SYLVIA COLOMBO
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Quando Nicolás Maduro decretou, no último dia 21, um lockdown de duas semanas na Venezuela, não era a primeira vez que o ditador adotava a medida. A novidade era o anúncio da distribuição em massa de um suposto remédio “milagroso” contra o coronavírus a centros de saúde e farmácias de todo o país.
O Carvativir, no entanto, não tem eficácia comprovada no combate à Covid. Composto de carvacrol, substância presente no óleo de orégano, o medicamento criado pelo médico venezuelano do século 19 José Gregorio Hernandez é usado como expectorante e foi classificado pelo FDA, a agência reguladora de medicamentos dos EUA, como “seguro e inócuo para consumo humano”.
A promoção das “gotas milagrosas”, como Maduro vendeu o remédio, levou o Facebook a suspender a página do chavista na plataforma devido a violações da política contra informações falsas sobre a pandemia. A decisão foi baseada em orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde), que afirma não haver atualmente medicamento para curar o vírus. De certa forma, as falas do ditador e a medida da rede social desvelaram a situação da crise sanitária na Venezuela.
Com uma campanha de vacinação lenta, aumento de casos e mortes e o iminente colapso das UTIs do país, o anúncio da imposição de um lockdown parece ter sido a saída mais eficaz a curto prazo para barrar a piora da crise, ainda que tenha sido feito a la Maduro, em um discurso cheio de adjetivos e tom bélico.
Se na primeira onda de Covid a culpa pela pandemia de coronavírus era atribuída ao presidente colombiano, Iván Duque, porque as infecções viriam dos migrantes venezuelanos que voltavam do país vizinho, agora o inimigo é o Brasil de Jair Bolsonaro, onde foram detectadas variantes do patógeno.
Em discursos recentes, Maduro tenta passar a impressão de que o regime está conseguindo conter a crise sanitária. Não está. Desde o fim de fevereiro, o número de casos vem aumentando, e a falta de confiança nos dados divulgados pelo governo projeta um quadro ainda mais grave.
De acordo com informações compiladas pela Universidade Johns Hopkins, o país de 28,8 milhões de habitantes teve oficialmente 155.663 casos e 1.555 mortes. A associação Medicos por la Salud, criada em 2014 por profissionais independentes que cruzam dados para obter cifras mais próximas da realidade, entretanto, estima que o número de infectados seja ao menos quatro vezes maior.
“Há muita gente morrendo em casa, gente que recebe tratamentos alternativos sem ser testada ou que não chega às UTIs porque o sistema de saúde já estava arruinado pela crise venezuelana antes da pandemia”, diz o médico Julio Castro Méndez. No país, há apenas dois laboratórios capazes de fazer testes de detecção do vírus, e ambos estão na capital Caracas.
Em 2020, médicos da cidade de Maracaibo alertaram para o colapso das UTIs da região, que recebe muitos refugiados que voltam à Venezuela pela fronteira com a Colômbia. Ali, dezenas de profissionais de saúde teriam morrido por falta de recursos para evitar o contágio, segundo a ONG Colegio de Medicos.
Na segunda semana de fevereiro foram identificadas duas variantes brasileiras do vírus, a P.1 e a P.2, em ao menos cinco estados: Vargas, Miranda, Anzoátegui, Monagas e Bolívar, além da capital.
O aumento de infecções é confirmado por diretores de centros médicos públicos e privados. No último dia 15, Germán Cortéz, presidente da Associação Capital de Clínicas e Hospitais, afirmou que as UTIs de 11 clínicas de Caracas estavam quase totalmente ocupadas -e sempre por pacientes com coronavírus.
Patricia Valenzuela, médica da Policlínica La Arboleda, afirma não ter como aceitar novos pacientes -as unidades de tratamento intensivo do local estão no limite, com mais de 20 leitos ocupados. “Vemos com muita tristeza o trânsito de ambulâncias em Caracas para buscar um lugar para internar uma pessoa.”
Para Mauro Zambrano, dirigente sindical dos hospitais e clínicas de Caracas, os números do governo não podem estar corretos porque “todos os dias vemos casos de pessoas que não são testadas por falta de reativos e equipamentos necessários”. “Elas são orientadas a ir para casa e comprar, no mercado negro, analgésicos e antibióticos que médicos receitam apenas para tentar aplacar sintomas.”
Zambrano pede melhores condições e assistência aos profissionais de saúde, que, conta ele, recebem pagamentos baixíssimos. “O salário de um médico na Venezuela não chega a US$ 4 ou US$ 5, e o de uma enfermeira, US$ 2. Estamos perdendo profissionais todos os dias para a doença.”
O presidente da policlínica metropolitana, Jimmy Levi, por sua vez, diz que até meados de março era possível receber os pacientes que chegavam com sintomas. Agora, no entanto, “temos de improvisar áreas de emergência do hospital para operar como UTIs, mas sem os mesmos recursos”.
Por fim, a campanha de imunização ocorre em ritmo lento. Iniciada em 18 de fevereiro, com 100 mil doses da vacina chinesa Sinopharm e 500 mil da russa Sputnik V, as aplicações por enquanto estão restritas aos profissionais de saúde. Maduro também anunciou que, assim que passarem pela fase 3 dos testes, os fármacos cubanos Soberana 1 e 2 e Abdala serão adquiridos pelo país.
Enquanto isso, o grupo opositor liderado por Juan Guaidó, que divulgou na noite deste sábado (27) estar com Covid-19, negocia com o Covax, mecanismo da OMS para fornecimento de imunizantes a países em desenvolvimento, a compra de doses para o país.
Com a vacinação incipiente, até agora a maioria das doses tem sido aplicada no Hospital Universitário de Caracas, e a distribuição a outras partes do país ainda não começou.