No Dia do Estudante, promotora fala dos impactos da pandemia na educação em MG

Com a suspensão das aulas presenciais – necessidade imposta pelo isolamento social em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus -, estudantes, professores e famílias se viram diante de uma realidade antes impensada, que acentuou dificuldades e desigualdades na área da educação. 

Neste 11 de agosto, Dia do Estudante, a promotora de Justiça Daniela Yokoyama, que está à frente da Coordenadoria Estadual de Defesa da Educação (Proeduc), órgão do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) que oferece apoio às Promotorias de Justiça do estado nessa área, relata quais são os desafios enfrentados durante a pandemia. Ela também comenta quais estão sendo as iniciativas do MPMG para tentar garantir o acesso de crianças e adolescentes à Educação em todo o Estado. 

Quais são os desafios que a educação pública está enfrentando durante a pandemia?

Daniela Yokoyama – A suspensão das aulas presenciais, medida sanitária necessária no enfrentamento da pandemia de COVID-19, trouxe muitos e inéditos desafios à educação, em especial à educação básica, que trabalha com o público de crianças e jovens, pessoas em formação. As escolas de todo o país, assim como no resto do mundo, precisaram se debruçar, às pressas, sobre novas metodologias de ensino, adaptando as aulas presenciais para o formato não presencial; os professores tiveram que se reinventar, também às pressas, assim como os estudantes, que ainda precisaram se adaptar ao novo formato de ensino, contando com o apoio das famílias para o aprendizado e, em muitos casos, tentando sucesso no aprendizado solitário. Isso sem falar nas dificuldades para o uso das tecnologias, que foram incorporadas por muitas redes de ensino em uma realidade de não universalização do acesso. E, enquanto a comunidade escolar se adapta a essa realidade não presencial, chega a hora de pensar no retorno às escolas. Mesmo sem uma data exata para esse retorno, é necessário iniciar o planejamento prévio, pois muitas são as questões a serem enfrentadas pelas redes de ensino para sua viabilidade. Podemos afirmar que, mesmo com todos os esforços empreendidos, certamente o aprendizado dos estudantes será muito prejudicado nesse período.  Para além das questões pedagógicas, a educação enfrenta a preocupação com a saúde socioemocional de seus profissionais e estudantes, uma vez que todos fomos abalados – uns mais do que outros, certamente – pelo confinamento e suas intercorrências, seja no âmbito financeiro, laboral ou familiar. Esses são alguns dos desafios que se apresentam à educação nesse momento.

Quais iniciativas e esforços do MPMG podem ser destacados? 

Daniela Yokoyama 
– O MPMG, por meio de suas Promotorias de Justiça e dos órgãos de apoio, tem se voltado ao acompanhamento desse processo junto aos gestores e à comunidade, com o fim de minimizar os prejuízos educacionais aos estudantes e impedir o aprofundamento das desigualdades educacionais já existentes. Foram desenvolvidas ações, por exemplo, com vistas à garantia de alimentação aos estudantes durante a suspensão das aulas presenciais, pois muitos encontram na alimentação escolar sua principal fonte de segurança alimentar. As ações de segurança alimentar foram desenvolvidas em algumas frentes. Em um primeiro momento, trabalhamos para que houvesse orientações dos gestores para doação de alimentos previamente adquiridos pelas escolas às famílias de estudantes. Em um segundo momento, incentivamos a manutenção da aquisição de alimentos com recursos da alimentação escolar e sua distribuição às famílias dos estudantes, seguindo as regras do Programa Nacional Alimentação Escolar – PNAE, inclusive quanto à manutenção das aquisições de alimentos da agricultura familiar, exigência legal que contribui sobremaneira para a manutenção da qualidade nutricional da alimentação, além de manter o funcionamento de uma cadeia produtiva muito importante nas localidades. As estratégias de garantia da alimentação têm sido executadas em conjunto pelas áreas da educação e da criança e adolescente no MPMG. Também tem sido desenvolvido o acompanhamento das atividades escolares não presenciais pelas escolas, públicas e privadas, e suas inúmeras intercorrências e, mais recentemente, iniciamos o acompanhamento da construção das estratégias para o retorno presencial às aulas. No meio de tantas situações inusitadas, surge ainda a preocupação com o uso dos recursos públicos da educação. Além disso, procuramos fomentar a construção coletiva e ampla das soluções aos inúmeros problemas hoje enfrentados, tendo como balizas o arcabouço normativo existente – essa tem sido a orientação dada pelos órgãos de apoio às Promotorias de Justiça – incentivando o diálogo e o respeito às peculiaridades locais. Os órgãos de apoio têm produzido, ainda, para garantirmos orientações técnicas aos diversos órgãos de execução ministerial, materiais como notas jurídicas, comunicados temáticos, pareceres e minutas de peças, judiciais e extrajudiciais. Nesse sentido, à medida que a situação se descortina, um novo ato normativo é publicado ou um estudo é aprofundado a respeito de algum tema, produzimos comunicados e enviamos aos órgãos de execução, com sugestões de como proceder. Sobre as aulas não presenciais, assunto com muita diversidade pelo estado, foi  produzida nota jurídica às Promotorias de Justiça, contendo aprofundamentos sobre as normativas e sobre aspectos técnicos do tema, com sugestões de atuação e, no caso do programa adotado pela Secretaria de Estado de Educação, o REANP (regime de aulas  não presenciais), recentemente foi elaborado parecer, endereçado à Promotoria de Justiça da Educação na Capital, analisando atentamente aspectos do programa e sugerindo intervenções. Também temos feito atendimentos personalizados às Promotorias de Justiça em suas diversas demandas, muitas delas envolvendo questões específicas, mas sempre na busca de respostas que fomentem ao máximo a garantia do direito à educação.

Quais dificuldades e efeitos causados pela pandemia na educação podem ser citados neste momento?

Daniela Yokoyama
 – Podemos dizer que, assim como em outras áreas sociais, a pandemia de COVID-19 evidenciou e jogou luz em problemas educacionais já existentes no país, com os quais precisamos nos haver, já que correm sérios riscos de aprofundamento. Refiro-me a questões como a desigualdade de acesso e também às situações que desigualam a permanência dos estudantes nas escolas e, consequentemente, a conclusão dos estudos – afetando mais fortemente estudantes residentes em áreas periféricas, em situação socioeconômica vulnerável, estudantes com deficiência, do campo, indígenas, ribeirinhos, quilombolas. Nesse sentido, preveem os especialistas que a pandemia agravará de modo severo a evasão e a exclusão escolares. Cabe às gestões públicas, mas também às instituições de proteção, como o Ministério Público, trabalhar para minimizar ou reverter esse processo de exclusão. Quanto à evasão, tem sido apontada a importância de se intensificar medidas como a busca ativa, identificando e trazendo de volta o estudante que abandonou os estudos, assim como medidas pedagógicas individualizadas para os alunos mais prejudicados no período de isolamento, para garantir-lhes o aprendizado a que têm direito e fomentar sua permanência na escola. A pandemia também trouxe novos desafios, como a necessidade de inclusão digital, a incorporação de novas metodologias e suas consequências para estudantes e professores, a necessidade imperiosa de formação docente continuada para essa nova realidade, problemas que afetam, ainda que em diferentes intensidades, escolas públicas e privadas. Também nos depararemos com as dificuldades práticas do retorno às aulas presenciais, cujo planejamento, seguindo exemplos de outros países, vem sugerindo o escalonamento entre os estudantes, o retorno gradual e o sistema híbrido. Sobre esse assunto, as dificuldades abarcam decisões sobre as questões sanitárias, socioemocionais, pedagógicas e orçamentárias. Esses são alguns exemplos de dificuldades atuais para a educação, mas poderíamos elencar outros tantos, todos de difícil solução e que demandam ampla discussão social.

Como está a previsão de cumprimento da carga horária do ano letivo de 2020? Está sendo possível recuperar essa carga com as atividades remotas?

Daniela Yokoyama
 – Quanto ao cumprimento dos dias letivos e da carga horária obrigatórios, previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), houve a flexibilização, por meio de uma Medida Provisória convertida em lei, quanto ao cumprimento dos 200 dias letivos, mantendo-se, no entanto, a obrigatoriedade de cumprimento das 800 horas, exceto para a educação infantil. Isso se justifica pelo fato de que é preciso tempo para aprender, mas vai demandar das gestões de ensino estratégias eficazes para que o ano letivo de 2020 seja concluído. Os órgãos normativos da educação, como o Conselho Nacional e o Conselho Estadual de Educação, têm apontado possibilidades aos sistemas, como a extensão do ano letivo para além do ano civil, o cumprimento dos anos letivos de 2020 e 2021 de modo contínuo, a utilização de períodos destinados às férias escolares, a ampliação de turnos, dentre outras medidas possíveis de serem adotadas na reorganização dos calendários escolares. Visando minimizar esse impacto, muitas escolas privadas e muitas redes de ensino planejaram atividades escolares nesse período de suspensão presencial das aulas com o objetivo de serem computadas na carga horária obrigatória, e não apenas para ofertar material pedagógico de apoio ou de natureza complementar. Isso, certamente, aumenta o rigor quanto à qualidade dessas atividades, já que precisam ser observados requisitos normativos para que possam ser validadas como carga horária. Tal validação ocorrerá a partir do trabalho dos serviços de inspeção escolar, que atuarão dentro dos parâmetros normativos existentes, quando do retorno às aulas presenciais. Tem sido objeto de preocupação do MPMG, nesse sentido, a estruturação adequada e a elaboração, pelas redes de ensino, de diretrizes claras aos serviços de inspeção escolar para as análises das atividades desenvolvidas pelas milhares de escolas existentes no estado durante a suspensão das aulas presenciais. Sobre isso, ações foram recomendadas à Secretaria de Estado de Educação pela Promotoria de Justiça da capital.

Como lidar com os prejuízos causados pela pandemia à educação? 

Daniela Yokoyama – Sobre os prejuízos causados à educação pela pandemia teremos mais clareza com o tempo, quando será possível mensurar os impactos, positivos e negativos, a partir da análise dos dados que serão produzidos. Mas já nos é possível prever que teremos problemas ligados ao aprendizado dos estudantes, à evasão e abandono escolares, consequências negativas da interrupção do processo de alfabetização para os anos iniciais, problemas da ordem de saúde física e emocional que afetarão, certamente, o processo educacional, dentre tantos outros. Também não podemos ignorar que soluções inovadoras e medidas positivas poderão surgir nesse processo, enriquecendo a experiência educacional em muitas redes de ensino. De modo geral, lidar com os desafios do momento demandará muita responsabilidade e seriedade dos gestores, nas redes de ensino e nas escolas, que precisarão ponderar inúmeros fatores e decidir da maneira que melhor atenda sua própria realidade. Os órgãos de controle, como é o caso do Ministério Público, que são chamados a interferir nesse processo, na maioria das vezes, por acionamentos da sociedade, também precisarão intervir para que, em cada situação concreta, sejam privilegiadas as decisões possíveis que sejam menos discriminatórias e menos excludentes, para minimizar prejuízos. 

A pandemia colocou em discussão quais aspectos da educação?

Daniela Yokoyama – De um modo geral, a pandemia nos colocou em contato com questões relevantes em relação às quais temos a chance de aprofundar a reflexão. Nesse contexto, vejo a importância da educação para o desenvolvimento de uma nação, assim como a importância da instituição escolar e dos professores no processo de formação dos estudantes, nossos futuros cidadãos. Precisamos pensar sobre isso e sobre o que é preciso fazer para garantirmos uma educação de qualidade para todos. A forma como um país lida com a educação de seu povo diz muito sobre como caminha em direção ao futuro. 

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