POÇOS DE CALDAS, MG (FOLHAPRESS) – Magali é matriculada em aulas de culinária. Cascão tem de aprender a nadar. Cebolinha frequenta uma fonoaudióloga. E Mônica é forçada a se afastar da turma que leva o seu nome. Chegou a hora de ela e os amigos crescerem – e é disso que trata “Turma da Mônica – Lições”, segundo filme a transpor o universo criado por Maurício de Sousa para o mundo de carne e osso, que chega aos cinemas no final deste mês.
“Lições” foi rodado há quase dois anos num condomínio de veraneio desocupado em Poços de Caldas, no interior de Minas Gerais. Quando esta repórter visitou o set, em fevereiro do ano passado, a chuva ameaçava cair a qualquer hora, e equipe e atores corriam de um lado para outro dos muros baixos que separavam as casinhas coloridas para encerrar as filmagens antes do aguaceiro. “Todo dia é uma guerra”, desabafou na época o diretor, Daniel Rezende, autor ainda de “Bingo: O Rei das Manhãs”.
Rezende não sabia, mas um problema muito maior estava à espreita – uma pandemia que atrasou em cerca de um ano a estreia do longa e pôs em xeque um sucesso que parecia garantido. Afinal, o antecessor de “Lições”, “Turma da Mônica – Laços”, foi o filme nacional mais visto de 2019, com mais de 2 milhões de espectadores.
Já a sua sequência encontra um público desacostumado a frequentar cinemas depois de mais de um ano das salas fechadas e preocupado com novas cepas do coronavírus. “Óbvio que a pandemia vai afetar o lançamento. Agora estamos apostando no conteúdo, que esse filme está melhor do que o primeiro”, afirma o diretor.
A espera também acrescentou uma camada quase metalinguística à trama sobre amadurecimento. Isso porque, enquanto a data de estreia ia sendo adiada, o elenco mirim crescia, e muito. Kevin Vechiatto, intérprete do Cebolinha e o mais velho entre os protagonistas, tinha 13 anos na época das filmagens –hoje, aos 15, usa piercing na orelha e não economiza no sarcasmo.
Laura Rauseo, a Magali, tem 14 e delineia os olhos com lápis preto. Ela e Giulia Benite, a Mônica, contam ter estranhado se ver em “Lições”. “Implico muito comigo mesma, com a minha atuação, minha aparência. Então ver meu eu de dois anos atrás foi complicado”, diz a protagonista, que no filme usa próteses nos dentes da frente para fazer jus ao xingamento de Cebolinha de “dentuça”.
A identificação que os quatro diziam sentir em relação aos personagens que interpretam também parece não ter resistido ao teste do tempo -embora Benite diga ainda ter uma personalidade forte como a de Mônica e Vechiatto tenha assumido o apelido de Cebolinha, os tempos de gula e de aversão a banhos de Rauseo e de Gabriel Moreira, o Cascão, nesta ordem, ficaram para trás.
Nada mais distante das crianças que, ao serem entrevistadas em Poços de Caldas, improvisaram um rap para a reportagem e lamentaram que “Laços” não tivesse sido indicado ao Oscar.
O que não parece ter mudado de lá para cá é a união do quarteto principal, escolhido entre mais de 7.000 crianças e novato em sua maioria -a exceção é Kevin Vechiatto, que tinha atuado na TV antes. Em cerca de uma hora de entrevista, eles relembraram encontros recentes e primeiras impressões- “eu não queria que fosse outro Cebolinha e sim o Kevin, porque era fã e acompanhava ele na novela do SBT”, confidencia Benite, às gargalhadas-, desenterram fotografias antigas, fazem bagunça e disparam uma piada interna atrás da outra.
Benite conta que essa liga foi posta à prova tanto na preparação quanto nas filmagens de “Lições”. Então, ela ficava quase sempre sozinha, longe dos outros três, quando “queria estar com eles, gravando com eles”. “É esquisito isso de ter uma pessoa da turma faltando. Você vai falar com a pessoa, e ela não está do seu lado”, intervém Vechiatto.
A dinâmica se repete na ficção. E como sofre a Mônica em “Lições”. Só nas cenas cuja filmagem a repórter acompanhou, ela brigava mais de uma vez com a mãe, vivida por Monica Iozzi, e descobria que o bilhete que mandou para a melhor amiga não tinha tido resposta. Haja lágrimas, dela e dos amigos –vertidas sem cristal japonês, como faz questão de ressaltar o elenco mirim.
Daniel Rezende afirma que esse drama todo foi outro dos maiores desafios de “Lições”, já que as cenas exigiram bem mais dos atores do que o longa anterior. Mas ele diz não temer que o tom dramático afaste o público infantil. “Criança é muito mais sensível do que adulto. Quando a história é boa, ela se entrega, tanto para rir quanto para ficar com medo ou se emocionar”, diz ele.
Além disso, segundo Rezende, esse passo era necessário para dar continuidade à história. O primeiro longa, uma aventura em que o quarteto se embrenhava na floresta para resgatar Floquinho, cachorro de Cebolinha, tinha como objetivo apresentar aos fãs como seria o bairro do Limoeiro se ele existisse na vida real. No segundo, esse universo já está estabelecido, e a busca é por aprofundar os personagens, apartados logo nas primeiras cenas, depois de um plano mal-sucedido para fugir da escola.
Mesmo assim, há referências de sobra para os nostálgicos de plantão. Além do quarteto principal, que, ao contrário dos quadrinhos, troca de roupa e é visto na escola, chegam à turma velhos e novos personagens dos gibis. É o caso de Do Contra, Humberto, Marina e Milena, além de uma participação especial da hippie gente boa Tina, papel de Isabelle Drummond -sem falar de uma cena extra após os créditos. Se havia alguma dúvida de que a Turma da Mônica pode render um multiverso nos moldes daquele da Marvel e de outros que se multiplicam no streaming, “Lições” quer acabar com ela.
Questionada sobre os planos de um terceiro e último longa, uma vez que os filmes são baseados numa trilogia de graphic novels dos irmãos Vitor Cafaggi e Lu Cafaggi, a produtora do filme, Bianca Villar, afirma que “Lições” encerra esse ciclo de adaptações para o cinema. “O que podemos dizer agora é que estamos negociando outros projetos da turma”, diz ela, em nota. E acrescenta que “vêm novidades em breve”.
A jornalista viajou a convite da produção.