Seguros pelo isolamento, porém mais distantes do sistema de saúde: como ficam os indígenas com a pandemia do coronavírus?

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, destacou recentemente a necessidade de dar atenção à maior vulnerabilidade dos povos indígenas às viroses, inclusive ao novo coronavírus, cujo número de infectados no Brasil é cada vez maior. No fim da tarde desta quarta (25), eram 2.433 casos confirmados e 57 mortes.

Até o momento, de acordo com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), não existem indígenas com confirmação da doença, mas há 10 casos em investigação, nenhum no estado de Minas Gerais. Para evitar que a doença atinja essas populações, a receita parece ser unânime: informação e isolamento.

“Aqui no nosso território, ninguém entra, ninguém sai”

“O que se tem trabalhado, nesse sentido, é o isolamento social dos povos indígenas, restringindo a entrada nos seus territórios somente dos profissionais da saúde indígena, de forma a garantir o mínimo de contato com a população dos munícipes do entorno de suas aldeias. Algumas comunidades têm se manifestado nas mídias sociais com a frase: “Aqui no nosso território, ninguém entra, ninguém sai”, afirma o pesquisador especialista em saúde indígena Roberto Carlos de Oliveira.

Na aldeia Pataxó Geru Tucunã, que fica em Açucena, a 70 quilômetros de Governador Valadares, a regra também é não aceitar visitas. De acordo com Sequaí, que vive na aldeia, a comunidade já entrou em acordo para evitar sair do território. “O pessoal da comunidade tá orientado a não ficar saindo da aldeia, só em caso de necessidade mesmo, e não deixar ninguém entrar. Até cancelamos a nossa festa, que seria 17 de abril”, afirma Sequaí.

A aldeia Geru Tucunã recebe milhares de visitantes de diferentes cidades, que vão até lá durante as festas, para conhecer um pouco mais da cultura dos indígenas. No entanto, em um momento como esse, qualquer visita pode representar perigo. Sequaí conta que a aldeia já teve problemas, em outras festas, com doenças que contaminaram a comunidade. “A gente já tem essas orientações de anos passados mesmo, de outras viroses que vieram depois da festa e que acabaram derrubando as pessoas aqui, então a gente preferiu evitar esse ano fazer a festa por esses motivos também”.

De acordo com Sequaí, até o momento da entrevista a comunidade Geru Tucunã ainda não havia recebido nenhum tipo de orientação da Sesai, mas já havia uma reunião com a enfermeira da aldeia agendada para esta quinta-feira (25). No entanto, o caso da aldeia Geru Tucunã é um pouco diferente de grande parte das aldeias pelo Brasil: eles têm energia elétrica desde o fim do ano passado, e todos conseguem acompanhar as informações pela televisão.

“Nós estamos assistindo televisão. A gente agradece, depois que a energia chegou, porque é uma forma da gente estar conectado com o mundo. E pela internet também, porque a gente usa os dados móveis, no telefone. Então de vez em quando a gente dá uma olhadinha, procura os lugares que dão sinal né, na aldeia, e procura as informações. De imediato, as orientações que tivemos foram pela internet e pela TV”, conta Sequaí.

Povos indígenas isolados e de contato recente

A Sesai e a Funai lançaram vários documentos com orientações aos agentes de saúde, sobre as melhores formas de evitar uma possível chegada da pandemia de coronavírus às aldeias. Dentre eles está o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo coronavírus em Povos Indígenas, que pede que sejam cumpridas as orientações da Portaria Conjunta nº 4.094, de 20 de dezembro de 2018, em relação aos povos isolados. A portaria, por sua vez, traz uma orientação bem clara: o cuidado é fundamental ao entrar em contato com esses povos, para evitar surtos, epidemias e a consequente mortalidade.  

Grande parte da imunidade do organismo humano é desenvolvida de acordo com o ambiente em que está inserido. Sabe-se que, justamente por isso, desde a época da colonização portuguesa o contato com os europeus trouxe uma série de doenças aos indígenas brasileiros. Os povos que ainda vivem isolados, hoje, correm esse mesmo risco.

“As epidemias e as elevadas taxas de mortalidade pelas doenças transmissíveis contribuíram, de forma significativa, na redução do número de indígenas que vivem no território brasileiro. As doenças do aparelho respiratório são uma das três principais causas de mortalidade infantil na população indígena. Em se tratando dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, estes são especialmente vulneráveis às doenças infectocontagiosas”, destaca Roberto Carlos de Oliveira, que é doutor em Saúde Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais e McGill University (Canadá) e professor do mestrado em Gestão Integrada do Território da Universidade Vale do Rio Doce.

Além disso, de acordo com o pesquisador, existem outros fatores agravantes. “Já é confirmado pelas estatísticas de mortalidade e de saúde, que os povos indígenas têm maior vulnerabilidade biológica a viroses, em especial às infecções respiratórias. Essa vulnerabilidade relaciona-se diretamente com os determinantes sociais e de saúde destes povos como, em especial, a falta de saneamento básico, suas condições de moradia e, em alguns casos, ao modo coletivo de viver”.

Dados sobre povos indígenas isolados no Brasil

De acordo com as informações Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, a população indígena no Brasil era de 817.963 pessoas. Destas, 517 mil viviam em Terras Indígenas oficialmente reconhecidas — em uma das mais de 6 mil aldeias registradas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Governador Valadares aparece na lista do IBGE como a décima cidade com maior população indígena urbana em Minas Gerais, tendo 334 índios registrados nos dados.

Além desses números, ainda existem os chamados “índios isolados”, que são uma incógnita até mesmo para a Funai. De acordo com a Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC/Funai), existem 114 Registros de Povos Indígenas isolados no Brasil. Deste universo, 28 registros são referências confirmadas, ou seja, a Funai possui dados consolidados sobre localização geográfica e ocupação destes povos. Os outros 86 Registros ainda estão em fase de investigação. Além disso, a coordenação tem registro de 20 povos indígenas de contato recente.

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