Seminário realizado na quarta-feira (2) discutiu perspectivas da crise sanitária e suas implicações em várias áreas
Depois de quase dois anos de pandemia, a comunidade da UFMG já não é mais a mesma. A maior crise sanitária registrada nos últimos 100 anos trouxe impasses e sofrimentos, mas também proporcionou aprendizados que devem ser compartilhados e inspirar uma nova abordagem para enfrentar os desafios. Essa percepção permeou o seminário Como conviver com a covid? Impactos e perspectivas após dois anos de pandemia, promovido, na tarde desta quarta-feira, dia 2, pelo Comitê Permanente de Acompanhamento das Ações de Prevenção e Enfrentamento do Novo Coronavírus da UFMG.
O tom foi dado pela reitora Sandra Regina Goulart Almeida já na abertura do evento, realizado no auditório da Reitoria e transmitido pelo canal da Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) no Youtube. Sandra Goulart buscou inspiração no intelectual e escritor indígena Ailton Krenak. “Não me esqueço de uma fala dele em 2020, em um evento da UFMG. Ele dizia que não podemos voltar ao normal, porque voltar ao normal indicaria que esquecemos tudo o que aprendemos nessa caminhada”, afirmou a reitora.
Em sua fala, a reitora destacou o trabalho “responsável e solidário” exercido pela UFMG durante esse período de crise, por meio de pesquisas, testagens e assistência às populações vulneráveis, atuação amplamente reconhecida pela sociedade.
Segundo ela, a UFMG vive agora uma nova etapa no processo de superação da pandemia com o retorno das atividades presenciais. “De acordo com a etapa 3, não há mais teto de ocupação de espaços, mas tudo será feito com extrema segurança: uso de máscara, distanciamento, enfim, continuamos nos pautando pela responsabilidade, cautela e compromisso ético que sempre marcaram a nossa instituição”, ressaltou a dirigente.
Sandra Goulart destacou que todas as decisões tomadas até agora em relação à pandemia são baseadas nas avaliações técnicas e científicas do Comitê Permanente de Enfrentamento do Novo Coronavírus (de caráter consultivo) e acompanhadas por uma comissão instituída no âmbito do Conselho Universitário, a principal instância de deliberação da UFMG. É nesse ambiente institucional que está sendo discutida, por exemplo, a questão do comprovante vacinal. “É uma solicitação que a UFMG não descarta”, registrou a reitora.
O seminário foi estruturado em duas partes: na primeira, houve discussões sobre o eventual fim da pandemia em 2022, a eficácia das vacinas na prevenção das novas variantes e o impacto da crise sanitária na saúde mental. A segunda parte reuniu apresentações sobre questões éticas suscitadas pela pandemia, sobre as estratégias de controle postas em prática ao redor do mundo e uma análise sobre os dados da pandemia em Belo Horizonte e no estado de Minas Gerais. A cobertura desse eixo do seminário será registrada em outra reportagem do Portal UFMG.
Spoiler
O professor Unaí Tupinambás, da Faculdade de Medicina, começou sua explanação fazendo um spoiler (revelação antecipada). Para ele, a pandemia vai acabar, sim, em 2022. “Talvez neste semestre. Mas o vírus vai continuar com a gente”, ressalvou o infectologista, para então descrever o que está sendo projetado. Segundo ele, o mundo deverá entrar em um cenário de endemia, ou seja, em um estágio de relativo controle da doença, com surtos locais e sazonais, porém de monta passível de ser prevista e combatida com o uso de estratégias combinadas.
“Em relação à covid-19, provavelmente nunca atingiremos a imunidade de grupo, pois o vírus vai mudando”, disse o infectologista. Ele acredita que a covid-19 deverá se transformar em uma doença semelhante à gripe – que acompanha a humanidade há séculos – e não ao sarampo, enfermidade que pode ser erradicada em razão de sua vacina ser esterilizante. “As vacinas até agora desenvolvidas contra a covid-19 não tinham a pretensão de cortar a infecção. Elas se aproximam mais da vacina da influenza: tomamos, eventualmente ficamos gripados, mas de forma mais branda”, comparou.
“A eficácia da vacina está em impedir as formas moderadas e graves da doença”, insistiu Unaí. “A verdade é que, se não tivéssemos as vacinas contra a covid-19, estaríamos em um caos total”, pontuou o professor, ao tempo em que demonstrava, por meio de estudos, a explícita relação entre aumento da vacinação e a queda da letalidade da covid-19. “Agora, temos que pensar também que deveremos precisar de uma segunda geração de vacinas para este ano ainda ou o para o ano que vem”, disse.
Vacinas ganham de variantes
Em sua palestra sobre vacinas e variantes, o virologista Flávio Fonseca, professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), explicou que o mundo opera como se fosse um grande laboratório a céu aberto de evolução viral, com vírus se adaptando continuamente ao ser humano por meio de seus desdobramentos em variantes, que nada mais são que exemplares mutantes.
“Essa é uma batalha que vem sendo travada há bilhões de anos – não com a nossa espécie, em particular, já que nossa espécie não tem bilhões de anos, mas entre os próprios vírus”, disse ele, evocando os processos de seleção natural que, a rigor, foram os responsáveis pelo advento das chamadas “variantes de preocupação” – alfa, beta, gama, delta e ômicron.
Nesse contexto, Flávio da Fonseca dedicou a parte inicial de sua exposição a explicar o processo por meio do qual as variantes surgem, as chamadas pressões seletivas (materializadas de forma aleatória e imprevisível, em razão de critérios como transmissibilidade, infecciosidade e escape imunológico) que ocorrem por meio de clonagens e multiplicações que os vírus fazem de si.
“A questão das variantes é um ponto central para se pensar para onde caminhará a pandemia”, disse o virologista, dando ensejo à segunda parte da sua fala, tematizada na questão das vacinas e no esperado fim da pandemia. Flávio da Fonseca explicou que, de alguma forma, o pior talvez esteja ficando para trás – isso porque, segundo ele, depois de a indústria ter estabelecido capacidade técnica e científica para a produção de vacinas para um vírus como o Sars-CoV-2, essa capacidade em tese se mantém, a despeito de como caminhe o seu desdobramento em novas variantes. “Não estamos lidando com um vírus que nasceu ontem; os vírus têm bilhões de anos de evolução, então é muito difícil prever como será a sua próxima variante. Há um fator de imprevisibilidade”, ponderou. “Mas, se não posso prever isso, uma coisa eu posso prever: nós vamos ter uma vacina para ela”, garantiu.
As análises de Unaí Tupinambás e Flávio da Fonseca sobre a possibilidade de que o mundo saia em breve do atual quadro pandêmico trazem esperança para quem teve sua saúde mental abalada pela pandemia. Essa foi a avaliação feita pela enfermeira e psicóloga Tereza Kurimoto, professora da Escola de Enfermagem, que encerrou a primeira mesa de palestras do evento.
Segundo ela, o tempo prolongado de pandemia, com o contexto de inseguranças e incertezas que lhe é inerente, teve repercussão muito negativa na saúde mental das pessoas – e isso foi demonstrando por meio de pesquisas. “Temos vivido, desde o começo da pandemia, um contexto de agravamento do sofrimento psíquico. Cerca de um terço das pessoas contaminadas relatam ter sofrido uma piora em seu quadro de saúde mental, e aquelas com sofrimento ou adoecimento psíquico prévio descrevem uma piora ainda mais acentuada”, explicou. “Esse é um tempo de muita angústia para muitos e muitas. A angústia surge dessa experiência de poucas respostas, de imprevisibilidade e de encontro com a finitude, encontro com a morte, encontro com a realidade da nossa fragilidade humana diante de um ser tão pequeno, mas tão poderoso, que faz uma intervenção tão drástica em nossos modos de vida”, refletiu a professora.