Estagnação da terceira via entre eleitores contrasta com euforia dos partidos

Forças políticas já lançaram pelo menos dez pré-candidatos para a chamada terceira via na eleição presidencial de 2022, mas os resultados da mais recente pesquisa do Datafolha mostram que quase nenhum dos nomes passa pela cabeça dos eleitores.

O levantamento, que confirmou Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (sem partido) à frente nas intenções de voto, expôs a dificuldade dos presidenciáveis que tentam romper a polarização entre os dois. Por outro lado, há também dados que animam os esperançosos de uma alternativa.

O único nome citado espontaneamente que obteve percentual significativo foi Ciro Gomes (PDT), que alcança 2% –enquanto Lula chega a 26% e Bolsonaro, a 19%.

João Doria (PSDB), Eduardo Leite (PSDB) e Luiz Henrique Mandetta (DEM), que foram testados em cenários estimulados pelo Datafolha, não pontuam na pesquisa em que eleitores são questionados diretamente em quem votariam, sem sugestão de nomes.

Uma fatia de 2% deu outras respostas. As menções incluem desde aspirantes que desistiram da corrida, como o apresentador Luciano Huck (sem partido) e o empresário João Amoêdo (Novo), até afirmações genéricas, como “sempre o PT” e “no mesmo que está”.

Dentro do recorte dos 2% também surgiram declarações esparsas de voto no ex-juiz Sergio Moro e no apresentador Danilo Gentili, ambos sem filiação partidária e sem movimentações concretas por candidatura – embora estejam sendo incentivados a isso e não descartem a hipótese.

“Datena” foi outra resposta registrada, em referência ao apresentador José Luiz Datena, que o PSL quer lançar ao Planalto. Quando a pesquisa foi feita, nos dias 7 e 8 de julho, o comunicador tinha acabado de assinar a filiação e ainda não havia anunciado a possibilidade de concorrer.

Isolados na dianteira das pesquisas, Lula e Bolsonaro desdenharam nos últimos dias da chance do surgimento de um candidato que possa derrotá-los.

O petista disse que “terceira via é uma invenção dos partidos que não têm candidato”, enquanto o atual presidente afirmou que “não vai dar certo” porque “o povo não engole isso aí”: “Existe uma passagem bíblica que diz: seja quente ou seja frio, não seja morno”.

Dirigentes partidários, analistas e outros operadores políticos empenhados em contradizer os atuais líderes das sondagens afirmam que a disputa não está decidida e que interessa a ambos fomentar o antagonismo entre eles.

Elementos da pesquisa Datafolha são usados para fundamentar a tese de que é possível virar o jogo. Primeiro: os altos patamares de rejeição. Chega a 59% o índice dos que afirmam que não votariam de jeito nenhum em Bolsonaro. No caso de Lula, a taxa é de 37%.

Outro fator recorrentemente citado é a parcela de 42% dos entrevistados que, no questionário espontâneo, diz não saber em quem pretende votar. Esse grupo, no entanto, diminuiu em relação ao levantamento anterior, de maio, quando era de 49%.

Como parte do esforço para evitar que a construção de um caminho alternativo desmorone, líderes de partidos como PSDB, DEM, MDB, PSL, Cidadania e Podemos defendem um afunilamento até 2022, a fim de impedir a pulverização de votos entre candidatos do chamado centro.

A avaliação é a de que a repetição de um cenário como o de 2018, que contou com 13 candidatos, acabaria favorecendo Lula e Bolsonaro, já que a fragmentação dificultaria a ascensão de um nome forte para fazer frente a eles.

O ex-presidente petista, que já falou que “essa história da terceira via é uma piada”, disse também que “seria importante que todos os partidos lançassem candidato e testassem sua força”.

Como mostrou a Folha, o grupo de presidenciáveis que publicou em março um manifesto pró-democracia, em reação ao risco de ruptura institucional sob Bolsonaro, acabou se esfacelando. Dos 6 autores, 2 (Huck e Amoêdo) saíram do páreo.

Por outro lado, desde o documento, o espectro de conversas partidárias se ampliou. Um grupo de presidentes de nove legendas (PSL, MDB, PSDB, DEM, Solidariedade, Podemos, Novo, Cidadania e PV) se aproximou para discutir eventual aliança, mas os empecilhos ainda são muitos.

O PSD corre por fora, com a insistência de seu presidente, Gilberto Kassab, em tirar do DEM o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e filiá-lo para ser o presidenciável da sigla, reunindo setores que não orbitam em torno dos dois principais concorrentes.

O PDT de Ciro também trilha jornada própria, na expectativa de que o ex-ministro ganhe impulso partindo do patamar levemente superior em que se encontra e acabe atraindo legendas que também se recusam a abraçar Lula ou Bolsonaro.

Ao ver os números do Datafolha, Ciro foi ao Twitter comemorar “significativa movimentação positiva da pré-candidatura” e ressaltou um dado das simulações de segundo turno: em eventual embate com Bolsonaro, teria 16 pontos de vantagem (50% a 34%).

Embora tenha a seu favor a relativa unidade do partido e uma pré-campanha estruturada – inclusive com marqueteiro, o ex-publicitário do PT João Santana–, o pedetista precisaria quebrar a resistência de outros atores da centro-direita à sua veia esquerdista e à fama de destemperado.

O perfil considerado pouco agregador é um obstáculo que pesa também para Doria. Outrora tido como nome natural do PSDB, o governador de São Paulo encara hoje o processo de prévias de seu partido, diante de três rivais internos (Leite, Tasso Jereissati e Arthur Virgílio).

“O sonho do Lula é disputar eleição apenas com o Bolsonaro. O sonho do Bolsonaro é disputar eleição apenas com o Lula. E o sonho dos brasileiros é que os dois percam a eleição”, escreveu Doria no Twitter, dias atrás. “Não adianta serem contra, a melhor via devolverá a esperança aos brasileiros.”

Para o cientista político e fundador do Centro de Liderança Pública, Luiz Felipe d’Avila, que prega a terceira via e há meses faz entrevistas e debates com potenciais candidatos, o quadro geral vai desanuviar até o primeiro trimestre de 2022 e será possível chegar a um entendimento.

“A candidatura do centro democrático precisa se mostrar politicamente viável. Precisa ter rosto e ideias, para isso reverberar nas pesquisas. E, do ponto de vista de articulação, precisa ser liderada por alguém que tenha bom trânsito nos demais partidos, consiga aglutinar.”

Na visão dele, a performance dos candidatos desse setor no Datafolha é reflexo da alta pulverização. A mais de um ano do pleito, com tantos nomes ventilados, parte do eleitorado tem dificuldade em saber quem efetivamente será candidato e quais são as propostas, avalia d’Avila.

“A tendência é que Bolsonaro derreta e que isso abra canal para um candidato de centro”, segue ele, que é ex-filiado do PSDB e chegou a disputar as prévias da sigla para governador paulista em 2018, ao fim vencidas por Doria.

Também engajado nas costuras, e perto de se cacifar como pré-candidato do DEM ao Planalto, Mandetta minimiza o desempenho pífio dele e dos concorrentes de seu campo. Para o ex-ministro da Saúde, há “uma margem para crescer muito grande”.

“Vamos conviver com a alta quantidade de nomes até o fim do ano. É legítimo os partidos terem seus postulantes. Mais perto da data, acredito que começará a haver as confirmações de caminhos, e as alianças acontecerão”, projeta.

Mandetta considera positiva a convergência do grupo de nove partidos em torno de pautas, com posicionamentos conjuntos contra o projeto que muda o Imposto de Renda e a proposta do voto impresso. “A única coisa que defendo é que não fragmente, senão dá Lula e Bolsonaro”, diz. SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – JOELMIR TAVARES

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