Esse artigo traz um caso especial: eu me propus a falar de uma das mulheres que mudaram a história para sempre, mas me vi falando de outra (ou das duas, na verdade).
Explico.
Este mês, com o May 4th e o Dia da Toalha, acabei falando muito da temática Ficção Cientifica. Então, pensei que podia usar esse último domingo de maio falando da mãe desse gênero: Mary Shelley.
Sim, pouca gente sabe (mesmo porque muita gente parece querer ignorar o fato) que o gênero de ficção científica como o identificamos hoje em dia teve origem pelas mãos de uma mulher. Mary Shelley foi uma escritora inglesa do século 19 e é uma mulher admirável por uma miríade de razões, sendo a mais famosa (e a mais relevante para esse pequeno artigo, porque, se eu fosse escrever todas, precisaria de um livro inteiro) o fato de ela ser a autora de “Frankenstein: or the Modern Prometheus”.
E, sim, eu sei: a primeira imagem que vem à cabeça quando alguém diz o nome Frankenstein é Boris Karloff em sua maquiagem de monstro no filme de 1931; isso é tão forte que as pessoas se esquecem que Frankenstein era o cientista (Victor Frankenstein) e não o monstro, que nunca recebe um nome. Mas, sinceramente, eu ainda estou para ver uma adaptação cinematográfica que faça jus ao brilhante épico escrito por Mary Shelley (e vou dizer que não foram poucos os filmes que vi em que eles usam a figura do “Monstro de Frankenstein”).
O livro foi lançado em 1818 (quando a autora tinha apenas 21 anos) e, como todo bom sy-fy, é um tratado sobre a condição humana. É verdade que a obra é profundamente ligada ao gênero de terror, tem fortes tons de romantismo gótico (o que, levando em conta a época, seria impossível não ter) e notáveis paralelos com Paraíso Perdido (de John Milton) que as pessoas adoram apontar. Mas, apesar disso, os elementos que viriam a ser típicos da ficção científica já se fazem claramente presentes: o cientista louco, o ser artificialmente criado (que mais tarde seria mais comum na figura do androide/robô), os questionamentos sobre os limites éticos da ciência… E isso tudo sem nenhum elemento de fantasia, só “ciência” (ciência fictícia, mas ainda assim só ciência, além do mais é dai que vem o nome). Inclusive, uma das coisas que mantêm o livro ainda atual é que, ao contrário dos filmes, no livro o doutor Victor Frankenstein nunca conta realmente qual o processo usado para dar vida à criatura, sob a explicação de que não o faria para que ninguém tentasse recriar a sua experiência e com ela o mal que surgiria. Mas isso também funciona para que o leitor preencha com sua própria criatividade o processo, mantendo um ar de mistério.
Não precisa dizer que eu sou fã do livro. Então fiquei curioso quando soube que haviam feito um filme sobre a vida de Mery Shelley.
Mas quando finalmente consegui vê-lo, achei meio decepcionante. Ao invés de fazerem um filme que contasse a história da vida dela, ele foca somente no romance entre Mary e Percy Shelley (seu marido na vida real). E tudo me parece “romantizado” demais, os personagens não parecem as pessoas reais que foram, mas só os estereótipos de um romance de época qualquer (e nem um dos melhores). O filme tanto foca só no romance que termina quando ela lança o Frankstein (ponto que na vida real marca o início de sua bem-sucedida carreira como autora). E eu acho criminoso reduzir uma mulher que mudou a história da literatura, a história da arte e, consequentemente, a história como um todo, a um estereótipo qualquer de heroína de romance de época, reduzi-la a essa única faceta que foi o fato de ela ter uma “história de amor” com Percy Shelley.
Eu estava conversando disso com uma amiga minha (outra mulher maravilhosa e admirável em seu próprio mérito) e ela, ao concordar comigo no assunto, ainda adicionou que um exemplo muito melhor de como um filme/biografia deve ser feito era o “Radioactive”, que conta a história de Marie Curie.
Antes de continuar só quero ressaltar que o nome dessa minha amiga é Marina, ou seja: Mary, Marie e Marina… Não sei porque, mas a coincidência da aliteração me chamou a atenção. Mas eu divago.
Mediante essa indicação, fui procurar o filme sobre Marie Curie. Afinal, eu sempre tive grande admiração por essa grande mente científica: primeira mulher a receber um prêmio Nobel e a primeira pessoa na história a receber dois deles (um de física e um de química), primeira mulher professora na Universidade de Paris, descobriu dois elementos químicos (rádio e polônio), e a lista de feitos continua.
E, felizmente, o filme da vida dela (ao contrário do sobre Mary Shelley) foca nesse legado. “Radioctive” mostra Marie Curie como uma pessoa com defeitos e qualidades, uma mente brilhante, mas não imune a erros, fragilidades e medos. O foco do filme é tanto a obra de Curie que mostra os desdobramentos de suas descobertas tanto para o bem, com os vários tratamentos médicos que surgiriam deles, quanto para o mal, como a bomba atômica. É claro que a relação com Pierre Curie é abordada e a importância que ele teve em sua vida. Afinal, eles não só foram casados como parceiros nas pesquisas, porém, apesar disso, ele não é o foco.
Em resumo, “Radioactive”, o filme sobre Marie Curie, é, na minha opinião, bem melhor que “Mary Shelley”. Ambos estão na Netflix, no momento em que escrevo essas linhas, para quem tiver curiosidade.
Mas tenho que admitir que, mesmo assim, essa não seria a recomendação que eu faria. Apesar de na prática ter falado mais sobre cinema do que qualquer coisa, acho que a melhor obra de que trato nesse texto é o “Frankenstein: or the Modern Prometheus”, o livro. Ele realmente é algo brilhante e que tem uma profunda discussão sobre o que é ser humano. Se você se considera um fã de ficção científica você deveria checá-lo ao mínimo para saber onde surgiu o gênero; se sy-fy não é sua área, você ainda deveria ler pelo menos para entender o porque essa obra é tão importante para a literatura como um todo.
Aproveitando que você estará com o Google aberto, procure sobre Mary Shelley e Marie Curie, afinal (apesar de via de regra a sociedade querer ignorar o fato), nunca faz mal saber o quanto a arte, ciência e história/mundo em geral foi e é feito, refeito e carregado por mulheres brilhantes.
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