WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – No final do século 19, quando EUA e México definiram a fronteira atual, a linha entre eles não tinha barreiras –só pequenos obeliscos como marcos a sinalizar a divisão dos países. A ideia de colocar uma grade veio em 1909, não para conter pessoas, mas o fluxo de gado, de forma a evitar que eles levassem doenças de um lado a outro.
A história das construções na fronteira –e dela em si– é detalhada na exposição “The Wall/El Muro: What is a Border Wall?”, aberta em novembro no National Building Museum de Washington, espaço dedicado a debater arquitetura.
Ao longo do século 20, aponta a mostra, o controle de fronteiras foi crescendo e se tornando uma estrutura que não se resume à fronteira, mas se espalha pelo interior dos EUA: há barreiras em aeroportos dentro do país e equipes que atuam na busca de imigrantes irregulares que vivem nas cidades, bem como centros de detenção dedicados a eles.
O principal símbolo da política de imigração, no entanto, acabou sendo o muro na fronteira, colocado como meta da campanha e do governo de Donald Trump. O ex-presidente expandiu e reformou pouco mais de 700 km de barreiras, em uma divisa de 3.142 km de extensão, mas deixou a obra incompleta.
Vários trechos ficaram sem conexão, como monumentos no deserto. Ao tomar posse sucedendo Trump, em janeiro, o democrata Joe Biden suspendeu a construção do muro.
A exposição mostra uma linha do tempo da fronteira, com fotos e textos afixados em uma representação da barreira atual, em tamanho real. Traz também maquetes dos modelos de grades e muros adotados ao longo do tempo, além de relatos em áudio de adolescentes que a atravessaram de modo irregular.
Ali também foi colocada uma réplica em tamanho real da instalação do estúdio Rael San Fratello, que montou balanços improvisados nas fendas de um trecho da divisa, para que crianças dos dois lados pudessem brincar juntas, mesmo que separadas. A ação, questionamento à existência da barreira, recebu o prêmio de Design of the Year, em 2020, pelo London Design Museum.
“Fronteiras são inventadas, são lugares imaginários, que mudam com o tempo. O que acontece na fronteira importa, e é para isso que museus deveriam servir: liderar esse tipo de conversa”, diz Sarah Leavitt, curadora da mostra.
O museu pretende realizar uma programação interativa sobre o tema, ao longo de um ano, para discutir questões como o impacto da barreira no meio ambiente e nas comunidades próximas e a ética no trabalho de desenhar estruturas pensadas para garantir a exclusão. “A ideia da exposição é abrir a conversa e oferecer mais contexto, mas não a de fazer um debate polarizado. As questões não são de sim ou não nem de bom ou mau. É tudo muito mais complexo”, avalia a curadora.
“A fronteira é um tipo de lugar no qual os americanos colocam muito de seus medos sobre a imigração. Mas há muitos mal-entendidos. A maioria das pessoas nos EUA não tem uma boa compreensão do que é nosso controle de divisa e como nossa fronteira física se parece.”
Leavitt começou a trabalhar na mostra antes da pandemia: teve a ideia cinco anos atrás e foi reunindo informações aos poucos. No período, viajou três vezes para a região da fronteira e visitou cidades dos quatro estados por onde ela passa (Texas, Novo México, Arizona e Califórnia).
A exposição também aborda a integração econômica no local. Desde o fim do século 19, houve grande fluxo de mexicanos que se dirigiam aos EUA trabalhar em plantações, de forma sazonal, e depois voltavam para o país natal.
A integração agrícola depois evoluiu para parcerias industriais, que ganharam força nos anos 1960, nas quais empresas americanas instalam fábricas do lado sul da barreira, para aproveitarem os baixos salários e isenções tributárias, e depois exportarem facilmente os produtos para os EUA.
Leavitt avalia que, apesar de a tecnologia integrar cada vez mais as pessoas pelo mundo, as barreiras físicas devem seguir ganhando força. “Não vejo as fronteiras internacionais se tornando obsoletas ou algo assim, mas sim se tornando mais fortes e mais opacas, e mais difíceis de cruzar, em sentido contrário ao aumento da conectividade.