O governo Jair Bolsonaro (PL) nomeou nesta terça-feira (8) a irmã do ministro da Economia, Paulo Guedes, para o CNE (Conselho Nacional de Educação). A empresária Elizabeth Guedes, que atua pelos interesses do ensino superior privado, foi escolhida para integrar o órgão que tem entre suas atribuições a aprovação de novos cursos.
O PT não descarta, no entanto, revogar a lista. O CNE é um órgão de Estado de assessoramento do MEC (Ministério da Educação). Cabe ao ministro da Educação nomear os membros a partir de uma lista de indicações de várias instituições —o colegiado é dividido em duas câmaras, a de educação básica e a de educação superior.
A nomeação de nove novos membros, de um total de 24, foi publicada no Diário Oficial nesta terça. O mandato no CNE é de quatro anos.
O ato não foi bem recebido pela equipe do governo eleito. O ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT) disse que avalia revogar a lista.
“As pessoas ficaram surpresas com alguns dos conselheiros nomeados”, disse Haddad. “O grupo [de transição] vai analisar e eventualmente fazer uma recomendação no relatório de transição para equilibrar a composição do conselho”, disse.
Há precedentes sobre a iniciativa, como o próprio Haddad afirmou. Em 2016, quando Michel Temer (MDB) assumiu o país depois do impeachment de Dilma Rousseff (PT), o MEC também revogou parte de uma lista de indicações que havia sido definida nos dias finais do governo petista.
Beth Guedes, como é conhecida, é presidente da Anup (Associação Nacional das Universidades Particulares), umas das entidades que atuam a favor do setor em questões de regulação junto ao governo. Ela representa na Anup a Fameg (Faculdade de Medicina de Garanhuns), instituição que integra a Afya, gigante do setor de cursos de medicina idealizada por Paulo Guedes antes de assumir o cargo no governo Bolsonaro.
A abertura de cursos de medicina é um dos temas de maior disputa no setor —hoje há limitações de regulação para a expansão do segmento. Nos bastidores, educadores temem que a atuação dela possa favorecer interesses particulares.
A irmã de Paulo Guedes foi uma das vozes mais ativas quando, em 2015, o governo deu um cavalo de pau na oferta do Fies (Financiamento Estudantil). Até o ano anterior, o programa passou por um descontrole de gastos, o que favoreceu as empresas privadas. O Fies passa por forte enxugamento desde aquele ano.
Na época, ela era diretora de uma instituição chamada Abraes (Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Educação Superior). O coletivo representava os grandes grupos com capital aberto, que também fazem parte da Anup.
A presença de lobistas, acionistas e representantes do mercado privado não é estranha ao CNE. Fazem parte do órgão, por exemplo, Aristides Cimadon, reitor da Universidade do Oeste de Santa Catarina, e já passaram por lá integrantes de grandes grupos, como Antônio Carbonari, fundador da Anhanguera.
A composição do CNE foi revestida de disputas ideológicas e de interesses durante o governo Bolsonaro. O primeiro ministro da Educação de Bolsonaro, Ricardo Vélez Rodríguez, chegou a planejar o fim do conselho por um entendimento de que era um coletivo de esquerda, interpretação disseminada por seguidores do escritor Olavo de Carvalho sem qualquer respaldo na realidade.
Tiago Tondinelli, ex-assessor do MEC e olavista, já faz parte da câmara de educação básica. A diretora do sistema Batista de Educação, Valseni Braga, já compõe o CNE por indicação de Bolsonaro.
Também foi conduzida ao órgão nesta terça a educadora Ilona Becskehazy, ex-secretária de educação básica durante a gestão do ex-ministro Abraham Weintraub. Nas redes sociais, ela expressa forte apoio a Bolsonaro, inclusive com publicações que endossam os atos antidemocráticos realizados após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Becskehazy foi incluída na lista de indicações prévias somente numa segunda versão. O mesmo ocorreu com Marcia Sebastiani, educadora e consultora, que não constava em uma primeira lista prévia, que fora cancelada pelo MEC, mas apareceu no segundo documento e finalmente foi nomeada.
Passam a integrar o órgão o presidente da ANEC (Associação Nacional de Educação Católica), Paulo Fossati, a reitora da Universidade do Extremo Sul Catarinense, Luciane Ceretta, e a secretária de Educação de Roraima, Leila Perussolo.
Também foi nomeado o advogado André Guilherme Lemos Jorge, com ligações com a Uninove e próximo de integrantes do governo Bolsonaro.
O atual secretário de Educação Básica do MEC, Mauro Luiz Rabelo, também foi designado nesta terça. Ele já integra o CNE como membro nato por causa do cargo, mas agora fica garantida sua permanência nos próximos anos.
O ex-secretário-executivo do MEC Henrique Sartori (gestão Michel Temer) é outro nomeado. Na mesma gestão ele respondeu pela subpasta de regulação do ensino superior. PAULO SALDAÑA E ISABELA PALHARES/FOLHAPRESS