por Arthur Arock*
“We Came In Peace For All Mankind.” (“Nós Viemos Em Paz Para Toda Humanidade”)
Essa são as palavras inscritas na placa que foi levada para a Lua pela nave Apollo 11. Se você não reconheceu automaticamente o nome, Apolo 11 foi a nave responsável por levar os primeiros astronautas que pisaram no satélite natural da terra em 16 de julho de 1969.
Eu estaria mentindo se dissesse que esse é meu evento preferido da corrida espacial. Meu evento preferido é o voo de Yuri Gagarin a bordo da Vostok 1, o que fez o cosmonauta ser o primeiro humano a ir ao espaço. Mas, se foi o lançamento do Sputinik 1 que iniciou a corrida espacial, foi o pouso da Apolo 11 que a finalizou. A famosa frase de Neil Armstrong, “That’s one small step for man, one giant leap for mankind” (“Este é um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”), na prática, marcou o fim de uma era, a era da Corrida Espacial. Depois do pouso na Lua, a União Soviética parou de demonstrar interesse nessa área e, consequentemente, a atenção dos Estados Unidos se voltou para o que quer que os soviéticos estivessem fazendo.
Aqui eu me sinto forçado a apontar que, apesar de todo papo de paz, nessa época os Estados Unidos começavam uma guerra com a mesma frequência e levianidade que o atual presidente brasileiro diz algo estúpido e perigoso, ou seja, no mínimo uma vez por semana, mas não era/é raro de acontecer mais de uma vez no mesmo dia. Nesse ponto Bolsonaro é bem parecido com a nação norte-americana: responsável por centenas de milhares de mortes de inocentes.
Mas eu divago.
Porém, em 2019 (50 anos depois do pouso lunar), foi lançada a série “For All Mankind” (obviamente uma referência à supracitada placa). A premissa da série é muito simples: e se a União Soviética tivesse chegado à Lua antes dos Estados Unidos?
A ideia é que a história segue exatamente igual até esse ponto, onde ela se desvia do que aconteceu. A partir daí, nós, como audiência, seguimos o desenrolar de uma história paralela em que, mediante a recusa dos Estados Unidos de aceitar a derrota, a Corrida Espacial nunca tenha acabado. Isso por si só força não apenas grandes avanços tecnológicos, como alguns sociais: um exemplo é que, na vida real, ainda na década de 60, os soviéticos tinham mulheres em seus programas espaciais (a primeira mulher a ir ao espaço foi a cosmonauta Valentina Tereshkova, no ano de 1963), enquanto os americanos só venceriam essa barreira da misoginia duas décadas depois (a primeira mulher americana no espaço foi Sally Ride, em 1983). Mas na série, Richard Nixon (o então presidente americano) demanda que a NASA mande uma mulher ao espaço o mais rápido possível, o que acontece ainda em 1970 (agilizando em treze anos o processo). Outro exemplo é que, no mundo real, a primeira pessoa negra no espaço foi o cosmonauta Arnaldo Tamayo Méndez (um cubano que também foi o primeiro latino-americano a ir ao espaço) em 1980. Por sua vez, a primeira mulher negra no espaço foi Mae Jemison, em 1992; já na série (ainda atrás de melhorar sua imagem pública), a NASA manda a astronauta negra Danielle Poole ainda no ano de 1974 (seis anos antes de Méndez e vinte e dois anos antes de Jemison na vida real). Outro ponto interessante é que na série, em prol de focar na Corrida Espacial, Nixon termina a Guerra do Vietnã ainda em 1970 (cinco anos antes em relação à vida real). E isso tudo só na primeira temporada.
A temporada inicial tem seu começo em julho de 1969, mas cobre a década de 1970; já a segunda temporada cobre a década de 1980 (com outras mudanças no mundo, como John Lennon sobrevivendo à sua tentativa de assassinato; porém, João Paulo Segundo não teve a mesma sorte, e o príncipe Charles nunca se casa com a Diana, mas sim com Camilla Parker-Bowles). E a terceira temporada (que deve sair ano que vem) deverá cobrir a década de 1990.
É claro que, sendo uma série de televisão, há um grande fator de drama pessoal por parte dos personagens, mas o principal enfoque da narrativa é em seu fator hard sy-fy, trabalhando com a ideia da tecnologia existente na época e avanços possíveis mediante a nova situação. Tão notável quanto isso é o fator político que a série explora: o machismo, o racismo e a homofobia estruturais, que têm que ser desafiados (com o intuito de que sejam abolidos) para a sociedade poder evoluir; a corrupção e politicagem envolvidas em todo o processo que atravanca a ciência; a paranoia da Guerra Fria; a sempre presente inclinação dos norte-americanos a tentar resolver tudo na base da guerra…
Admito que fico feliz com a presença de um bom hard sy-fy (principalmente um com tanta base na realidade) neste momento atual, em que há tanto negaciosismo científico. E, para variar, não estou falando (apenas) do presidente genocida e sua sistemática sabotagem e negaciosismo a qualquer coisa da área científica e/ou médica, o que tem gerado centena de milhares de mortes. Estou, sim, falando desse incompreensível amontoado de movimentos mundiais que está profundamente empenhado em negar até mesmo o mais básico do conhecimento humano (uma espécie de anti-iluminismo), sendo o exemplo mais proeminente os terraplanistas.
Em suma, é uma excelente pedida não só para os fãs de sy-fy, mas também para os que têm interesse na Corrida Espacial e na Guerra Fria como um todo. Ou até mesmo só para quem está procurando uma nova série para ver. E, aproveitando que neste ano foi o aniversário de 60 anos do voo de Yuri Gagarin (mesmo que tenha escrito esse artigo porque é a semana do aniversário do pouso na lua, mas, como já disse, tenho minhas preferências pessoais), quero deixar algumas palavras que são atribuídas a ele: “Circulando pela Terra na espaçonave orbital, fiquei maravilhado com a beleza de nosso planeta. Pessoas do mundo, vamos proteger e realçar esta beleza – não destruí-la”. Pessoalmente, acredito que temos que levar esse pensamento mais a sério; afinal, é a única forma de alcançarmos a tão falada “Paz Para Toda Humanidade”.
* Nascido em Governador Valadares e atualmente residente em Belo Horizonte. Sua formação acadêmica se traduz numa ampla experiência no setor cultural. É escritor, crítico e comentarista cinematográfico e literário.
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