O município concentra a maior comunidade brasileira no Estado Jardim, portanto, a situação também atinge os imigrantes e suas famílias
Em uma manhã ensolarada recente, as batidas constantes de uma britadeira ricochetearam nos prédios enquanto uma equipe de operários cavava um buraco numa rua de Newark (New Jersey). O trabalho visava a remoção de um cano envelhecido que circulava água, e potencialmente um veneno, para um pequeno prédio de apartamentos. O novo tubo é de cobre, mas o antigo era forrado com chumbo, o que pode ser prejudicial à saúde humana mesmo em níveis mínimos.
A rede de abastecimento de água foi uma das mais de 20 mil feitas com o metal tóxico que a Prefeitura de Newark começou a substituir em 2019, em meio à indignação pública com as revelações sobre os altos níveis de chumbo na água da torneira em escolas e residências em toda a cidade. O município concentra a maior comunidade brasileira no Estado Jardim, portanto, a situação também afeta imigrantes brasileiros e suas famílias.
Menos de 3 anos após o início das obras, o projeto de substituição, inicialmente calculado para levar até 10 anos, está quase concluído.
Os residentes da cidade que optaram pela água engarrafada durante a crise estão respirando, e bebendo, com mais facilidade. Newark, antes punida e processada judicialmente por sua resposta lenta ao problema, está sendo considerada um modelo nacional em potencial.
“Estou muito feliz que esteja acontecendo e que finalmente seja resolvido. Então, finalmente podemos beber água da torneira novamente”, disse o morador Cesar Velarde, enquanto observava a equipe trabalhar. “Eu tenho três caixas de água engarrafadas agora. Eu não bebo mais água da torneira por causa disso”.
O projeto de substituição da tubulação foi uma espécie de justificativa para o prefeito Ras Baraka, que enfrentou a pressão pública crescente em 2018 depois que o Conselho de Defesa dos Recursos Naturais, um grupo de defesa do meio-ambiente sem fins lucrativos, processou judicialmente a Prefeitura, alegando que a maior cidade de New Jersey não monitorou adequadamente os níveis de chumbo na água e havia minimizado o problema para os residentes.
A deterioração de tubos revestidos de chumbo, alguns com 1 século de idade, é um problema em muitas cidades mais antigas dos EUA. Um exemplo recente é Benton Harbor, Michigan. Entretanto, o projeto de substituição das tubulações em Newark (NJ) avançou mais rápido do que o esperado, graças à injeção de verbas estaduais e municipais e a uma emenda à lei estadual para proteger os proprietários de ter que arcar com os custos financeiros da troca de canalização.
“Vou me sentir melhor quando terminarmos completamente, mas estou animado por termos chegado quase ao fim. Será um grande marco para nós”, comentou Baraka na semana passada.
Os esforços de Newark levaram a um acordo judicial em janeiro passado e gerou elogios do Conselho de Defesa de Recursos Naturais. “É uma reviravolta bastante significativa desde os primeiros dias, quando a cidade negava que tinha um problema com chumbo”, disse Erik Olson, diretor estratégico sênior do NRDC para saúde. “Estamos apontando para a cidade como um modelo a ser seguido por outros municípios. Eles estão fazendo isso muito mais rápido do que outras cidades tentaram fazer”, acrescentou.
O NRDC calculou recentemente que existem cerca de 12 milhões de tubulações feitas de chumbo nos EUA. Quase metade de todos os estados nem mesmo rastreia o número de tubulações de chumbo em suas jurisdições, revelaram os ativistas. O chumbo na água potável tem sido associado a atrasos no desenvolvimento de crianças e pode danificar o cérebro, os glóbulos vermelhos e os rins.
O desafio de remover o chumbo da água potável nos EUA entrou em foco após o escândalo de Flint, Michigan, no qual os líderes da cidade trocaram as fontes de água em 2014 para economizar dinheiro. Isso levou a processos judiciais, embora muitas mais tarde tenham sido suspensos, e a um acordo de US$ 641 milhões de ressarcimento para os residentes da cidade pobre, na maioria negra.
O plano de infraestrutura de US$ 1 trilhão aprovado pela Câmara dos Deputados Federais na noite de sexta-feira (5) e agora aguardando a assinatura do presidente Joe Biden, inclui US$ 15 bilhões para substituir as tubulações de chumbo.
Várias centenas de redes de chumbo ainda precisam ser substituídas em Newark (NJ), muitas delas conectadas a edifícios que não eram acessíveis no início do projeto. O processo pode levar até 5 horas, embora muitas substituições levem menos tempo porque envolvem tubos menores que podem ser retirados e substituídos fazendo um corte menor nas calçadas, detalhou Mark Wleklik, presidente da Underground Utilities, uma empresa que fez milhares de substituições de tubos em Newark (NJ).
Mais de 70% dos residentes de Newark são inquilinos, e muitos dos edifícios são propriedade de empresas de responsabilidade limitada (LLC) com sede em outros lugares que podem ser difíceis de rastrear, explicou Kareem Adeem, diretora do Departamento Municipal de Água e Esgoto.
“É difícil rastrear uma (companhia) LLC até o Texas, Missouri, Louisiana ou Califórnia”, disse Adeem. “Os inquilinos sempre querem que a tubulação seja substituída, mas eles não são donos do imóvel”.
Isso levou a Câmara Municipal de Newark a aprovar uma lei permitindo que os inquilinos forneçam acesso aos edifícios. Uma emenda a uma lei estadual abriu caminho para que dinheiro público fosse usado para as substituições, o que pode custar milhares de dólares por casa, e Newark conseguiu US$ 120 milhões de verba. Todos esses esforços permitiram que a cidade de mais de 310 mil habitantes acelerasse as substituições das tubulações em até 120 canos por dia.
Além disso, a Prefeitura de Newark criou um programa que treinou cerca de 75 residentes desempregados e subempregados para trabalhar nas equipes de reposição das tubulações, disse Adeem.
Olhando para trás, Baraka descreveu o confronto com o Conselho de Defesa de Recursos Naturais como “difícil, tenso, sem mágoas”, mas ele admitiu ter aprendido algumas lições.
“Estávamos tão ocupados tentando lutar contra o NRDC, que tínhamos diálogo com eles e não com os moradores”, comentou o Prefeito. “Achamos que eles estavam errados e queríamos fiscalizar a cidade, quando já tínhamos fiscalização. Então, estávamos tentando lutar contra isso, em vez de ficar na ofensiva e dizer: ‘Temos esse problema, vamos sair e consertar isso’.”
Para alguns, elogios pelo feito de Newark precisam ser considerados no contexto. Yvette Jordan, professora e presidente do Newark Education Workers Caucus, que se juntou à ação judicial movida pelo conselho de recursos, disse que não foi coincidência que muitas das ações da cidade ocorreram em um momento em que Baraka estava buscando a reeleição e Newark estava concorrendo para se tornar a segunda sede da Amazon.com.
“Isso nos mostrou que a comunidade deve se levantar e dizer algo”, disse Jordan, cuja própria casa mostrou altos níveis de chumbo na água potável.
“Sem a comunidade gritando: ‘Precisamos disso’, nada vai acontecer. Os governos estadual e federal também devem dizer: ‘Vamos fazer isso’, e ter vontade política para fazê-lo. Sem essa vontade política, sem os poderes se alinhando, eu não acho que você veria Newark como este modelo nacional”. Brazilian Times