Parece que foi ontem, mas já se passaram 81 anos; quando ainda podíamos ouvir o rumor das águas do rio Doce, sentir o cheiro da terra molhada, ver o capim que nascia em suas margens e as famílias reunidas em suas barrancas, para passar o domingo em clima de piquenique.
Hoje, absorvida pelo silêncio da noite, ainda busco aquele murmúrio, e o cantar daquelas águas. Entretanto, ouço apenas o barulho da brisa e a cantiga do vento, e, cheia de lembranças, fico a me perguntar: onde estão as suas matas, as perobas do campo, os jacarandás, o canto dos passarinhos e o fragor das nascentes que caíam em cascatas do pico da Ibituruna, aquele monumento nascido em tempos imemoriais, que se tornou símbolo da grandeza de nossa terra?
Presentemente, os tempos são outros. As nascentes secaram, as mulheres miqueiras desapareceram, as novas gerações olvidam o nosso passado, desconhecem as nossas saudades. Ouvimos, tão somente, o buzinar dos carros, que queremos acreditar trazerem o avanço e o labor para este vale da promissão. Estamos dando pouca importância ao que já vivemos, às lendas antigas, aos causos verdadeiros, às estórias aqui vividas.
Passados tantos anos, não conseguimos perceber um cenário de desenvolvimento econômico, social ou ambiental; um governo voltado para a população e empenhado no respeito a seu passado. Não vemos reverências aos heróis que desbravaram aquelas matas, conquistaram aquelas planícies, fundaram o pequeno vilarejo e se empenharam na busca do progresso.
Aqueles desbravadores não são lembrados pelos forasteiros que a cidade acolheu, nem por aqueles que herdaram o seu trabalho; injustamente foram esquecidos… A lembrança e os feitos de cada um ficaram perdidos nas brumas do tempo… Suas proezas não lhes deram o direito de serem agraciados e terem seus nomes lembrados em instituições recém-criadas. Foi preciso buscar heróis em outras plagas, heróis internacionais. Pessoas que nunca nos conheceram, que nada fizeram pela terra e pelo seu povo, mas foram escolhidas e nomeadas como heróis comunitários.
Nesta data, tão significante para os nascidos à sombra da velha Figueira, e para aqueles que a elegeram como o berço da sua naturalidade, buscamos valores para renovar as esperanças dos que permaneceram aqui. Certos fatos causam-nos revolta e dúvidas em relação ao futuro da cidade que foi o nosso orgulho. Daquela princesa que ocupou o terceiro lugar em Minas Gerais e que hoje não consegue passar para as novas gerações quem foram os grandes homens do seu passado; também não consegue mostrar a sua história em um Museu, que nasceu há mais de trinta anos e, desde então, é olvidado pelos edis que aqui se elegeram e ocuparam os nossos espaços.
Exceto no tempo dos “lacerdinhas”, aqueles bichinhos que tinham nossas árvores como habitat e infernizavam nossa vida, a urbe tinha as ruas floridas, que alegravam nossos dias na primavera. Hoje, pouco temos para mostrar e alegrar os nossos olhos. Nossas praças não têm flores, nossos bosques já não existem, a Mata Atlântica e as matas ciliares desapareceram com o tempo…
Breve você será uma senhora centenária e, até essa data, com certeza, alguém zelará pelos seus feitos e por seus heróis!
Maria Cinira dos Santos Netto | Patrono: Euclides da Cunha