Os herbicidas aplicados no ambiente podem alcançar áreas e seres não alvos, em diferentes compartimentos do ecossistema, como o ar, solo, sedimentos e a água, ocasionando diversos tipos de contaminações. Uma equipe de pesquisadores mostrou os danos que podem causar em organismos nao-alvos e suas consequências, em capítulo do livro Herbicidas no ambiente: impacto e detecção, da Editora UFV, com medidas práticas para estimar limites máximos permissíveis de concentração na água por meio da aplicação de fatores de segurança, buscando também demonstrar que a tilização desses fatores contribui para evitar a degradação do ambiente.
De acordo com Lucineide Maranho, que na época da pesquisa era do Centro de Energia Nuclear na Agricultura – Cena/USP, atualmente chefe da divisão de Gerenciamento de Comitês de Bacias Hidrográficas do Instituto Água e Terra/PR, e uma das autoras, os organismos não alvos e o ambiente vêm sendo contaminados e mais estudos devem ser realizados visando à preservação dos ecossistemas.
“Foram realizados testes com organismos aquáticos de pelo menos três níveis tróficos diferentes, da mesma forma que realizado para solos, sendo os indicadores os microrganismos, plantas, minhocas entre outros, cultivados em laboratório, o que permite que a biologia seja conhecida, facilitando o uso em testes de toxicidade e garantindo resultados confiáveis. Os resultados deste estudo vão servir para nortear mais pesquisas visando à preservação do ambiente”, destaca Maranho.
Os herbicidas, quando aplicados, vão atingir o seu objetivo, enquanto que uma parcela poderá alcançar longas distancias, por meio de fontes pontuais e difusas, drenagem urbana, escoamento superficial entre outros mecanismos, possibilitando interações entre as moléculas entre si ou com outras classes de pesticidas. Têm propriedades físico-químicas que determinam os seus deslocamentos entre os diferentes meios – ar, água, solo, biota e sedimento.
“É evidente”, explica Maranho, “que diversos organismos são afetados pelo uso de herbicidas na agricultura e as consequências influenciam diretamente nos ecossistemas em que vivem. A interferência no ciclo de vida dos organismos pode ser desastrosa e levar até mesmo a morte e, com isso causar a ruptura da cadeia alimentar, com danos irrecuperáveis”.
Claudio Jonsson, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, explica que os testes de toxicidade devem ser considerados uma análise indispensável no controle da poluição hídrica, pois se fundamentam na utilização dos organismos vivos diretamente afetados pelos desequilíbrios que eventualmente ocorrem nos ecossistemas aquáticos onde vivem, uma vez que as análises químicas apenas identificam e quantificam as substâncias presentes na água ou sedimento, mas não detectam os efeitos sobre a biota.
“Estes ensaios são realizados para avaliar a sensibilidade relativa de organismos aquáticos em relação a determinado agente tóxico, como também, a eficiência de diferentes métodos de tratamento para a remoção de contaminantes”, explica o pesquisador.
A obtenção de valores de parâmetros de toxicidade como concentração efetiva media e concentração de efeito não observado para os organismos-testes é subsidio básico para estimar o risco ecológico num contexto incipiente. Esta avaliação de risco é definida como um processo que avalia a probabilidade de ocorrerem efeitos adversos nos ecossistemas quando exposto a um ou mais agentes estressores.
Ainda de acordo com o pesquisador, nesse processo, o primeiro passo é derivar a “concentração de efeito não previsto’, na qual nenhum efeito nocivo sobre os organismos não-alvos do meio ambiente são esperados. “Os valores são então comparados com os ‘previstos’, ou seja, com a concentração prevista que ocasionaria efeito”, explica Jonsson.
Assim, a concentração de efeito previsto representa o nível de exposição do ecossistema ao herbicida e que pode ser obtido por uma estimativa por meio de um modelo preditivo. Entretanto, a obtenção mais confiável desse nível de exposição é por meio do monitoramento ambiental.
A concentração de efeito não previsto pode ser obtida por meio do procedimento da aplicação de um “fator de segurança” aos valores de toxicidade como concentração efetiva media ou concentração de efeito não observado. Ou ainda, pela extrapolação baseada em distribuições de sensibilidade de espécies.
Por meio da relação entre concentração de efeito não previsto’ e a concentração prevista se obtém um quociente de risco que é usado na medida do risco de herbicidas e outros contaminantes em aguas superficiais. Os diferentes níveis de risco vão de uma escala de 0,01 (risco insignificante) até 1 (alto risco).
A avaliação dos sedimentos por meio de testes de toxicidade tem como vantagem diagnosticar qual a porção biodisponível de um contaminante, uma vez que essa porção pode ser muito diferente da quantidade total determinada pelas análises químicas. Além do mais, em locais contaminados por mais de um composto ou por uma mistura de compostos químicos, os testes de toxicidade são as únicas ferramentas capazes de avaliar o potencial tóxico dos sedimentos.
Três abordagens têm sido utilizadas para a avaliação da qualidade dos sedimentos: análises físicas e químicas (que se restringem a informar sobre o grau de contaminação); análises da estrutura das comunidades bentônicas e testes de toxicidade (que avaliam os possíveis efeitos do contaminante na biota). Para um diagnóstico completo deve ser feita a integração simples das seguintes variáveis: grau de contaminação química, biodisponibilidade e toxicidade.
Águas superficiais e subterrâneas
Também é importante conhecer as fontes de emissão dos poluentes, as transformações que ocorrem com eles, as difusões e os destinos que ele tem no ambiente. Os primeiros relatos de utilização de ensaios de toxicidade com organismos aquáticos datam da década de 20, sendo que os peixes foram os primeiros organismos utilizados.
As águas superficiais são representadas pelas drenagens e rios que coletam as águas pluviais, originadas pelas chuvas, também denominadas águas freáticas. As águas subterrâneas são aquelas que são armazenadas no interior dos maciços rochosos. Podem passar pelo estágio freático ou serem dirigidas diretamente para o interior das rochas.
No Brasil, os estudos exigidos para avaliação de impacto ambiental de pesticidas foram definidos pela Portaria Ibama nº 84/1996,15, modificada pela Portaria Ibama nº 6/2012,18. Para cada registro de um novo pesticida, são exigidos estudos físico-químicos do produto técnico e da mesma forma para o produto formulado.
Na avaliação da toxicidade para organismos não-alvos, são exigidos estudos para produto técnico e para o para o produto formulado. Os estudos exigidos pelo Ibama para registro devem ser conduzidos de acordo com protocolos internacionalmente aceitos, como aqueles publicados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) ou pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (Usepa).
O estudo foi feito por Lucineide Maranho, Claudio Jonsson Kassio Mendes, Ana Paula Régo e Felipe Alonso, da Universidade Federal de Viços e Rosana de Oliveira Freguglia, do Cena/USP. Cristina Tordin/Embrapa Meio Ambiente