A Justiça suíça autorizou o envio de informações bancárias ao Brasil para compor investigação que apura supostos repasses para campanhas do PSDB e do senador José Serra por meio de instituições financeiras locais. A decisão final, tornada pública na manhã de ontem, ocorre após os suíços rejeitarem um recurso que pedia a suspensão da cooperação entre as procuradorias dos dois países.
No pedido, os procuradores brasileiros solicitavam todas as movimentações bancárias envolvendo as offshores entre 2006 e 2017. Em agosto de 2017, o MP suíço aceitou o pedido e ainda bloqueou os recursos. Cinco meses depois, em 5 de janeiro de 2018, a Justiça de Berna autorizou o envio de dados das contas ao Brasil.
Uma das empresas offshore supostamente usadas no esquema é a Circle Technical Company Inc, de Amaro Ramos, considerado operador do PSDB. Mas, um mês depois, os advogados da empresa e de Amaro entraram com um recurso para tentar impedir a transmissão dos dados. No dia 5 de setembro de 2018, os advogados argumentaram aos juízes suíços que a cooperação não poderia continuar já que, em 28 de agosto 2018, o STF reconhecia a “extinção da punibilidade” de Serra e de outros implicados.
Aos suíços, os advogados de Amaro entregaram um comunicado de imprensa do STF em que constava que “por unanimidade, a Segunda Turma do STF determinou a remessa à Justiça Eleitoral de São Paulo dos autos do inquérito 4428, em que o senador José Serra (PSDB-SP), o ex-deputado federal Ronaldo César Coelho (PSDB-RJ) e o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza são investigados pelo suposto recebimento de recursos para financiamento de campanhas eleitorais com recursos advindos de contratos para a construção do Rodoanel, em São Paulo”.
“Por maioria, a Segunda Turma decidiu ainda reconhecer a extinção da punibilidade de Serra e Coelho em relação aos fatos supostamente ocorridos antes de agosto de 2010”, indicava o STF no documento entregue aos juízes em Bellinzona.
Os suíços, porém, rejeitaram o argumento dos advogados. De acordo com o Tribunal europeu, o acordo entre Brasil e Suíça “não prevê a prescrição como uma base para impedir uma cooperação”. “Por essa razão, a queixa poderia ser rejeitada sem nova avaliação”, apontou.
Além disso, os juízes indicaram que, assim que receberam tal argumento, pediram uma explicação urgente por parte das autoridades brasileiras e a resposta apontou que a limitação ocorria pelo fato de Serra ter mais de 70 anos. “Mas nada é dito sobre o restante da investigação”, alertam os juízes suíços, que deixaram claro a potencial importância dos documentos para desvendar eventuais crimes cometidos por outros suspeitos. De acordo com eles, os brasileiros não indicaram que querem abandonar o caso.
Defesas
Em nota, o PSDB afirmou que desconhece quaisquer valores originados da Odebrecht e repassados às empresas citadas. “Todos os recursos recebidos pelo PSDB de São Paulo foram oriundos de doações legais, depositados em contas oficiais, e a prestação de contas feita de maneira regular e rigorosa à Justiça Eleitoral”.
O senador José Serra também negou qualquer tipo de irregularidade. “Todas as campanhas de José Serra sempre foram realizadas com rigor técnico para demonstrar aos eleitores as melhores propostas ao Brasil. E as contas, sempre aprovadas pela Justiça Eleitoral, ficaram a cargo do partido”, afirmou a assessoria do tucano, também por meio de nota.
O advogado Eduardo Carnelós, defensor do empresário José Amaro Pinto Ramos, não retornou o contato feito pela reportagem e os demais citados não foram encontrados.
Depósitos
Ao tentar derrubar o envio de dados, os advogados da offshore indicaram que existem “sérias inconsistências” na cronologia dos fatos. “Os pagamentos feitos entre junho de 2006 e outubro de 2007 não poderiam constituir vantagens indevidas resultantes de crime de corrupção”, alegaram.
“Os ex-diretores da Odebrecht confirmaram a existência de pedidos de pagamentos por políticos em relação ao financiamento das campanhas eleitorais de 2009 e 2010, pedidos atendidos entre 2008 e 2010. Portanto, depois de 2006 e 2007”, insistem.
“Na ausência de uma relação entre a oferta ou promessa de vantagens e o serviço, é impossível considerar os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, sob a lei suíça”, alegaram. Uma vez mais, os juízes derrubaram o argumento, indicando que “não se pode esperar” que o país que pede a cooperação tenha uma solicitação isenta de falhas.
Para o tribunal suíço, a cooperação serve “justamente para esclarecer pontos obscuros relacionados a casos no exterior”. Na avaliação da corte, o Brasil não precisa “provar” a ofensa, mas dar as bases suficientes das circunstâncias das suspeitas.
De acordo com o tribunal, as suspeitas vêm da análise de computadores e servidores que continham “e-mails, tabelas, justificação de pagamentos” e outros dados mantidos pela Odebrecht para subornar políticos. Teria sido, segundo a decisão dos juízes, a análise desse material que levou os investigadores a concluir que houve um pagamento total de R$ 10,8 milhões da construtora em 2006, 2007 e 2009 para contas que beneficiariam o candidato do PSDB.
Apenas em uma das contas, a empresa Circle recebeu 11 depósitos, em 2006, totalizando R$ 2,1 milhões. Cada parcela variava de R$ 145 mil a R$ 245 mil e todas foram realizadas entre junho e dezembro daquele ano.
A mesma offshore ainda recebeu em 2007 mais R$ 2,4 milhões. Os pagamentos ocorreram em 12 parcelas, cada uma no valor de R$ 200 mil. Uma segunda empresa ainda recebeu, entre 2006 e 2009, outros R$ 6,2 milhões. O dinheiro seria para apoiar “campanhas eleitorais”, incluindo presidenciais.
Os juízes ainda defenderam a troca de informações com o Brasil. “É precisamente para melhor entender a relação entre a Odebrecht e membros do PSDB que os investigadores brasileiros precisam da documentação do banco sob litígio”, defendeu o tribunal. Segundo a corte, o pedido de cooperação “satisfaz todas as exigências formais” e o recurso, portanto, “precisa ser rejeitado”. “A utilidade potencial da documentação bancária é obvia, independente se o status de limitação foi imposto (no Brasil), já que as investigações tentam reconstruir todas as ofensas supostamente cometidas por outras pessoas, assim como pelos implicados”, completou.
por Jamil Chade, correspondente da Agência Estado