreas de maior atenção para a proliferação da praga também apresentariam boas condições ao desenvolvimento de uma dessas vespas parasitas, a Ganaspis brasiliensis. O estudo apontou que ela possui aptidão para uso em todas as áreas indicadas como favoráveis também à drosófila-da-asa-manchada, o que permitiria o uso desse recurso biológico.
A partir dos resultados desse segundo zoneamento, estudos sobre a Ganaspis brasilienses foram aprofundados com base em informações sobre populações chinesas e coreanas do parasitoide, que já vêm sendo utilizadas no exterior. Entre os vários municípios identificados como aptos tanto ao desenvolvimento da drosófila-da-asa-manchada quanto da vespa, cinco foram priorizados para a realização de estimativas dos tempos de desenvolvimento e das quantidades de gerações anuais, tanto da praga quanto de cada uma das populações do parasitoide: Bento Gonçalves, RS; Morro do Chapéu, BA; Oiapoque, AP; Petrolina, PE e Vacaria, RS.
Essas estimativas consideraram as necessidades mínimas de energia, adquirida pelos insetos, com base na temperatura de cada local, para que eles sobrevivam e consigam passar por todas as suas fases de vida, gerando descendentes, isoladamente por município avaliado. Por essa razão, também demandaram informações de temperaturas médias máxima e mínima mensais, obtidas a partir das informações disponibilizadas pelo INMET. Os resultados apresentaram os tempos de desenvolvimento da fase imatura e o número de gerações da praga e do parasitoide (para cada população) em cada município, como também em diferentes períodos de safra de framboesa, em Bento Gonçalves, RS, e de morango, em Morro do Chapéu, BA.
Saiba mais sobre os bioagentes priorizados pela pesquisa
A aplicação de produtos químicos ainda é a principal estratégia utilizada para o controle de D. suzukii. No entanto, aplicações constantes elevam o custo de produção, prejudicam a ação dos inimigos naturais no campo, levam ao desenvolvimento de populações resistentes da praga e podem causar efeitos indesejáveis em populações de polinizadores (abelhas).
O controle biológico de pragas e doenças de plantas é o método de controle que mais cresce no Brasil por aliar sustentabilidade à produção agrícola. Os pesquisadores identificaram bioagentes eficazes como entomopatógenos (capazes de matar ou impedir a reprodução de insetos), predadores e parasitoides para o controle da D. suzukii.
Duas vespas parasitoides foram priorizadas como mais viáveis para uso em condições nacionais: o parasitoide larval Ganaspis sp. e o parasitoide pupal Trichopria anastrephae, que se destacaram como alternativas para o manejo da praga no Brasil.
Uma dessas vespas, Ganaspis brasiliensis, é um parasitoide da fase larval da drosófila-da-asa-manchada. O estudo indicou que as duas populações desse parasitoide, mais adequadas ao ambiente nacional, possuem aptidão para uso em todas as áreas ótimas indicadas como favoráveis também à DAM pelos zoneamentos.
Desse modo, Ganaspis brasiliensis, parasitoide larval de D. suzukii, destaca-se como bioagente promissor, pois, além de ter apresentado alto potencial para controle de DAM em países asiáticos, tem o gênero Ganaspis sp., já presente no Brasil.
Mapeamento subsidia controle e monitoramento preventivo da DAM
Maria Conceição Pessoa, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente responsável pela realização das estimativas, explica que esses cálculos subsidiam as estratégias de manejo integrado da drosófila-da-asa-manchada, tanto com foco no controle biológico quanto no químico. “Ambos demandam o conhecimento dos períodos de maiores disponibilidades de fases imaturas e adultas da praga, como também daquele necessário para que o parasitoide atinja sua fase adulta, em cada local”, diz a pesquisadora.
Para o cultivo de morango em Morro do Chapéu, BA, Beatriz Paranhos, pesquisadora da Embrapa que atua na região do Semiárido e participou das avaliações conjuntas dos resultados obtidos, forneceu informações sobre períodos diferenciados de safra da fruta.
Na avaliação de Mingoti, os mapeamentos têm o papel de subsidiar, principalmente, agentes da assistência técnica e outros profissionais e instituições que levam informação aos agricultores. “Para as pessoas que fazem as orientações voltadas ao controle da praga, essas informações são importantes. O zoneamento, que indica se a área está ou não favorável à proliferação do inseto, colabora também com o monitoramento preventivo. Já o mapeamento de bioagentes aponta aqueles de maior sucesso na adaptação conjunta com a praga e, assim, com o controle local”, detalha. Os dados também podem nortear empresas e instituições interessadas em investir no controle biológico da DAM.
Modelos matemáticos minimizam impacto ambiental de agrotóxicos
A equipe da Embrapa ainda avaliou princípios ativos de agrotóxicos utilizados no controle químico da drosófila-da-asa-manchada no Brasil e no exterior para identificar os mais adequados quanto à proteção, principalmente, da qualidade da água e do solo, como também de insetos polinizadores, em locais onde potencialmente poderiam ser utilizados.
Vera Ferracini, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente que coordenou essa parte do trabalho, informa que foram necessários levantamentos de informações sobre cada princípio ativo com potencial de aplicação para controle da drosófila em questão para, posteriormente, fazer uma triagem (ou “screening”) daqueles que requerem maior atenção no uso, principalmente em relação ao transporte (lixiviação para a água subterrânea ou escoamento superficial até os rios e lagos) ou em solos de locais favoráveis ao maior desenvolvimento da drosófila-da-asa-manchada. Nessa abordagem, foi proposto um zoneamento abrangendo os municípios, por região do País, onde existem condições mais favoráveis ao desenvolvimento da drosófila-da-asa-manchada.
A triagem foi feita com o uso de modelos matemáticos que sinalizam a tendência de transporte em água ou em solo. Um desses modelos matemáticos demandou a realização de outro zoneamento territorial com a indicação da localização de áreas frágeis em todo território nacional, identificadas pela presença de aquíferos livres, cujos solos são tipicamente arenosos, com alta porosidade e com índices pluviométricos favoráveis ao desenvolvimento da DAM.
Marco Antonio Gomes, geólogo e pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, participou da identificação e seleção de áreas frágeis. De acordo com ele, “a partir de uma análise mais detalhada dessas áreas, foi verificado que os solos arenosos, em sua maioria, ocorrem em áreas de afloramento ou de recarga direta de aquíferos sedimentares, condição que oferece um grande risco de contaminação para a água subterrânea, caso sejam usados agrotóxicos com alto potencial de lixiviação”.
O pesquisador salienta também que “é importante lembrar que as áreas de afloramentos de aquíferos sedimentares ocupam grandes porções do território brasileiro, incluindo boa parte da Bacia Amazônica (Aquífero Alter do Chão), parte da Bacia do São Francisco (Aquífero Urucuia), parte da Bacia do Paraná (Aquífero Guarani), parte da Bacia do Pantanal (Aquíferos Cenozóicos Bauru – Serra Geral e Guarani) e parte da Bacia do Maranhão (Aquífero Serra Grande)”.
Assim, Gomes também ressalta que, “frente a esse cenário, a triagem dos agrotóxicos realizada pelo projeto possibilita selecionar aqueles com menor potencial de lixiviação para aplicação nas áreas frágeis”. Portanto, “os resultados subsidiam as estratégias para uso de controle químico da praga, visando maior sustentabilidade ambiental”, resume Ferracini.
O grupo continua as pesquisas para subsidiar estratégias de combate à drosófila-da-asa-manchada. Estão sendo feitas novas avaliações de agrotóxicos utilizados para controle químico e um estudo sobre a segunda espécie de vespa com potencial para uso no controle biológico.
Projeto DefesaInsetos
O projeto de apoio à inovação “Estratégias para subsidiar ações de monitoramento e controle de insetos-pragas presentes e quarentenárias ausentes no território brasileiro – DefesaInsetos” é liderado pela pesquisadora Jeanne Prado e teve início em março de 2019 com o objetivo geral de “apoiar ações de defesa fitossanitária a partir do fornecimento de dados organizados, que visam à eficiência no monitoramento e no controle químico e biológico de insetos-pragas presentes (Drosophila suzukii, Aleurocanthus woglumi e Bactrocera carambolae – praga quarentenária presente) e quarentenárias ausentes (Toxotrypana curvicauda, Bactrocera dorsalis e Lobesia botrana) no território brasileiro”.
O estudo aborda pragas exóticas de importância econômica já presentes no Brasil há alguns anos (Drosophila suzukii e Aleurocanthus woglumi), como também pragas quarentenárias ausentes (Anastrepha curvicauda, antes chamada deToxotrypana curvicauda, Bactrocera dorsalis e Lobesia botrana), e também uma praga quarentenária presente (Bactrocera carambolae). Essa última está sob controle oficial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
O Projeto DefesaInsetos tem os seguintes objetivos específicos:
1- Organizar informações bioecológicas dos insetos-pragas estudados;
2- Elaborar zoneamentos territoriais (mapas georreferenciados) de áreas mais favoráveis ao desenvolvimento dos insetos-pragas no território nacional;
3- Identificar potenciais agentes de controle biológico para os insetos-pragas avaliados e organizar suas informações bioecológicas;
4- Elaborar zoneamentos territoriais (mapas georreferenciados) de áreas mais favoráveis ao desenvolvimento dos potenciais bioagentes de controle selecionados para os insetos-pragas;
5- Determinar os tempos de desenvolvimento dos ciclos biológicos dos insetos-pragas e de seus bioagentes de controle priorizados, considerando suas demandas térmicas e as áreas identificadas como de maior favorabilidade climática;
6- Identificar alternativas de controle químico para os insetos-pragas avaliados com foco em aspectos de seletividade, toxicidade e lixiviação.
O DefesaInsetos conta com a participação de pesquisadores de quatro Unidades da Embrapa – Amapá (AP), Meio Ambiente, Semiárido (PE) e Territorial – e de um fiscal da Superintendência Federal de Agricultura do Amapá (SFA-AP), ligada ao Mapa, além de bolsistas do Programa de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PIBIC/CNPq) e estagiários da Embrapa.