O lugar, um amontoado de casas cercadas por densa e exuberante floresta. Poucos pioneiros de diferentes lugares: estrangeiros de outras terras, de outros países. Suor e trabalho. Sons de machados derrubando árvores e de animais que se espantam com a chegada do bicho homem. Na clareira aberta nasce um povoado, terra que acolhe e dá vida a desconhecidos, desterra e mata uma nação indígena. Porto de Figueira do Rio Doce, inicialmente um pequeno entreposto comercial, se fez Vila, com a chegada dos trilhos da ferrovia nos idos de 1910. Com ela vieram comerciantes e madeireiros e aqui fincaram raízes que os prenderam para sempre nas poucas ruas de construções modestas e precárias, às margens do rio de abundantes águas cristalinas.
Atraído pela oportunidade de conseguir terras doadas pelo governo de Minas, meu bisavô, José Venâncio Pinto, ferreiro de profissão, veio acompanhado de sua mulher, Delfina Maria Pinto, e seis filhos. Sua família frutificou-se na Figueira de antão, dando origem a descendentes probos e lutadores, que participaram diretamente da colonização pioneira. Dada a musicalidade inata, promoveram a alegria do vilarejo. Formaram uma banda – Ibituruna Jazz – da qual participavam meu avô, Corando José Pinto, e os filhos Ernesto e Adhemar (meu pai), seu irmão Orlando José Pinto e os filhos Jarbas, Hiram e Didinho, além do Chico de Paula e outros. Na década de 20, já ofereciam momentos de vibração e alegria para toda a comunidade. Nesses tempos, a banda do maestro Orlando abrilhantava as festas religiosas, fazia retretas no coreto da praça, alegrando a vida dos moradores. Na época apropriada aos festejos momescos, formaram dois interessantes blocos – o Pierrô e o Leão da Folia. Realizavam desfiles de carros alegóricos, puxados por bois, fartamente enfeitados e encimados por jovens fantasiados, pertencente ao “Clube Leões”, por eles fundado.
“O coreto era o local das festas onde a banda tocava, a procissão passava, os políticos discursavam e os velhos, os jovens e as crianças se encontravam. Do alto do coreto, podia-se enxergar toda a cidade. (…) Esse coreto foi, por muito tempo, a alma de Figueira e de Governador Valadares. Ali a banda tocava a retreta e era o ponto de passeio dos jovens e até dos velhos da época. O coreto era o ‘ponto mais livre’ de Figueira” (Octaviano Fabri, Apud SIMAN, 2008).
A luta pró-emancipação teve início em 1935, com a fundação do Partido Emancipador de Figueira, cuja luta culminou com a assinatura do decreto-lei estadual nº 32, de 31 de dezembro de 1937. Em 30 de janeiro de 1938, a população foi despertada ao som da “Furiosa”, que comemorava a emancipação da cidade de Governador Valadares. Após esse dia, a banda decidiu assumir o nome de Lira 30 de Janeiro. Em sua sede, inaugurada em maio de 1942, aconteciam os bailes de carnaval, as horas dançantes, além de funcionar uma escola de música e de dança de salão.
Seu nascimento foi arquitetado pelos amigos: Joaquim Campos do Amaral, Otávio Soares da Cunha, Dr. João Perboyre Starling, Manoel Byrro, Lincoln Byrro, Álvaro César da Silva, Sinval Rodrigues Coelho, Joaquim Fidelis, Otaviano Fabri, Siva Monteiro de Castro, Leonardo Cristino, os músicos Pedro de Deus e José Marinho Moura.
A história não termina aí. Apesar das dificuldades encontradas para sua sobrevivência, a Banda LIRA 30 DE JANEIRO é um exemplo de dedicação, amor à música e, sobretudo, resiliência. As décadas seguintes até os anos 70 registram protagonismo e presença constante nas festas e comemorações da cidade. Os anos 80 e 90 foram de esquecimento e crise: os instrumentos, sem manutenção, foram se deteriorando, os uniformes envelhecendo, até que o prédio ruiu. Nesse momento, uma campanha da Associação Comercial conseguiu reerguer a sede, restabelecendo a dignidade dos músicos que, sem nada receber, tornam mais felizes o cotidiano da cidade.
Nos festejos de comemoração do aniversário de 79 anos da cidade, vimos uma banda formada essencialmente por jovens. Esse retrato da LIRA trouxe renovadas esperanças ao meu coração.
A Lira 30 de Janeiro, tal como a cidade, não deixará se render às intempéries do tempo e da vida.
Zenólia M. de Almeida |Ph.D. em Gestão | Membro da Academia Valadarense de Letras | Gestão de Projeto – Prefeitura Municipal de Governador Valadares.
Fontes:
- LOTT, Cleuzany. Pra ver a banda tocar. Governador Valadares, 16 de agosto de 2011. Disponível no Museu Histórico de Governador Valadares, MG.
- SIMAN, Lana Maria de Castro. Memórias sobre a história de uma cidade: a História como labirinto.
- Educ. rev. [online]. 2008, n.47, p.241-270.
- https://cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?codmun=312770. Acesso em 29.01.2017
- https://www.valadares.mg.gov.br/Materia_especifica/12094/Historia-da-Cidade. Acesso em 29.01.2017
- https://www.estacoesferroviarias.com.br/efvm/governador.htm. Acesso em 29.01.2017