As culturas e tradições do Vale do Jequitinhonha são a inspiração para o novo projeto artístico da Fundação Clóvis Salgado, “Jequitinhonha: Origem e Gesto”. A iniciativa propõe de maneira inédita a junção de expressões artísticas, como a cerâmica, a pintura e a dança, ocupando a Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard. O projeto é uma realização do Governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo e da Fundação Clóvis Salgado em parceria com o Sebrae Minas.
O anúncio do projeto que aproxima as obras dos artistas do Jequitinhonha e o trabalho da Cia. de Dança Palácio das Artes (CDPA), criando uma linguagem híbrida, aconteceu nesta quarta-feira (26/7), em coletiva de imprensa realizada no Palácio das Artes. A solenidade contou com a presença do secretário de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais, Leônidas Oliveira, do secretário-executivo de Estado de Desenvolvimento Econômico, Guilherme da Cunha, do presidente da Fundação Clóvis Salgado, Sérgio Rodrigo Reis, do presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae Minas, Marcelo Souza e Silva e do coordenador-geral do Projeto Jequitinhonha, Marco Paulo Rolla, entre outras autoridades.
“Esse projeto é fruto de um compromisso firmado no ano passado, na cidade de Jequitinhonha, onde nós nos reunimos com 36 municípios. As trabalhadoras e trabalhadores da cultura pediram para estarem mais presentes em Belo Horizonte, e, hoje, nós cumprimos nosso compromisso com essa série de ações para dar visibilidade ao Vale do Jequitinhonha”, contou o secretário Leônidas Oliveira.
Inserida no Minas Criativa – programa que busca fortalecer a cultura para a criação de 100 mil empregos na economia da criatividade até dezembro de 2024 –, a iniciativa é vista pelo secretário como um importante passo para a geração de emprego e renda no Jequitinhonha. “Começar com o Jequitinhonha e saber que o trabalho desse artistas será valorizado já é a linha que foi delineada pelo Plano Estadual de Cultura pelo nosso Conselho Estadual de Política Cultural”, complementou.
Com coordenação geral do artista Marco Paulo Rolla, “Jequitinhonha: Origem e Gesto” chega para celebrar, na capital mineira, dentro do Palácio das Artes, em dois momentos, nos dias 3 e 4/8, a riqueza criativa do povo do Vale do Jequitinhonha. No primeiro, acontecerá a inauguração, às 19h, de uma exposição panorâmica com obras dos principais artistas e artesãos da região, composta por 100 peças históricas, vindas de acervos particulares, do Centro de Arte Popular (CAP) e do Sebrae-MG , além de criações atuais feitas especialmente para a ocasião.
O presidente da Fundação Clóvis Salgado, Sérgio Rodrigo Reis, defende que união das diferentes expressões artísticas do Jequitinhonha proporcionará uma experiência única aos visitantes. “Esse é um projeto muito especial para a Fundação Clóvis Salgado. Pela primeira vez estamos fazendo uma ocupação no lugar mais nobre do Palácio das Artes unindo as artes visuais e as exposições, trazendo o Vale para cá e também nos levando até ele. As artesãs e artistas do Vale do Jequitinhonha fizeram grande parte das obras que estarão expostas na Galeria, fora outras que estarão disponíveis na loja do Palácio das Artes. Com isso, potencializamos e deixamos evidente a economia da criatividade que move não só Minas, mas também o desejo de várias partes do Brasil”.
Para o presidente do conselho deliberativo do Sebrae Minas, Marcelo Souza e Silva, esta será uma grande oportunidade de contribuir com o desenvolvimento econômico da região. “O Sebrae tem um propósito: transformar vidas. A gente pensa muito em como trazer qualidade, como trazer gestão e eficiência para os artesãos. Quando a gente traz o Jequitinhonha para o Palácio das Artes, damos oportunidade de negócios. Vão ter as exposições, os produtos estarão à venda, e faremos essa ampla divulgação para o público de Belo Horizonte e de Minas Gerais, e até mesmo de outros estados, para que venham aqui, vejam as apresentações e comprem as artes do Jequitinhonha”, disse.
Quem corroborou com essa visão foi o secretário-executivo de Estado de Desenvolvimento Econômico, Guilherme da Cunha, pasta parceira do projeto. “O lema da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e do Governo de Minas, no aspecto do artesanato, é ajudar o artesão – que já tem o talento, já tem a inspiração e o investimento – a ter também a perspectiva de transformar o trabalho em renda para pagar suas contas, colocar a comida na mesa e ajudar a sua família com o artesanato. Estamos, em média, em 100 eventos por ano realizando a promoção do artesanato mineiro para ajudar ao artesão a colocar dinheiro no bolso”, declarou.
Espaço expositivo
Uma ambientação inspirada no Vale foi criada no espaço da Grande Galeria para receber a exposição panorâmica, a partir dos tons terrosos, dos barrancos, das casas de pau a pique e das texturas da paisagem daquela região. Neste mesmo cenário também ocorrerá, na sexta-feira (4/8), às 20h, a estreia da coreografia da Cia. de Dança Palácio das Artes, também batizada de “Jequitinhonha: Origem e Gesto”. A partir daí, nos finais de semana, ao longo de agosto e outubro, a coreografia será encenada em sessões gratuitas.
Com concepção coletiva dos bailarinos da CDPA, a nova coreografia é resultado da pesquisa de campo realizada pelo corpo artístico do Palácio das Artes no Alto Jequitinhonha. As visitas às Associações de Artesanato e as conversas com moradores da região inspiraram um trabalho que mescla as tradições mineiras à contemporaneidade. Para Sérgio Rodrigo Reis, “Jequitinhonha: Origem e Gesto” é uma celebração das tradições do estado para além da Minas histórica.
“Essa produção inédita celebra as outras histórias de nosso estado. Com a iniciativa, a Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard abre espaço para todo simbolismo das ‘Gerais’, que é essa região mais profunda de Minas, com muitas histórias, culturas e tradições, bem diferentes da centralidade do estado. O objetivo é estimular um novo olhar para a diversidade e a riqueza da produção artística de nossa terra”, destacou o presidente da FCS.
Marco Paulo Rolla, que também assina a curadoria da exposição e a direção da coreografia da Cia. de Dança, explica que o projeto foi pensado para ampliar a percepção do público a respeito do Vale do Jequitinhonha. “O objetivo é abrir uma porta para imaginar além do que o Jequitinhonha é. É uma tentativa de apresentar, na Grande Galeria, esse recorte muito sensível daquela região, a partir das origens e dos gestos que fazem parte daquela cultura que, às vezes, nos parece tão distante”, apontou o coordenador.
Assim como “Jequitinhonha: Origem e Gesto”, as demais atividades da Fundação Clóvis Salgado têm como mantenedores a Cemig e o Instituto Cultural Vale; além de patrocínio Master da ArcelorMittal; patrocínio da Usiminas e da Vivo e correalização das atividades da APPA – Arte e Cultura.
Um Vale, múltiplas artes
A proposta da exposição “Jequitinhonha: Origem e Gesto”, segundo Marco Paulo Rolla, é uma interpretação das culturas do Vale do Jequitinhonha a partir de múltiplos suportes. Com as obras dispostas na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard, entre artesanato, pintura e videoinstalação, a exposição vai traçar uma narrativa histórica e interpretativa a respeito da formação da identidade cultural daquela região.
O barro, matéria-prima de inúmeros trabalhos artesanais, é o ponto de partida para a expografia, caracterizando todo o espaço da Grande Galeria. “É daí que surge a ‘Origem’. Nossa ideia com essa exposição é celebrar um trabalho manual, artesanal, que diz muito sobre a cultura do Jequitinhonha e todas as tradições que estão impregnadas naquele povo”, explicou Marco Paulo Rolla.
A expografia também contempla uma videoinstalação com registros feitos durante a pesquisa da Cia. de Dança Palácio das Artes na região. Além disso, pinturas de Gildásio Jardim, artista natural de Joaíma, no Baixo Jequitinhonha, também fazem parte da exposição. As obras de Jardim abordam o cotidiano daquele povo, em que a personalidade do retratado se funde com as estampas do tecido. Estão representados o homem do campo, do sertão, da vida simples na roça – sujeitos invisibilizados pela sociedade que têm sua poesia estética capturada pelo olhar de Gildásio.
A dança, os saberes e os dizeres
Para a composição da parte coreográfica do projeto, a Cia. de Dança Palácio das Artes iniciou uma pesquisa no início deste ano sobre características culturais do Jequitinhonha. Em abril, o corpo artístico se dirigiu para Turmalina, no Alto Jequitinhonha, e conheceu um pouco mais da cultura local, seu povo e suas nuances. A coleta de material envolveu visitas a espaços de artesanato e outros centros comerciais, bem como o olhar apurado dos bailarinos para as diferentes facetas da região.
De Turmalina, os bailarinos seguiram para uma jornada de encontros em três comunidades, com o intuito de entender o “Gesto”. No distrito de Cachoeira do Fanado, por exemplo, o grupo conheceu as criações em artesanato que auxiliam na renda dos moradores. Além disso, a Cia. de Dança Palácio das Artes participou de conversas com ricas trocas junto às mulheres da comunidade. A proposta era entender mais das cantigas e danças de roda que são passadas de geração em geração pelas moradoras do local. Em Campo Alegre e Campo Buriti, os bailarinos passaram por experiência semelhante ao descobrir mais detalhes sobre os costumes locais e como esse saber popular poderia ser fonte inspiradora na criação que iniciava.
Para a diretora da Cia. de Dança Palácio das Artes, Sônia Pedroso, as visitas de campo são fundamentais para a criação artística. “A dança contemporânea se espelha em urgências, pesquisas, observações e tantos outros detalhes que possam inspirar a criação de uma coreografia. Esse olhar de descoberta, que busca o diferente, o novo, o inesperado, é mais do que necessário para as criações da Cia. de Dança Palácio das Artes. É com essa pesquisa ‘n loco’ que tentamos traduzir o Vale do Jequitinhonha em nossa dança”, explicou.
A bailarina Cláudia Lobo ressalta que a pesquisa é essencial para a criação coreográfica. Mesmo quando vivenciamos o campo como ‘observadores’, estando lá, o fazemos em presença e isto nos afeta. Nos afeta no corpo. Tanto no aspecto sensorial – sons, cheiros, texturas, temperaturas, imagens específicas de cada campo – quanto na transformação de novos modos de nos relacionarmos com esta especificidade que nos afeta. Tudo isso é alimento para inspiração, estímulo à criação, para artistas, como nós, que criamos com o corpo, através do corpo. Um corpo em movimento, em ação, em estado de presença, em estado de afetação”, declarou.
Já o bailarino Christiano Castro destaca que essa experiência valoriza, ainda mais, o trabalho da Cia. de Dança. “Nossas coreografias são baseadas em pesquisas e estudos de campo. Visitar uma região tão simbólica para Minas Gerais, como é o Vale do Jequitinhonha, nos ajuda a entender melhor esse local e o que há de mais rico, tanto nas pessoas quanto nos cenários e paisagens que podem habitar nosso processo criativo. Cada contato com as artesãs e moradores se torna objeto de observação e, também, inspiração para nosso trabalho”, pontuou.
A partir do contato com os moradores e as múltiplas culturas da região, os bailarinos passaram a criar, coletivamente, a nova coreografia. Ao longo do processo criativo, os corpos foram incentivados a se conectar com a matéria do barro que simboliza a riqueza artística e até mesmo financeira da região.
“O barro se transforma em cultura e o sentimento que tivemos da vivência de nossa visita àquela região para uma pesquisa, permitindo o contato com danças e cantos desta cultura e de uma origem mais distante, que nem eles sabem qual foi, mas nunca pretendem abandonar”, destacou Marco Paulo Rolla.
Na coreografia de Jequitinhonha, os bailarinos incorporam elementos da cultura do Vale para além da observação cotidiana. As famosas bonecas, por exemplo, inspiram passos que se desdobram em histórias dos moradores. Por sua vez, a vegetação característica do Vale do Jequitinhonha se incorporou no imaginário dos bailarinos e foi ressignificada a partir de corpos que irão ocupar a galeria.
Arte feita em Minas
Para realizar o projeto Jequitinhonha, o Centro Mineiro de Artesanato (Ceart) envolveu toda uma cadeia produtiva da criatividade na confecção de novas obras. Parte delas poderá ser vista na exposição, recriando o cenário real de inspiração do projeto, e as demais serão comercializadas na loja do Ceart, instalada na entrada do Palácio das Artes, no lado oposto ao da Galeria. Com isso pretende-se criar um inédito percurso entre o fazer criativo (exposto da galeria) e o meio de subsistência de grande parte dos moradores (à disposição para aquisição no Ceart).
O Centro de Artesanato foi fundado em 1969 e é responsável pela pesquisa, divulgação, comercialização e desenvolvimento do artesanato tradicional e da arte popular em Minas Gerais. O Ceart mantém um acervo de mais de 20 mil peças feitas com matérias-primas diversificadas como cerâmica, madeira, vidro, metal e fibras. As obras retratam a riqueza cultural de Minas Gerais, marcada por influências religiosas, cotidianas e regionais. Por meio delas é possível conhecer traços de personalidade do povo mineiro, seus costumes e suas tradições. Valorizando o artesão e sua obra, o Ceart contribui para ampliar as oportunidades de inclusão socioeconômica por meio dessa importante produção do artesanato tradicional e da arte popular mineira.