Pesquisadores da Universidade de Washington, nos EUA, desenvolveram uma ferramenta de Inteligência Artificial (IA) para celulares e caixas de som inteligentes que é capaz de reconhecer uma parada cardíaca e acionar o resgate.
A nova ferramenta, ainda em fase de testes, é capaz de “ouvir” a respiração ofegante –conhecida como respiração agonal –a uma distância de até seis metros em 97% dos casos, segundo a descrição em estudo publicado na revista científica NPJ Digital Medicine.
Quem apresenta a respiração agonal imediatamente antes de sofrer uma parada costuma ter maiores chances de sobreviver em caso de socorro imediato. Essa condição é comum em pelo menos 50% dos casos de paradas cardíacas nos EUA, segundo o sistema de emergências médicas estadunidense, 911.
De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), as doenças do coração são as principais causas de morte no mundo. Nos EUA, 300 mil pessoas morrem todos os anos de parada cardíaca súbita, fator decisivo para a equipe que busca soluções para o problema.
No Brasil, de acordo com a Socesp (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo), 720 pessoas sofrem paradas cardíacas súbitas por dia –mais de 262 mil pessoas ao ano. O diretor do Centro de Treinamento de Emergências Cardiológicas da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, Agnaldo Pispico, explica que a principal causa da morte súbita está ligada a doenças do coração. Ele aponta que entre 25% e 50% dessas mortes estão relacionadas a obstrução de artérias, evoluindo para infarto agudo do miocárdio em 80% dos casos.
O tempo é crucial nestes casos. As chances de sobreviver a uma parada cardíaca súbita caem 10% a cada minuto que a vítima aguarda por socorro. Segundo Pispico, uma pessoa socorrida por um desfibrilador tem quatro vezes mais chance de sobreviver, mas a presença desse aparelho ainda é baixa nas cidades brasileiras.
A inteligência artificial desenvolvida pelos americanos, liderados por Justin Chan, autor do projeto e doutorando da Escola de Ciência da Computação e Engenharia da Universidade de Washington, surge como uma possibilidade de aumentar a velocidade do socorro utilizando celulares e caixas de som inteligentes.
“Dada a proliferação de smart speakers e smartphones, queríamos desenvolver uma tecnologia passiva, que não requeresse contato para identificar a respiração agonal e conectar as vítimas ao suporte de RCP [Ressuscitação Cardiopulmonar] ou aos serviços médicos de emergência mais rapidamente”, explica
Chan explica que em vez de ouvir uma palavra de ativação, como a caixa de som inteligente Alexa, o dispositivo reconhece os eventos de respiração agonal. “Quando múltiplos eventos respiratórios como esse são detectados, nossa ferramenta apresenta aos usuários um aviso antes de entrar em contato com o suporte médico, como o 911, para fornecer a eles a chance de cancelar qualquer alarme falso.”
Como a Inteligência Artificial foi treinada
Os pesquisadores utilizaram ligações de socorro gravadas pelo sistema de emergências médicas de Seattle, em Washington, para coletar os sons de respiração agonal de vítimas.
Ao todo, foram 162 ligações realizadas entre 2009 e 2017. Pequenos trechos de 2,5 segundos foram extraídos de cada ligação, somando 236 clipes.
Os sons foram captados em situações nas quais os atendentes do 911 pediram para que a pessoa que entrou em contato aproximasse o telefone do paciente para determinar, a partir da respiração e quando possível, se haveria necessidade de reanimação cardiopulmonar.
Esses clipes foram reproduzidos em ambiente controlado a um, três e seis metros de distância dos aparelhos de gravação. Foram utilizados no teste a caixa de som inteligente Amazon Alexa e os smartphones Iphone 5S e Samsung Galaxy S4. Às novas gravações foram aplicadas técnicas de machine learning (aprendizado de máquina) utilizando os sons captados e outros sons de respiração de pessoas dormindo, captados em estudos do sono e cedidos aos pesquisadores.
O objetivo era ensinar a inteligência artificial a reconhecer alarmes falsos e também o padrão de respiração comum de pessoas saudáveis e de pessoas com transtornos do sono para não os confundir com respiração agonal observada em casos de parada cardíaca.
Com a publicação do artigo, a equipe responsável pela ferramenta pretende colocá-la em ação. Chan conta que a tecnologia está licenciada para ser usada por uma startup de saúde e tecnologia, a Sound Life Sciences, que tem entre seus fundadores Shyam Gollakota, professor associado da Universidade de Washington e coautor do projeto.
por MATHEUS MOREIRA FOLHAPRESS