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TikTok foi de usina de bobagens a uma poderosa máquina de vender livros

Os “booktokers" usam o tiktok para gravar vídeos sobre livros e, não raro, veem suas recomendações se esgotarem nas livrarias

Mesmo estando no TikTok, eles não dançam, fazem piadas ou desafios embalados por hits. Em vez disso, os “booktokers” gravam vídeos sobre livros e, não raro, veem suas recomendações se esgotarem nas livrarias.

Foi o que observou a equipe da Galera, selo juvenil da editora Record, quando “Um de Nós Está Mentindo”, da americana Karen M. McManus, voltou em abril à lista de mais vendidos do PublishNews, site especializado no mercado editorial, três anos depois de ter sido lançado. Ao se questionoar sobre o sucesso repentino, a equipe descobriu que a história, uma investigação sobre a morte de um adolescente, estava viralizando entre os “booktokers”.

Com isso, o livro já vendeu 32 mil cópias neste ano, um crescimento de 31% em relação ao ano de lançamento, 2018, e de 165% comparado ao ano passado. “Este livro com certeza ressurgiu por causa do TikTok. Não estamos promovendo agora”, diz o gerente de marketing da Record, Everson Chaves.

Da mesma editora, a série “Corte de Espinhos e Rosas”, da americana Sarah J. Maas, já vendeu neste ano mais que o dobro do que no ano passado. Por se tratar de um lançamento, há outros fatores que influenciam a vendagem, como campanhas de marketing em outras redes sociais, mas a editora atribui grande parte do sucesso ao TikTok.

“Não dá para dizer que o TikTok é a rede mais importante para divulgar livros e contratar anúncios, porque as outras são mais consolidadas, mas é uma rede que só cresce e cria muito mais engajamento, porque os posts são mais divertidos e criativos”, diz Chaves.

A percepção do marqueteiro encontra eco na avaliação do gerente de conteúdo do TikTok no Brasil, Ronaldo Marques. Ele diz que o fenômeno do “BookTok” começou a chamar atenção em novembro, mas foi neste semestre que ganhou força.

“O que norteia o sucesso de um tiktoker é sua criatividade. Não precisa se preocupar em dançar ou ser engraçado. Às vezes, é só falar para a câmera”, diz. “Se houver um senso de comunidade entre os seguidores, o influenciador consegue entregar um conteúdo publicitário disfarçado, ou melhor, casado com o conteúdo.”

“Booktokers” brasileiros

O estudante e ator paulistano Tiago Valente, de 23 anos, é um dos maiores expoentes da esfera “booktoker” brasileiro. Enquanto troca de roupa e alterna entre cenários criados com filtros do próprio aplicativo, ele resume o enredo de um livro em 30 segundos. O app permite posts de um minuto, que nas próximas semanas chegarão a três – alguns usuários, normalmente os com mais seguidores, já têm essa possibilidade.

Valente também participa de tendências do aplicativo, como a Fofoca Literária, em que conta os enredos de livros como se estivesse fofocando com um amigo. A hashtag que agrupa esses vídeos, todos em português, soma 73 milhões de visualizações.

Além das resenhas, Valente e outros “booktokers” ensinam receitas inspiradas nas histórias, como o bolo de aniversário de “Harry Potter”, e fazem lives para interagir com o público, majoritariamente formado por estudantes na faixa dos 14 anos.

Valente criou seu perfil no aplicativo três anos atrás, mas foi só no início do ano passado que decidiu se concentrar em livros. Falava de clássicos como “Dom Casmurro”, com um Mickey de pelúcia escalado para o papel de Ezequiel, o filho de Capitu, mas não se sentia confortável e decidiu se especializar em leituras “para se divertir”, como define.

“Eu queria ajudar quem está na escola”, diz Valente, que está prestes a finalizar mestrado em linguística. “Mas recebia comentários de professores dizendo que eu fazia análises muito rasas. Como vou analisar ‘Dom Casmurro’ em 30 segundos? Nem era meu objetivo. Por isso, decidi me dedicar a outros livros.”

A estratégia deu certo. Seu perfil acumula 310 mil seguidores, e os posts chegam a 2 milhões de visualizações e quase 500 mil curtidas. Um dos vídeos de maior sucesso é o de “Vermelho, Branco e Sangue Azul”, da americana Casey McQuiston, que retrata o romance entre o filho da presidente dos Estados Unidos e o príncipe da Inglaterra.

“Na mesma semana, recebi mensagens de seguidores dizendo terem ido às livrarias e não encontrado o livro. Os vendedores diziam que ‘esgotou porque tinha um menino falando dele no TikTok’. É gratificante, porque estou ajudando a formar uma geração de leitores. Muita gente decide o que vai ler a partir do que indico”, diz.

Lançado no ano retrasado, o romance nunca havia entrado na lista de mais vendidos, até viralizar no TikTok em janeiro. A Companhia das Letras não revela a vendagem, mas, pelos dados do PublishNews, a tendência é de alta. Entre março e abril, o salto nas vendas foi de 356%.

Clássicos

São raros, mas há booktokers que ainda falam de clássicos. É o caso do estudante de medicina Patzzic, com 222 mil seguidores, que vai do realismo de Machado de Assis e Tolstói ao romantismo de José de Alencar. Diferentemente dos romances juvenis, porém, esses não voltam ao ranking dos mais vendidos.

Especialista em marketing de livros, Vinícius Barreto, da agência #CoisaDeLivreiro, afirma que o TikTok pode transformar a maneira como as editoras promovem seus livros, com a migração de verbas usadas em outras redes sociais e na compra de espaços publicitários em livrarias para influenciadores.

“É difícil uma editora manter um perfil próprio no TikTok, porque é preciso dar um rosto à conta. O indicado é contratar os influenciadores para promoverem seus livros, porque eles conhecem o público e sabem como engajar melhor”, diz Barreto, que presta consultoria a editoras.

Outro impedimento é que o TikTok não permite o impulsionamento de posts como nas outras redes. A maioria das editoras não têm perfis na rede, mas compram posts patrocinados de influenciadores, com preços que vão de R$ 300 a R$ 1.200.

O streaming de audiolivros Storytel prepara lives patrocinadas no aplicativo sobre os livros de Agatha Christie. O investimento surgiu após parcerias de sucesso com booktokers, que fizeram triplicar as visitas à página de download do app.

Record, Companhia das Letras, Intrínseca e Globo Livros também vão pelo mesmo caminho, enquanto Rocco e Ediouro fazem planos para investir no aplicativo. Ninguém há de se surpreender se, no futuro, os tiktokers passarem a escrever seus próprios livros e, como fizeram os youtubers, ajudarem editoras a fechar as contas do mês.

Como os booktokers divulgam livros

#ResumosDeLivros
Entre cortes ligeiros para troca de roupa e cenário, eles resumem o enredo de livros inteiros em 30 segundos

#FofocaLiterária
Quando filtros não são chamativos o suficiente, eles contam a trajetória dos personagens como se estivessem fofocando com amigos

#Resenhas
Além de resumir as histórias, alguns também opinam sobre a leitura, mesmo que por vezes de forma rasa devido ao tempo limitado

#Listas
Eles também criam listas, agrupando livros por assunto, tempo médio de leitura ou até pela cor de suas capas

#ReceitasLiterárias
Inspirados pela culinária das histórias, eles ensinam receitas como o bolo de “Harry Potter” e o pão dado por Peeta a Katniss, de “Jogos Vorazes” (Pedro Martins/Folhapress)

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