Estado tem um dos mais altos índices de contaminação do país, com crescimento acelerado dos casos. Receio é que os milhares de candidatos aglomerados para as provas acabem resultando no agravamento da pandemia
O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), ajuizou ação civil pública contra a União e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para o adiamento das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no estado de Minas Gerais. Protocolizada nesta quinta-feira, a ação foi distribuída à 16ª Vara Federal de Belo Horizonte. Previstas para 17 e 24 de janeiro, as provas serão realizadas num momento de agravamento das condições sanitárias impostas pela pandemia da Covid-19.
O MPF pede o adiamento das provas até que haja condições adequadas para sua realização, a serem atestadas por órgão técnico, ou então, pelo menos que o Enem seja remarcado para os próximos meses, ressalvando-se, porém, a hipótese de novo adiamento em caso de continuidade da calamidade sanitária.
Nos últimos dias, a PRDC recebeu inúmeras representações de estudantes e de seus pais ou representantes legais pedindo a interferência do MPF junto ao Ministério da Educação e ao Inep para o adiamento das datas das provas.
Os representantes manifestaram insegurança quanto à realização do exame em meio à chamada “segunda onda” de contaminações que vem assolando o Brasil e o estado de Minas Gerais nas últimas semanas, e apontaram a ausência de um plano concreto para execução de protocolos de segurança a serem adotados nos dias das provas.
Alerta vermelho
Na última segunda-feira (11), passou a vigorar em Belo Horizonte o Decreto Municipal 17.523, que, seguindo recomendação do Comitê de Enfrentamento da Epidemia da Covid-19, formado por especialistas em Infectologia, determinou o fechamento de serviços não essenciais, em resposta ao agravamento da situação da pandemia no município.
“De fato, a taxa de ocupação dos leitos de UTI para pacientes com covid-19 tem batido recordes consecutivos em Belo Horizonte, alcançando, no dia 12/01/2021, o índice de 86,2%, conforme Boletim Epidemiológico divulgado pela prefeitura, nível que configura ‘alerta vermelho’, segundo os parâmetros estabelecidos pela municipalidade. Para efeito de comparação, o percentual de uso na terapia intensiva era de 44% no início de dezembro”, relata o MPF.
Assim como na capital, todo o estado de Minas Gerais passa por um momento de expansão das contaminações e infecções e, por conseguinte, de agravamento da pandemia.
Em 22 de dezembro de 2020, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG) indicou, em nota técnica, a interrupção das cirurgias eletivas não essenciais em hospitais, clínicas e locais da rede pública estadual e da rede privada contratada ou conveniada com o Sistema Único de Saúde (SUS) das macrorregiões de saúde Centro, Jequitinhonha, Leste, Leste do Sul, Nordeste e Sudeste, de forma a garantir o atendimento de pacientes com covid-19.
Boletim Epidemiológico publicado nessa quinta-feira (14) aponta que 13.028 pessoas já morreram de covid-19 em Minas Gerais, 134 delas apenas nas últimas 24 horas, representando aumento de 4,4% no número de óbitos nos últimos sete dias.
Foram confirmados, também nas últimas 24 horas, 8.694 novos casos da doença, aumento de 6,5% nos casos confirmados em relação à semana anterior. Segundo o próprio governador, em entrevista a meios de comunicação, atualmente a taxa de ocupação hospitalar é “muito maior do que aquela que tivemos no primeiro pico da pandemia”.
Dez regiões do estado estão na chamada onda vermelha, quando somente os serviços essenciais estão autorizados a funcionar. A macrorregião Norte-Noroeste está na onda amarela e apenas a macrorregião Triângulo Sul permanece na onda verde.
“O que se percebe é que, enquanto os Poderes Executivos estadual e municipal têm adotado medidas restritivas visando ao enfrentamento do agravamento da situação da pandemia em Minas Gerais, a realização de um processo seletivo que vai reunir milhares de pessoas em ambientes fechados vai em sentido contrário a todos os esforços empreendidos”, diz o procurador da República Helder Magno da Silva.
Segundo ele, embora não tenham sido encontradas informações oficiais acerca do número de inscritos no Enem em Minas Gerais, “se levarmos em conta os exames anteriores, em que aproximadamente 10% de todos os candidatos eram mineiros, teremos aproximadamente 600 mil pessoas aglomerando-se em diversos locais para fazerem as provas, o que é inconcebível nesse atual momento”.
Medidas insuficientes
Especialistas apontam os problemas relacionados à aglomeração de pessoas na entrada dos locais de prova e no tempo de permanência nas salas de aulas (cerca de 5h30min).
Segundo ferramenta desenvolvida por José Luis Jiménez, especialista em química e dinâmica de partículas no ar da Universidade do Colorado (EUA), numa simulação em ambiente fechado com seis pessoas, mesmo se todas usarem máscaras, ainda há o risco de quatro de infecções, caso a exposição seja prolongada.
De acordo com o MPF, as medidas até agora apresentadas pelo Inep mostram-se insuficientes para impedir a propagação dos casos durante a aplicação do exame.
“Veja-se, portanto, o risco a que estarão expostos tanto os candidatos quanto os colaboradores (aplicadores, fiscais de sala, etc..) e, indiretamente, suas famílias e a sociedade brasileira como um todo, ainda mais em um momento de crescimento exponencial dos casos. A realização do Enem nas atuais condições representa verdadeiro perigo à saúde pública e à incolumidade física dos envolvidos”, adverte o procurador da República.
Segundo a ação, “além de representar maior circulação do vírus pelas cidades e a exposição dos estudantes ao risco de infecção, a insistência na aplicação das provas em janeiro é uma medida ilícita, pois coloca os estudantes e suas famílias em risco aumentado e contribui para a sobrecarga e o colapso do já insuficiente sistema de saúde”, não se devendo cogitar outra medida que não seja o adiamento das provas presenciais, “medida de inegável humanidade, fundamental para garantir, também, o acesso igualitário ao ensino superior”.
Isso porque, lembra o MPF, “o intento do Ministério da Educação e do Inep acaba por tolher o pleno acesso dos examinandos ao ensino superior, tendo em vista que muitos irão se privar de participar do Enem, por receio de se contaminar e contaminar suas famílias”.