Venezuela passa Haiti como principal origem de mão de obra imigrante no Brasil

Cidadãos da Venezuela têm se consolidado desde 2019 como a principal mão de obra migrante que ingressa no mercado de trabalho brasileiro, em um cenário que reflete a migração em massa gerada pela crônica crise econômica e humanitária instaurada no país vizinho.

Com isso, há um redesenho do perfil da última década: venezuelanos estão substituindo nacionais do Haiti e do Paraguai, que, ao menos desde 2011, eram os que mais ingressavam nos postos formais.

De janeiro a abril, venezuelanos foram responsáveis pelo maior saldo de admissões líquidas — cifra que já subtrai o número de demissões — de uma única nacionalidade nos últimos onze anos: 9.100.

Com isso, representam 74% do total de admissões de migrantes no mercado formal, segundo relatório do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra). Para efeitos de comparação, no mesmo período a cifra para haitianos foi de 1.116; para paraguaios, de 640.

A explicação é multifatorial. Entra na conta o volume expressivo de venezuelanos que buscam refúgio no Brasil, ingressando em especial pela região Norte. O cenário se agravou em 2016 e, no primeiro quadrimestre deste ano, venezuelanos somaram mais de 80% das 17.775 solicitações de refúgio no país.

Há também os esforços da gestão pública — ainda que com críticas — para levar imigrantes ao mercado de trabalho, especialmente por meio da estratégia de interiorização, que leva venezuelanos que ingressam por Roraima para outros estados com apoio de agências da ONU.

Encontrar uma vaga no mercado formal, no entanto, não anula as dificuldades. A vulnerabilidade social com que chegam ao Brasil faz com que muitos aceitem empregos mal remunerados e com condições precárias, diz João Carlos Jarochinski, professor do mestrado em Sociedade e Fronteiras da UFRR (Universidade Federal de Roraima).

“Comparados com outras nacionalidades, venezuelanos têm um cenário de formação com grau de estudo mais elevado”, explica. “Mas a nossa dificuldade em pensar em políticas de revalidação de diplomas e reinserção de profissionais qualificados faz com que sejam oferecidas a essas pessoas um tipo de tarefa laboral pouco remunerada.”

Aos números: a remuneração média mensal de nacionais da Venezuela no mercado brasileiro nos primeiros quatro meses do ano foi de R$ 1.596, uma das mais baixas em comparação com outras nacionalidades. Há 11 anos, o valor era de R$ 8.701, mostram dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) compilados pelo OBMigra.

A diferença, explica Jarochinski, reflete a mudança no perfil da migração. Se no início da década passada ainda emigravam para o Brasil setores da elite e da classe média, muitos ligados ao setor petrolífero, hoje emigram cidadãos das camadas mais pobres e vulneráveis.

A desigualdade, como ocorre em todo o mercado formal, é refletida quando o assunto é gênero. Levantamento do projeto Moverse, ligado à ONU Mulheres e apoiado pelo governo de Luxemburgo, mostrou que o rendimento médio de pessoas da Venezuela interiorizadas é de R$ 1450. Para venezuelanas, é de R$ 1.177 — 20% a menos.

Os imigrantes estão principalmente no setor de frigoríficos, no trabalho doméstico e no setor de serviços, diz o professor da UFRR, serviços com pouco valor agregado em termos de salário. Muitas vezes, substituem a própria mão de obra migrante, majoritariamente de haitianos, que têm deixado o país.

O fator também pesa na balança para entender a mudança no perfil da atuação de imigrantes no mercado formal. Bases de dados e especialistas têm constatado a saída de haitianos do país desde 2019. No primeiro quadrimestre daquele ano, cerca de 5.800 cidadãos do país centro-americano solicitaram refúgio no Brasil.

No mesmo período deste ano, foram 66, ainda que a nação enfrente grave crise econômica, política e social — a queda nas cifras, porém, também representa o rescaldo da pandemia de Covid, quando o volume de migrações diminuiu para todas as nacionalidades.

As razões por trás da saída de haitianos ainda estão sendo estudadas por especialistas. Jarochinski afirma que a crise econômica, agravada pela Covid, é um fator de peso pelo perfil da migração haitiana, de envio de remessas de dinheiro para parentes que ficaram no país.

Também há o que o docente chama de hipermobilidade: haitianos têm redes em outros países além do Brasil, como Chile e EUA. Se aqui a situação vai mal, muitos enfrentam rotas perigosas para outros destinos.

“Já para muitos venezuelanos, essa é a primeira experiência migratória. Eles saem pelo alto grau de vulnerabilidade, e há certo receio de tentar nova migração”, diz ele. Mas o perfil, salienta, pode mudar.

Com a crise venezuelana e a formação de um “país de dependentes” — com predominância de crianças e idosos, fora da idade economicamente ativa — o cenário econômico pode, em breve, forçar nacionais da Venezuela a buscar outras rotas de migração, onde, aos poucos, eles consolidam novas redes de apoio. MAYARA PAIXÃO/FOLHAPRESS

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