No dia 18 de novembro (num domingo), os termômetros registraram a máxima de 41,7ºC
GOVERNADOR VALADARES – A onda de calor em 2023 em Governador Valadares superou a duração desse evento meteorológico registrado em anos anteriores. Foram 10 dias de calor intenso. As altas temperaturas se concentraram entre os dias 10 e 19 de novembro. No Brasil, até o momento, foram registradas quatro ondas de calor em 2023, destas três foram sentidas na pele da população valadarense.
“A onda de calor em novembro é a que mais chamou a atenção por causa dos elevados registros de temperatura. Em especial no sábado, dia 18, em que a temperatura máxima marcou 41,7°C. Para se ter uma ideia, historicamente, nós tivemos poucas temperaturas aqui em Governador Valadares que registraram máximas acima de 41ºC. O último registro foi de outubro de 2012 quando os termômetros cravaram 41ºC. São temperaturas que se destacam no cenário local porque são as maiores temperaturas registradas aqui desde 1963. Ou seja, as temperaturas de novembro deste ano, tanto do dia 18 quanto do dia 19″, explicou a professora Daniela Martins Cunha, professora e climatologista do Instituto Federal de Minas Gerais, campus Governador Valadares.
Chuvas abaixo do esperado
De acordo com os dados históricos de máximas registradas pelo Inmet em Governador Valadares, entre a década de 70 e o início dos anos 2000, temperaturas acima de 40ºC aconteceram de forma pontual e isolada (1963, 1979 e 1995). Conforme a análise do levantamento realizado pela professora Daniela Cunha, a recorrência das altas temperaturas começa a apresentar um espaçamento menor a partir dos anos de 2010 (2012, 2015, 2020 e agora 2023).
“A gente começou novembro com a tendência de chuvas acima da média histórica aqui na cidade. Em Valadares, neste mês, chove normalmente cerca de 170 mm. Então era esperado que ia chover mais do que isso, mas até agora choveu entre 40 mm e 5 0mm. Ou seja, realmente choveu muito abaixo do que se tinha de previsão. Durante a segunda quinzena de novembro e início de janeiro a gente tem a atuação de sistemas atmosféricos que provocam aquelas chuvas fortes em vários dias. O grande receio é que essas chuvas ocorram de uma forma concentrada e em grandes volumes. Dessa forma, pode acontecer de sairmos de um evento extremo de onda de calor e vivenciarmos um outro evento extremo, que são as chuvas fortes e concentradas. Infelizmente são as previsões e tendências que temos para os próximos meses, isso ainda com a atuação dos efeitos do El Niño, com possibilidade de manter as temperaturas mais altas”, disse Daniela Cunha.
Questões climáticas impactam ainda mais no calor
Os registros da formação e efeito do El Niño começaram em junho de 2023. A previsão é que o fenômeno que atinge o Oceano Pacífico se encerre por volta de março de 2024. Segundo a professora, esses ápices de temperaturas isoladas não podem ser só atribuídos ao El Niño. Há também as questões das mudanças climáticas. Pela intensidade do El Niño até o momento, em comparação com o que aconteceu em 2015, o desvio de temperatura (que é a variação entre a temperatura média máxima histórica do mês e a temperatura máxima registrada no dia) tem sido ligeiramente menor em novembro de 2023 (5,0ºC até o momento) do que há 8 anos (5,4ºC). Entre outras palavras, isso quer dizer que os efeitos do El Niño no Brasil em 2015 foram maiores do que o registrado neste ano.
“São registros [de novembro de 2023] muito elevados para serem atribuídos apenas a um El Niño moderado. Quando a gente analisa os dados do Brasil e do mundo, a gente tem a possibilidade de ter o ano mais quente da história, desde a década de 60”, ressaltou a professora.
Aquecimento global
A partir disso, a intensa onda de calor se mistura com um problema que não é novidade e há anos se escuta falar, mas pouco ainda foi feito para mudanças: o aquecimento global. O fato da Terra estar ficando mais quente além do que seria natural tem atribuição direta com a emissão de gases poluentes.
“Falar em mudanças climáticas é debater as ações humanas que diariamente ocasionam o aquecimento da atmosfera, dessa liberação dos gases poluentes, que, consequentemente, impactam no aquecimento dos oceanos e dos continentes. Se eu tenho esses gases alterando o efeito estufa, o calor emitido pela superfície ele não dissipa e tende a ficar retido em maior quantidade e concentração próximo à superfície, causando ainda mais calor”, avaliou a professora.
A professora também destaca a importância de se repensar as nossas matrizes de energia
“A maior parte das nossas energias do Brasil vem das hidrelétricas. Nós também temos as termelétricas e são energias que emitem muito dióxido de carbono e o metano. Um dos primeiros aspectos para diminuir o impacto do aumento da temperatura seria a descarbonização. Isso significa a substituição da produção de energia por modelos mais limpos, como a energia eólica e a solar. Inclusive a energia solar está muito dentro, do ponto de vista ambiental, da realidade de Governador Valadares. Falo pela perspectiva ambiental, porque quando se olha para o custo de equipamento e instalação dessa tecnologia, para nível Brasil, ainda é muito caro. Sendo assim, faltam políticas públicas de incentivo para implantação desse tipo de energia. A própria diminuição de impostos para a aquisição dos equipamentos seria uma forma de incentivo ”, concluiu.
Já no contexto local e de espaço para atuação do poder público nesse assunto, a professora aponta para a necessidade de se investir em áreas verdes. ”Governador Valadares é uma cidade com características geográficas e climáticas quentes. Quando a gente vai para a região central da cidade, o calor se torna ainda mais insuportável, porque falta muito em algumas ruas e áreas da cidade um investimento em áreas verdes, que auxiliam muito no frescor da temperatura”, destacou Daniela Cunha.