Acompanhado pela esposa e pelo filho de cinco anos, Mason Lucas, 30, subiu em uma van lotada na cidade de Mexicali, na fronteira entre o México e a Califórnia. Era noite e no veículo com capacidade para dez pessoas estavam 20 adultos amontoados, além das crianças, que não choravam para não chamar a atenção da polícia.
Uma hora e meia depois, o motorista abriu as portas do lado da estrada e disse a todos que saíssem e cruzassem o campo. O guia que os aguardava avisou-os para não correrem, nem falar alto para não chamar a atenção dos traficantes de drogas que costumam ficar na região.
“Eles nos disseram para não fazer barulho porque era uma região dominada pela máfia e que os traficantes poderiam nos sequestrar ou nos roubar”, disse Lucas, que deu uma entrevista ao KSU – The Sentinel Newspaper, pedindo para não revelar seu nome verdadeiro.
Embora perigoso, o caminho percorrido pelo pedreiro tem sido o preferido de milhares de brasileiros que, como ele, entraram ilegalmente nos Estados Unidos nas últimas semanas. A rota mais utilizada até agora, via cidade mexicana de Juárez, na fronteira com El Paso, no Texas, foi deixada de lado devido ao muro alto e às inspeções mais rigorosas.
Um bom termômetro para medir a amplitude desse movimento nos últimos meses é a cidade natal de Lucas. A pequena Sobrália, na região de Governador Valadares (Minas Gerais), tornou-se o município que mais envia imigrantes para os EUA. De acordo com os moradores, quase não há mais jovens lá. Todos estão nos Estados Unidos ou se arriscam na travessia. “Tenho cinco irmãos e o único que ficou quer vir para cá”, disse Lucas. “A cidade está se esvaziando”.
Quem decide por onde passar, na verdade, não são os imigrantes, mas os coiotes, responsáveis por levar pessoas ilegalmente para os Estados Unidos. Eles tendem a mudar de caminho quando o consideram ruim e também estão atentos aos melhores momentos para cruzar a fronteira – até porque, geralmente, eles só recebem o pagamento depois.
Mas não há garantia de sucesso e muitas vezes o caminho não termina bem. Com as novas rotas, o número de brasileiros detidos na fronteira do México com os Estados Unidos bateu um novo recorde em 2021, a maioria no Arizona e na Califórnia. De acordo com dados do Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP, sigla em inglês), ocorreram 22.102 apreensões entre outubro de 2020 e maio de 2021.
Esse índice é parcial e deve aumentar – faltam ainda quatro meses para o final do chamado ano fiscal, que termina em setembro – e preocupa os governantes.
Até o momento, o recorde é de 2019, quando entre 18 mil e 22 mil brasileiros foram presos tentando chegar ao país, a maioria via El Paso. Neste ano fiscal, a maioria dos brasileiros foi presa no Arizona: 13.509, o que representa 61% do total e mostra uma mudança de rota. Outros 6.688 foram presos na Califórnia (30%), enquanto o Texas registrou apenas 1.333 prisões (6%).
Lucas, sua esposa e seu filho estão entre os que conseguiram entrar nos Estados Unidos. Depois de pular uma cerca, a família recorreu aos agentes do CBP, pediu asilo e, depois de dois dias em abrigos para imigrantes, foi para uma cidade de Connecticut, onde já residem parentes e amigos.
Foi em CT que o pedreiro trabalhou para saldar a dívida de US $ 15.000 (cerca de R$ 77.000) que contraiu com o coiote, enquanto aguardava o julgamento de seu pedido de asilo. Na maioria dos casos, a resposta é não, pois poucos brasileiros podem provar que o motivo que os levou a deixar o país foi algum tipo de perseguição.
De acordo com Lucas, a sua viagem foi barata. “Agora eles cobram de US $ 18.000 a US $ 20.000 porque está cada vez mais difícil entrar”, disse. “Quem vem sozinho, sem filhos, fica preso. Eles realmente param. Uma multidão de pessoas está voltando”, acrescentou.
Apesar de tudo, com a possibilidade de ganhar em dólares no momento em que a conversão é favorável em relação ao real, ele decidiu arriscar. “A vida aqui nos EUA é melhor. Há muito trabalho, é mais fácil conseguir as coisas. Minha ideia é ficar cinco anos e depois voltar”.
Diplomatas e especialistas afirmam que nenhuma rota para fazer a travessia ilegal entre o México e os Estados Unidos é segura. Eles explicam que as mudanças de rotas funcionam em uma espécie de efeito de manada, quase sempre determinada pelos coiotes, como o fenômeno que está acontecendo agora.
“Eles vão reinventando, renegociando espaços e isso está sendo construído socialmente, porque um fala com o outro”, explica César Rossatto, professor da Universidade do Texas e Cônsul honorário do Brasil. “Os coiotes detectaram que ultimamente ficou mais difícil entrar por Juárez e El Paso, devido às fiscalizações rígidas e ao muro alto, e então começaram a desviar os imigrantes para outros pontos, principalmente via Mexicali, do lado mexicano, com partida para Yuma, do lado dos EUA”.
A menos de 160 quilômetros de Mexicali, Yuma, no Arizona, tornou-se atraente porque tem um muro de perímetro inferior e grandes áreas desérticas, com menos fiscalização. Mas menos patrulhas não significa entrada fácil – vendo os mais de 13.000 brasileiros detidos na região – e abre espaço para outros perigos que vão além da travessia de rios e das altas temperaturas na região. “Os brasileiros não conhecem os truques da fronteira”, disse Rossatto. “Tive reuniões com as autoridades de imigração e segurança dos Estados Unidos e elas me disseram que em Yuma a fronteira é controlada por cartéis que controlam o tráfico de drogas no México. Levar um tiro é algo comum na região”, afirmou.
Convidado pelo governo dos Estados Unidos para fiscalizar os centros de detenção de El Paso, Rossatto explica que a cidade ainda é um ponto de concentração de brasileiros, inclusive detidos em outros estados. Arizona e Califórnia, por exemplo, ainda não têm estrutura para atender ao volume de pessoas que chegaram nos últimos meses.
Há duas semanas, duas localidades em El Paso abrigavam pelo menos 248 brasileiros – todos de famílias que entraram nos Estados Unidos sob o chamado “cai-cai”, um esquema em que as pessoas se entregam para os agentes do CPB logo após atravessar a fronteira.
A crise migratória é a mais grave do governo Biden até o momento, com o fluxo de imigrantes atingindo recordes em duas décadas. Quase 900.000 pessoas foram presas na fronteira de outubro do ano passado a maio – principalmente do México, Guatemala, Honduras e El Salvador.
Mas o que chama a atenção das autoridades são justamente os altos índices de pessoas que viajam de países mais distantes, como Brasil e Equador, que tiveram 32 mil cidadãos detidos desde outubro.
Antes do pico de 2019, o número de brasileiros tentando entrar sem documentos nos Estados Unidos não ultrapassava 3.500 na fronteira.