Sind-Saúde diz que SES não poderia vacinar, mas que servidores atenderam a um chamado; especialista vê legalidade
A diretora estadual do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde/MG), Núbia Roberta Dias, disse, nessa terça-feira (6), que a vacinação contra a Covid-19 aplicada diretamente pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) em alguns de seus servidores fere os parâmetros e a organização do Plano Nacional de Vacinação (PNI), segundo o qual os municípios são os responsáveis por aplicar as vacinas.
Ouvida pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Fura-Filas da Vacinação, Núbia questionou, contudo, qual seria a responsabilidade desses servidores da SES, uma vez que eles teriam sido chamados pelo órgão a se vacinar em fevereiro, aí incluído o então titular da pasta, Carlos Eduardo Amaral.
“Qual é a culpa do servidor que recebe um comunicado para ser imunizado (segundo ela o Memorando 007), que recebe uma deliberação da Cibe dizendo que é a sua vez?”, indagou a diretora estadual do sindicato, referindo-se à Comissão Intergestores Bipartite do Estado de Minas Gerais.
Núbia e ainda o presidente da Associação dos Especialistas em Políticas e Gestão de Saúde do Estado de Minas Gerais (AEPGS), Gustavo Ribeiro Bedran, foram ouvidos como convidados da CPI da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para prestar esclarecimentos sobre a implementação, pela SES, do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19.
Os maiores questionamentos dos deputados direcionados aos dois giraram em torno dos critérios para a definição dos grupos prioritários para a vacinação, tendo em vista a imunização, em fevereiro, de servidores da área administrativa da SES, que teria ocorrido sem publicização e em detrimento de servidores que atuam na linha de frente do combate à pandemia.
Os dois convidados defenderam os servidores vacinados, mas com argumentos diferentes. A diretora do Sind-Saúde insistiu por várias vezes que não cabe ao Estado vacinar, e sim aos municípios, mas reiterou que os trabalhadores em questão foram chamados para receber a dose. Ao passo que Gustavo defendeu a ação da SES, frisando que Estado teria o poder discricionário sobre a questão.
Questionando a referência a esses servidores como sendo fura-filas, a sindicalista ainda disse que a divulgação da lista com o nome desses trabalhadores tem gerado adoecimento em muitos deles, como crises de pânico e depressão, além de agressões e ameaças, incluindo pichação de muros das casas onde moram.
Em contrapartida, o relator da CPI, deputado Cássio Soares (PSD), disse que “quem verdeiramente estaria pagando a conta pela ordem executada pela SES seriam cidadãos mineiros não imunizados no tempo que deveriam estar, caso não tivesse havido esse flagrante de fura-filas”.
Ele reiterou que o objetivo da comissão é apurar fatos e responsabilidades, verificando o cumprimento do Plano Nacional de Vacinação, e não fazer uma “caça às bruxas”.
Não vacinados em hospital – Em resposta a outros questionamentos do relator, Núbia disse ter tomado conhecimento da lista de servidores da SES que foram vacinados pela imprensa.
Também secretária executiva da Mesa Estadual de Negociação Permanente do Sistema Único de Saúde (SUS), a diretora do sindicato acrescentou que a entidade, a partir de então, iniciou uma apuração junto às regionais, para entender o que estava acontecendo com a imunização da categoria.
Das 28 regionais, até agora há respostas de 18. Com base nelas, Núbia afirma que nenhum servidor do Estado fora da área de saúde foi vacinado pela SES.
Ela admitiu, contudo, dificuldades para verificar possíveis casos de servidores da lista de vacinados no interior, mas confirmou que dez deles, da área de regulação da regional de Barbacena (Central), teriam sido vacinados.
Outro caso mencionado por ela ocorreu em Montes Claros (Norte de Minas), onde servidores do Hospital Universitário da Unimontes, que pertence ao Estado, ainda não teriam recebido a vacina, enquanto servidores da secretaria municipal de saúde já teriam sido vacinados.
A representante da categoria ainda lamentou que 220 servidores entre aqueles vacinados pela SES precisam tomar a segunda dose, sem que haja ainda um posicionamento a respeito.
A representante dos trabalhadores ainda relatou à CPI que o primeiro lote de vacinas chegou ao Estado em janeiro, ocasião em que a entidade ainda não tinha visto nenhum documento detalhando como seria a imunização na saúde.
Com isso, ela disse que servidores da área foram estratificados para a vacinação conforme as doses iam chegando no Estado, tendo faltado clareza nesse processo.
O presidente da CPI, deputado João Vitor Xavier (Cidadania) pediu esclarecimentos acerca de dificuldades encontradas pelo sindicato para a coleta de dados junto às regionais da SES, tendo Núbia relatado até agora dificuldades maiores em Belo Horizonte e Montes Claros.
Sobre outros questionamentos do presidente da comissão, Núbia disse que o sindicato não foi consultado a respeito da priorização de servidores dentro da saúde ou sobre a aplicação de vacinas pela SES.
Cessão de senha motiva questionamentos
Em resposta a outros questionamentos, como do deputado Roberto Andrade (Avante), a representante dos trabalhadores disse que o Estado não poderia, pelos critérios do PNI, pegar uma senha da Prefeitura de Belo Horizonte para vacinar parte de seus servidores, como teria ocorrido. “O Estado náo é executor de saúde, e sim o município”, insistiu ela.
O deputado Sargento Rodrigues (PTB) pediu a convocação do secretário municipal de Saúde de Belo Horizonte à comissão, para esclarecimentos nesse sentido. “Eu acredito que empréstimo de senha durante uma pandemia não é justo. Temos um escancarado crime nessa situação. Passar senha é crime e precisa ser esclarecido”, afirmou.
Em resposta a outro questionamento do deputado Sargento Rodrigues, Núbia disse que Belo Horizonte, embora tenha das melhores equipes técnicas, aplicou até aqui 47% das doses recebidas, ao passo que em municípios como Uberlândia (Triângulo Mineiro), 90% das doses recebidas até agora já foram utilizadas.
Por sua vez, o deputado Noraldino Júnior (PSC) disse que, se comprovado o memorando citado pela sindicalista, foi mesmo o Governo do Estado que desencadeou esse processo agora questionado na CPI, tendo o deputado Ulysses Gomes (PT) indagado sobre investimentos em saúde feitos pelo Estado.
Núbia afirmou que houve ampliação do número de leitos e organização da estrutura para o combate à Covid-19, mas que não saberia esclarecer quanto disso seria resultado de investimento estadual e quanto seria do governo federal, pois os recursos de ambos saem de um fundo único.
Ela ressaltou a importância do cumprimento do investimento constitucional na área, afirmando que “o que o SUS fez pela população no ano passado é quase um milagre”.
O deputado Zé Guilherme (PP) criticou uma suposta distribuição de vacinas entre municípios, sendo que todos os profissionais da linha de frente em BH ainda não teriam sido vacinados.
A diretora, porém, afirmou desconhecer a transferência de vacinas entre cidades e se colocou à disposição para conferir dentro dos sistemas se tal fato teria ocorrido.
Especialista em gestão defende Estado e gera controvérsia
Ao contrário de outros representantes de entidades já arguidos pela CPI, o presidente da Associação dos Especialistas em Políticas e Gestão de Saúde do Estado de Minas Gerais defendeu o previsto pelo Decreto 47.769, de 2019, que, segundo frisou, determinou a vacinação dos mais de 800 servidores estaduais da saúde na forma que está sendo investigada pela comissão.
Ainda segundo Gustavo Bedran, a Lei federal 8.080, de 1990, em seu artigo 17, prevê que cabe à direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) “coordenar e, em caráter complementar, executar ações e serviços de vigilância epidemiológica”, o que permitiria à Secretaria de Estado ter realizado a vacinação.
O dirigente da AEPGS afirmou também que a forma como se decidiu quem seria vacinado seria uma “atitude discricionária do gestor”, pois não são apenas critérios sanitários do PNI que determinam isso, mas também critérios definidos pela Cibe.
Ele também disse que muitos servidores da saúde estão sofrendo represálias por serem considerados fura-filas e não mereciam estar passando por isso.
“Entendemos que os profissionais que garantem a logística e a regulação da assistência, que garantem a compra de insumos, garantem o funcionamento da saúde. Acredito que isso justifica a vacinação dos trabalhadores da gestão”, reforçou.
Sobre essa fala, o relator da comissão disse que todos os servidores devem ser vacinados, mas respeitando-se a ordem de prioridade, e refutou afirmações do presidente da AEPGS.
“Um estagiário de design em home office deve ser vacinado antes de médicos atuando em UTIs que ainda não foram imunizados? Nessa lógica, todos os servidores da Secretaria de Fazenda, da Secretaria de Planejamento, deveriam ter sido vacinados. Ou os servidores da ALMG que tratam do orçamento do Estado. Essa argumentação não cabe. Considero abominável que servidores administrativos tenham sido priorizados a servidores com comorbidades”, afirmou Cássio Soares.
O relator afirmou ainda que Minas Gerais foi o único estado da federação que gastou menos em saúde e que um planejamento melhor por parte do governo minimizaria muitos danos.
Diante dos questionamentos de parlamentares, Gustavo Bedran afirmou, num primeiro momento, que foram seguidos os critérios necessários para a vacinação de servidores da Secretaria de Estado de Saúde, inclusive os administrativos.
Ele não soube informar, no entanto, maiores detalhes do processo, como a data, o horário e o local de lotação dos servidores vacinados.
Segundo o presidente da associação, as vacinas fornecidas aos servidores foram faturadas em nome da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e, apenas por uma questão de logística, foram aplicadas na própria Rede de Frio da SES, onde elas são armazenadas ao chegar ao Estado, em uma sala de vacina.
Ainda de acordo com o representante da entidade, deliberação da Cibe em Minas estabeleceu os critérios regionais para a vacinação dentro da legalidade, pois teria prerrogativa para isso. “Os servidores foram cadastrados nominalmente e entram no quantitativo da PBH”, acrescentou.
Divergência – Os deputados apontaram incongruências no posicionamento do convidado, citando depoimento da subsecretária de Vigilância em Saúde, Janaína Passos, responsável pelo controle da vacinação em Minas.
Ela relatou aos parlamentares, em depoimento anterior, que a PBH não havia dado início ao cadastro dos profissionais de saúde nem se manifestado sobre a vacinação dos trabalhadores da SES, quando o governo decidiu separar doses para o nível central da secretaria e para a Superintendência Regional de Belo Horizonte.
“Se o senhor não sabe quando foi feita a vacinação, qual a ordem de prioridade, como pode afirmar que foi regular?”, questionou o deputado João Vítor Xavier, ao ratificar que o posicionamento de Gustavo Bedran a favor da legalidade dos procedimentos adotados difere daquele apresentado nas demais oitivas da CPI.
Para o deputado Sargento Rodrigues, ficou claro que houve um erro grave, tendo em vista que o secretário e demais gestores deveriam seguir o plano nacional de imunização do Ministério da Saúde.
Confrontado pelos deputados sobre a falta de dados e informações necessários para se garantir que tudo foi feito de acordo com a legislação, Gustavo Bedran disse apresentar apenas uma opinião pessoal, com base no que escutou em reuniões no Poder Executivo.
“O senhor manifesta que é verdade, mas, quando aperta, diz que é opinião. Está trazendo dúvidas para a CPI sem poder afirmar”, observou ainda o deputado Ulysses Gomes.
O deputado Repórter Rafael Martins (PSD) também se mostrou incomodado com a diferença de versões nos depoimentos do representante da associação e da subsecretária.
Requerimentos – Na reunião, foram aprovados diversos requerimentos, endereçados a diferentes órgãos, com pedidos de informações e providências relacionados à vacinação.