Algumas pessoas são muito difíceis de presentear. Eu definitivamente não sou uma delas: se você quer me dar um presente, um livro é uma aposta certa.
As pessoas saberem disso já me renderam presentes excelentes, como o livro que ganhei nesse Natal. E não era qualquer livro: era um volume único contendo os três livros originais da série Fundação de Isaac Asimov.
Não vou me surpreender se souber que algumas pessoas só reconhecem o nome de Isaac Asimov (e suas obras) pelas adaptações cinematográficas que Hollywood fez de seus livros e contos.
Mas sinceramente eu acho esse um péssimo referencial. Não vou ser tão pedante a ponto de dizer que conheço todas as adaptações do trabalho de Asimov para cinema, mas posso dizer que todas as quais eu que vi ficam indescritivelmente aquém das obras literárias que o inspiraram. Na minha opinião (se não me falha a memória) o pior é “Eu Robô”, cujo a única coisa em comum entre o filme e o livro de Asimov é apenas o título.
Não, Asimov é um autor para ser vivenciado em sua obra literária. E é uma leitura obrigatória para qualquer fã de ficção cientiífica. Não diria que ele é o criador desse gênero: eu daria esse ilustre cargo de “mãe da ficção -científica” para a genial Mary Shelley e sua obra imortal, “Frankenstein” (sim, por mais que as pessoas liguem Frankenstein ao terror, ele é na prática a primeira obra de ficção científica, o que faz com que esse gênero seja uma criação de uma mulher). E mesmo antes de chegarmos a Asimov, ainda temos grandes nomes como Júlio Verne e H.G. Wells.
Mas mesmo não sendo o primeiro autor (nascendo quase cem anos depois do lançamento de Frankenstein), Isaac Asimov é um dos pilares em que a ficção científica se apoia. Com grandes títulos como “Eu, Robô” ou a trilogia protagonizada pelo detetive Elijah Baley (“As Cavernas de Aço”, “O Sol Desvelado” e “Os Robôs da Alvorada”), Isaac Asimov e sua obra são a referência maior para qualquer coisa envolvendo robôs e/ou inteligência artificial. Tanto é que sua influência não se restringe à ficção, sendo usado também em discursões acadêmicas científicas e filosóficas atualmente correntes. Um bom exemplo do alcance da obra de Asimov é que, mesmo que você nunca tenha lido uma linha escrita por ele, é provável que você já tenha ouvido falar das três leis da robótica:
1ª Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.
2ª Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que entrem em conflito com a Primeira Lei.
3ª Lei: Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.
Soa familiar? Espero que sim.
Mas curiosamente, a série da Fundação (considerado a magnum opus de Asimov) não trata de robôs (pelo menos não nos três livros principais, “Fundação”, “Fundação e Império” e “Segunda Fundação”, mas não vou entrar em mais detalhes para evitar spoilers).
A série da Fundação (em uma tentativa de resumo sem spoilers) se passa quando um cientista, Hari Seldon, percebe (e consegue provar cientificamente) que o Império Galáctico está em um caminho sem volta para o desastre. A corrupção política, a negação científica, a brutalidade das forças armadas, a militarização estatal, a resistência à mudança, a adoração fanática à tradições vazias e líderes que estão mais preocupados com manter seu poder do que com o povo que deviam representar (inclusive dispostos a sacrificar a vida de seu povo se lhes for conveniente)… Esse e outros fatores estão levando a humanidade em rumo à barbárie. Seldon prevê a queda iminente do Império, que abrange toda a Via Láctea, e uma “era de trevas” que durará 30.000 anos.
Embora a inércia da queda do Império seja grande demais para impedir seu acontecimento, Seldon e seu grupo de cientistas têm um plano para diminuir esse tempo para apenas mil anos. Para tanto, eles criam duas Fundações (que segundo Seldon serão em pontos opostos da galáxia) que ele pretende que seja a base (ou fundação) para o ressurgimento da humanidade, um farol nos tempos de escuridão que estão por vir. Nós, na maior parte dos três livros, seguimos o desenvolvimento da primeira dessas Fundações, que se encontra no planeta Terminus… E se eu disser mais que isso começarei a contar pontos chaves dos acontecimentos e estragando as surpresas que certamente virão com a leitura.
Ao ler a Fundação você poderá identificar facilmente elementos que seriam inspirações inegáveis para as mais populares obras de ficção cientófica como Star Wars (Coruscant tem uma inegável aura de Trantor), Star Trek e até mesmo Battlestar Galactica.
Então deixo aqui minha recomendação aos fãs de ficção científica: a obra de Isaac Asimov é algo imprescindível e a Fundação especialmente, já que além de toda a seu valor literário por si só, você estará lendo um dos pilares em que o gênero como um todo se sustenta. A partir daí (e já que estamos falando de ficção científica, vou usar o bordão de um dos poucos astronautas que todos nós sabemos o nome, Buzz Lightyear) é “ao infinito e além”.
(*) Arthur Arock é nascido em Governador Valadares e atualmente reside em Belo Horizonte. Sua formação acadêmica traduz numa ampla experiência no setor cultural. É escritor, crítico e comentarista cinematográfico e literário
As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal