por Frei Éderson Queiroz*
Dom José Heleno, bispo emérito da Diocese de Governador Valadares, foi ao encontro do Pai na madrugada do dia 1º. Trabalhamos juntos os 11 primeiros e fecundos anos de meu sacerdócio. Antes de chegar a Governador Valadares, recebi dele uma cartinha, em que dizia: “aqui você encontrará mais que um bispo, um irmão!”
Dom Heleno, como o chamávamos, foi sim um grande irmão, bispo, pai. Tornou-se para mim uma escola do seguimento de Jesus. Nunca foi visto com trajes episcopais. Seu brasão nunca foi exposto. Não tinha uma foto oficial para ser estampada nas paróquias. Quando pressionado para o usar a mitra, o báculo e o anel, dizia: “quero ser um no meio de vocês”.
Muitas vezes disse-me: “quero viver a vida oculta de Jesus em Nazaré”. Sorrindo, contava que vestiu a veste coral uma só vez, e que a mesma nunca saiu de seu guarda-roupa. Com ele aprendi a arte de não complicar as coisas de Deus, de escutar o não dito, da simplicidade no trato com as pessoas. Seu trato com os padres era marcado pela misericórdia. Sabia estar próximo sem invadir o espaço do outro. Tornamo-nos confidentes. Nossos encontros eram marcados pela proximidade, respeito e bem querer.
Há quase vinte anos sofreu um AVC. Perdeu a voz e os movimentos do lado direito. Por fim, perdeu a audição e a possibilidade de locomoção. Sua voz, bela e doce, silenciou-se. Seus ouvidos cerraram-se às vozes exteriores. A paz invadiu seu coração. Parecia ouvir apenas a voz de seu amado Jesus. E, sem voz, guardou no coração os segredos do Mestre. Certamente, foram os anos mais fecundos de seu ministério episcopal. Hoje, seu corpo descerá a cripta da Catedral de São João Batista, em Caratinga, para repousar ao lado de seu irmão Dom Hélio Heleno. Tão diferentes e tão irmãos. Como João Batista, Dom José Heleno está dizendo: “é preciso que eu desapareça e que Ele apareça”! Jo 3,30.
Caratinga, que o acolheu nesses anos de silêncio, guardará em silêncio as relíquias do corpo do velho bispo de Governador Valadares, até que um dia sejamos Um Nele!
Dom Heleno, gratidão, gratidão, gratidão, e continuo a ouvi-lo, chamando-me de meu senhor. Quem foi mesmo o senhor de quem?
Leve-me, bom pastor, no sacrário de seu coração e apresente-me ao Bom Pastor.
Assim foi o segundo anjo da Igreja de Governador Valadares, o bispo sem mitra, sem báculo, sem anel. Sua mitra foi Deus, seu báculo foi o Cristo Jesus, seu anel foi o povo.
*Frei Éderson Queiroz é ex-presidente da Conferência da Família Franciscana no Brasil (CFFB).
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