Dedicado ao luto e às lembranças de quem já morreu, o Dia de Finados deste ano será movimentado por outros motivos para os amigos de Lara Rode, 10, que vai comemorar seus 11 anos com bolo, refrigerante e uma playlist autoral. Embora caia numa quarta-feira, o feriado era a única data disponível no bufê escolhido.
A flexibilização de restrições sanitárias foi a deixa para que as pessoas voltassem a fazer festas -as novas e as represadas em 2020 e 2021. A retomada tem sido afetada por muita demanda, pouca mão de obra, datas escassas e a guerra da Ucrânia, que fez disparar o preço do gás hélio, utilizado nas bexigas para brindes e decorações.
No caso de Lara, a ideia era comemorar o aniversário num sábado, com a presença dos avós, que moram longe, mas as opções próximas do dia do nascimento, 28 de outubro, estavam esgotadas.
“Algumas pessoas falavam ‘que horror’ quando viam a data no convite. Mas, quando expliquei à Lara que era uma data relacionada aos mortos, ela só perguntou ‘mãe, posso fazer com a decoração do ‘Viva’?'”, diz a mãe, Renata Rode, 46, explicando a referência à animação de 2017 “Viva – A Vida É uma Festa”, da Disney-Pixar, que retrata o Dia dos Mortos no México.
As datas para serviços e atrações também estão concorridas. João Hiro, 2, nasceu em 2020 e não havia sido festejado nem conhecia parte da família até junho deste ano. Sua mãe, Milena Goya, 38, concorreu com a alta temporada de festas juninas para contratar brinquedos e bufê para a primeira festa de aniversário do filho.
Enquanto Milena celebrou em casa para evitar restrições de horário, a advogada carioca Patrícia Azevedo, 36, comemorou o segundo aniversário dos gêmeos Lucas e Maria Luísa Azevedo em um bufê após uma busca intensa quatro meses antes. Os primeiros parabéns, no entanto, foram cantados em casa, em 2021, já que as festas de 2020 ocuparam a maior parte das datas.
Para o segundo aniversário, em 2022, a conquista de uma data no bufê só foi possível ao encaixar a festa numa segunda-feira, por R$ 15 mil. “Mas não sou a pessoa que vai falar que os salões estão metendo a mão, está tudo caro e nem sei como as casas de festa estão se mantendo”, diz a advogada.
Com o espaço garantido, a professora universitária Ana Cristina Tesserolli, 51, tem acompanhado em planilhas os preços da festa de 15 anos da filha, marcada para outubro em um clube no Rio de Janeiro. O pacote com cem convites comprado em março por R$ 200 foi perdido em um roubo de carga. “Quando fui mandar refazer em outro lugar, em agosto, paguei R$ 570 no convite.” Já a cabine de fotos do tipo 360º, sensação recente em festas, custava R$ 650 em 2020 e agora foi contratada por R$ 1.000.
Para fornecedores, os preços aumentaram até por causa de um conflito distante das casas de festa. Em busca de alternativas às portas fechadas pela pandemia, as lojas de balões de festa investiram na venda pela internet para celebrações em casa. A esperança com o nicho e a retomada de atividades, porém, deram lugar a uma outra crise. A guerra da Ucrânia fez disparar o preço do gás hélio, importado de países como Estados Unidos e Argélia.
“Pagávamos em março R$ 290 e, cinco meses depois, chegamos a pagar R$ 600. Em algumas cidades, como Belém e Manaus, falaram de R$ 900 pelo metro cúbico. A gente tentava de alguma forma, passava no cartão, pessoas fizeram empréstimo no banco e outras deixaram de trabalhar com gás hélio porque não sustentaram essa mudança rápida”, diz Bruna Garcia, proprietária da Balolândia.
Marcelo Golfieri, 51, CEO da rede Cata-vento –onde será a festa no Dia de Finados de Lara– diz que a unidade no Ipiranga, na zona sul paulistana, já não tem datas disponíveis aos fins de semana de 2022. “Sessenta por cento das pessoas que nos procuram hoje já não conseguem fechar mais evento neste ano.”
O setor viu a demanda saltar por causa do fechamento de estabelecimentos e da flexibilização das restrições. Golfieri afirma que o número de festas realizadas por semana passou de 5 para 11. Somado a isso, há a demanda reprimida de todas as festas que não foram realizadas nos últimos dois anos.
Para Lucas Barros, que trabalha com aluguel de fliperamas e brinquedos, como cama elástica, touro mecânico e futebol de sabão, a alta demanda triplicou o faturamento em comparação com 2019. Antes da pandemia, a sua empresa, MC Diversões, trabalhava com uma média de 40 a 60 eventos por mês. Durante as restrições mais severas, cobrava o preço de uma diária durante uma semana para fechar contas.
“Em março deste ano foi quando começou a pegar fogo mesmo e não parou. Estamos fazendo de 80 a 100 eventos por mês. Algumas vezes tenho que recusar”, diz Barros, que chega a fazer 20 eventos em um fim de semana.
Ambos dizem que a alta demanda dos últimos meses garante o faturamento pelo volume de eventos e permite represar os reajustes necessários nos preços, como o de combustíveis para o frete. Eles apontam, porém, um problema da mão de obra.
“É absurdo, porque a gente tinha equipes formadas antes da pandemia e com os dois anos sem operação do bufê, isso se dissolveu. As pessoas precisaram buscar alternativas. Agora, além de não termos equipe, a demanda voltou alta”, afirma Golfieri, que desenvolveu programas na Cata-vento para contratar e treinar os temporários de acordo com a necessidade.
Apesar do reaquecimento no mercado de festas, Roseanny Lima, 47, gerente de vendas da Balão Cultura, loja que faz decorações com balões, avalia que as festas remarcadas ocupam parte relevante das agendas e indicam uma recuperação complexa.
“Vários clientes nossos informavam que tinham festas marcadas e que concordaram em remarcar para depois da pandemia, com bufês já fechados e que cedem horário para festas pagas há dois anos.”
A gerente diz que festas menores ou feitas em casa com a entrega de comida, bebida e decoração, mudaram os padrões de consumo no setor. LUCAS LACERDA/FOLHAPRESS