RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – Vítima de racismo durante show na última semana, Seu Jorge é um dos principais nomes da música brasileira das últimas duas décadas. Antes da fama, no entanto, ele teve uma vida difícil e viveu por sete anos em situação de rua. Jorge Mário da Silva nasceu em 1970 e cresceu em uma favela de Belford Roxo, na Região Metropolitana do Rio. Vindo de uma família humilde, ele fez de tudo um pouco antes de participar do Farofa Carioca, grupo que fez sucesso nos anos 90 unindo samba e rock.
Antes da fama, ele esteve em situação de vulnerabilidade. Ainda em Belford Roxo, quando Jorge tinha 19, seu irmão Vitorio foi morto em uma chacina, o que desestabilizou a família. O jovem chegou a morar com um parente no Méier, Zona Norte do Rio, mas logo depois foi parar nas ruas da cidade.
Em entrevista a Jô Soares em 2001, ele contou que viveu nas ruas por sete anos, mas não abandonou a arte nesse período. Pelo contrário, quatro desses anos foram juntos a uma companhia de teatro. “Dos sete anos (que morei nas ruas), quatro estive no teatro. Eu fiz com eles 26 espetáculos… Eu não tinha onde ficar, depois de duas semanas eu falei com ele: ‘oh, Antonio (Pedro), roupa limpa tá acabando, já estou dormindo aqui escondido. Me dá essa condição aí porque eu quero aprender a profissão, me formar aqui, ser artista, ser músico’. Tinha o Paulo Moura, ele falou para eu ficar lá. Fui ficando”, disse.
Após ser descoberto pelo clarinetista Paulo Moura, ele fez um teste para um musical e teve a vida mudada. Na sequência, ele recebeu o nome artístico de “Seu Jorge”, dado pelo baterista Marcelo Yuka. Em 1997, chegou ao Farofa Carioca, e quatro anos depois gravou seu primeiro disco, o “Samba Esporte Fino”, e fez parcerias com Planet Hemp, Ed Motta e Paula Lima.
Em 2005, ao ser entrevistado no “Roda Viva” (TV Cultura), ele detalhou como era viver nas ruas. Naquele ano, ele viveu um dos auges da carreira com a música “É Isso Aí”, ao lado de Ana Carolina. “Tive bons encontros na minha vida, pessoas incríveis. O teatro foi um encontro. Lá dentro do teatro me encontrei com outras pessoas… Vivia muito bem com a coisa do violão, sabe? Não esticava a mão e pedia nada. Eu trocava. Tinha um vidro para limpar, eu pegava o álcool para limpar e o cara me dava uma quentinha”, disse. “Eu lavava o banheiro, aquele sujo que ninguém queria lavar? Eu lavava e pegava o meu rango. Nunca pedi nada. Sempre troquei as coisas”, disse Seu Jorge.
Jorge disse que sempre teve a facilidade de imaginar o amanhã e “a coisa do sol” apesar das dificuldades, as quais enumerou durante a entrevista. “(Morar na rua) É você não ter onde dormir, é as pessoas pularem por você. Por exemplo, você está dormindo no ponto de ônibus, porque a noite é muito difícil, tem muita covardia e ali sempre tem gente, uma luminária. Aí, chega de manhã, o cara pula você e diz: ‘um cara desse tamanho, podia tá numa obra, mas tá aí largado, usando drogas’… Tem dificuldades. Banho é muito difícil, necessidades fisiológicas são difíceis e a higiene é muito difícil. Vai baixando a moral e acaba mexendo na sanidade mental. Você não consegue controlar as emoções. A humilhação é muito grande”, contou ao “Roda Viva”. “Eu tive uma sorte muito grande que era a coisa do violão, defendia o meu rango, era querido no meio da roda, ali na Vila Isabel. No Petisco da Vila, por exemplo, eu chegava, ficava em volta das cadeiras e o pessoal me chamava para tocar violão. Sempre consegui ir driblando”, completou.
Uma das pessoas para quem Seu Jorge pediu para dar uma canja foi Xande de Pilares, que também ainda não era reconhecido nacionalmente. O sambista contou a história em uma participação no “Esquenta”, programa apresentado por Regina Casé na Globo, em 2015. “Ele pegou o violão de Soneca (outro integrante do grupo) e começou a cantar. Ele roubou a cena de uma tal forma que eu não quis nem voltar”, disse Xande, que só voltou a ver Seu Jorge quando o cantor já estava no Farofa Carioca.
Seu Jorge, na sequência, relembrou a difícil fase da vida. “A minha situação era muito ruim a ponto de não ter mesmo o que comer. Então, o lance de tocar não era o dinheiro. Mas é que tinha uma pizza no final que o Xande, sem nenhuma resenha, ele dividia aquilo”, contou ele a Regina Casé.
Aos 52, hoje, Seu Jorge já recebeu prêmios por sua música, como o de Melhor Cantor no Prêmio Multishow 2009 e o de Melhor álbum pop contemporâneo no Grammy Latino 2012 pelo disco “Músicas Para Churrasco Vol. 1”. Como ator, ele participou de filmes de sucessos, como “Cidade de Deus” (2002), “Tropa de Elite 2” (2010), “Medida Provisória” (2020) e “Marighella” (2021).
“MUITA GROSSERIA RACISTA”
Nesta terça (18), Seu Jorge usou as redes sociais para dizer que presenciou “muito ódio gratuito e grosseria racista” durante um show realizado no clube Grêmio Náutico União, em Porto Alegre, A Polícia Civil está investigando o caso para identificar os envolvidos nos ataques.
Em vídeo de nove minutos divulgado em seu canal no Youtube, o artista aparece ao lado da bandeira do Rio Grande do Sul para afirmar seu amor ao estado e relatou ter escutou vaias e ofensas racistas em sua apresentação a um evento que “não viu a presença” de pessoas pretas.
“Quando chegou no final do show, eu sai do palco. Quando cheguei atrás do palco, eu começo a escutar muitas vaias e xingamentos. Por conta disso, eu percebi não seria possível voltar para fazer o famoso “bis”, mas sozinho retornei ao palco e, de maneira respeitosa, agradeci a presença de todos e me retirei do local do show. Na verdade, o que eu quero dizer aqui é que não reconheci a cidade que aprendi amar e respeitar. Na verdade, o que eu presenciei foi muito ódio gratuito e muita grosseria racista”, disse o cantor em trecho do vídeo.