Quarta Carta de Valadares levanta discussões sobre as consequências do rompimento da barragem de Fundão

Carta é uma síntese do que é discutido no Seminário Integrado do Rio Doce, que teve a quinta edição realizada no ano passado

A Quarta Carta de Valadares é um documento idealizado após o 5º Seminário Integrado do Rio Doce, que aconteceu no ano passado, na Univale. A Carta, que é assinada por várias instituições participantes do evento, foi divulgada nesta semana. De acordo com alguns idealizadores, ela é uma síntese do que é discutido no seminário, que tem como pauta as consequências do rompimento da barragem de Fundão e também os esquecimentos e incertezas de outros desastres da mineração, além de servir como alerta para a população e manter sempre em pauta essas discussões e também cobrar daqueles que devem responder e agir.

De acordo com Diego Jeangregório, professor de Direito Ambiental na Univale e pesquisador no Observatório Interdisciplinar do Território (OBIT), a Carta se tornou uma tradição nos últimos anos. “Em 2015 a gente fez o primeiro seminário, logo depois do desastre de Mariana, com participação de professores, pesquisadores, estudantes, na perspectiva de compreender a dimensão desse desastre que afetou a bacia do rio Doce. Para o segundo seminário, que aconteceu em 2017, foi idealizada a Primeira Carta de Valadares, e desde então se manteve essa tradição”, disse.

Segundo Diego, um dos principais objetivos do documento é apresentar uma síntese das discussões realizadas no seminário, que tem a participação de acadêmicos, professores, pesquisadores e instituições, todos dedicados ao estudo das consequências do desastre. “O seminário vira um articulador de um diálogo entre comunidade, atingidos, acadêmicos, pesquisadores e órgãos e instâncias de tomadas de decisão. Sempre no fim do seminário, a Carta é assinada pelos organizadores. A Carta é aberta tanto para a comunidade quanto para os órgãos de instâncias decisórias, mostrando uma síntese das principais preocupações e dos pontos importantes. Essas questões surgem durante os diálogos e vamos refletindo nas necessidades dos atingidos, sobre como estão caminhando as atuações dos órgãos e instâncias de tomada de decisão. Essa carta tem o objetivo de levantar discussões e questionamentos e ao mesmo tempo cobrar esclarecimentos e providências dos órgãos e da instâncias de tomadas de decisão.”

Diego destaca que a carta virou tradição e esta última é fruto das discussões do 5º Seminário Integrado do Rio Doce (Foto: Reprodução Youtube Univale)

O historiador e também coordenador do Mestrado em Gestão Integrada do Território (GIT) da Univale, Haruf Salmen Espíndola, indica que existem estudos de que desastres como o que atingiu a bacia do rio Doce têm a tendência de começar a ser esquecidos depois de cinco anos. “Com o passar do tempo, a atenção da mídia diminui, a percepção das pessoas sobre esse acontecimento vai diminuindo e perdendo força. Os que foram diretamente afetados continuam sofrendo as consequências, mas aqueles que foram afetados indiretamente ou não têm percepção disso, a exemplo da água do rio Doce, que ainda é um problema até hoje, pois não há convicção da questão da qualidade dessa água. Ainda há dúvidas que permanecem sobre isso. Mesmo assim, a tendência é que as pessoas se esqueçam à medida que chega a cinco anos do ocorrido. Existem vários estudos que mostram isso. Por piores que sejam os desastres, as pessoas tendem a esquecer, e isso tem ocorrido no caso do desastre que atingiu o rio Doce”, disse.

Segundo Haruf, o desastre está sendo tratado como uma questão que só afetou as pessoas individualmente, dos pontos de vista econômico e social, e elas precisavam ser reparadas. Mas, na verdade, o desastre alcança outras dimensões. “Lógico que pessoas perderam renda e têm que cuidar isso, mas tem aqueles que não podem mais comer o peixe do rio Doce, que tinham esse hábito e cultura; as comunidades que dependiam da pesca, não só do ponto de vista econômico, mas como atividade social e cultural; aquela territorialidade, aquele modo de vida que foi afetado. Outra questão é a mineração, que extrai da bacia do rio Doce riquezas gigantescas. Mas o que está devolvendo em termos de desenvolvimento? O que vai sobrar? Vai ficar só a lembrança do passado? A região continuará uma região sem futuro? Acho que deveria ter uma unidade dos prefeitos, câmaras, sociedade civil, do Comitê da Bacia do Rio Doce, para que as ações de reparação, principalmente, pudessem estar sendo feitas em um projeto de desenvolvimento integrado da região como um todo, que tivesse uma visão de futuro. Quanto esgotasse a mineração, no lugar de buraco ficassem progresso, desenvolvimento, emprego, cultura, cidades melhores, mais educação, mais riqueza. É isso que debatemos.”

Haruf explica que as pessoas tendem a esquecer os desastres a partir de cinco anos da data do ocorrido (Foto: Reprodução Youtube Univale)

Haruf ainda ressalta que o Comitê da Bacia do Rio Doce deveria ter mais protagonismo, em conjunto com prefeitos e Câmaras de Vereadores de cidades como Valadares, Ipatinga, Colatina e Linhares. “O risco permanece. Temos vários casos de barragens que estão em risco 3, que é um risco altíssimo. Se não mantiver viva e trabalhar essa questão, não debater com a sociedade e não cobrar do poder público, poderá ocorrer outro desastre, pois os elementos que provocaram estão presentes. Como ocorreu também em Brumadinho, pode ocorrer um terceiro. São dezenas de barragens que têm nos rios afluentes do rio Doce. É fundamental, e a questão que a gente levanta é que o Comitê da Bacia do Rio Doce tinha que ter mais protagonismo, e os prefeitos e Câmaras de Vereadores de cidades polos, como Valadares, Ipatinga, Colatina, Linhares, tenham uma força maior de mobilização do conjunto da bacia do rio Doce em defesa ambiental social e econômica, levar mais a sério, ter visão de futuro, um plano de segurança e ações que impeçam que desastres possam ocorrer.”

A Carta pode ser vista aqui.

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