Com a chegada da variante ômicron, a onda de infecções começa agora também a se refletir em novas hospitalizações e óbitos, e isso em todas as faixas etárias.
No Brasil, já há duas vacinas aprovadas para o público mais jovem, a da Pfizer, para crianças a partir de 5 anos, e a Coronavac, para menores a partir de 6. As pesquisas para imunizantes para a faixa etária de 0 a 4 anos, contudo, estão em andamento.
Até o momento, sete farmacêuticas têm ensaios clínicos em curso registrados na plataforma Clinicaltrials.gov envolvendo bebês e crianças de seis meses ou mais.
Aqui no Brasil, as duas vacinas já aprovadas para o público infantil devem concluir as pesquisas em crianças com menos de cinco anos de idade até o final do primeiro semestre.
Nos Estados Unidos e Canadá, a Moderna espera concluir em março os estudos em crianças de 2 a 5 anos e solicitar em abril autorização para uso nessa faixa etária.
“Para a faixa abaixo de dois anos, a expectativa é em 2023”, diz Renato Kfouri, pediatra e diretor da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações).
Cristina Bonorino, imunologista e professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, afirma que “estudos em crianças são, sim, mais complicados”.
“É preciso ter profissionais altamente especializados para ajudar nesse recrutamento dos bebês, ir atrás das mães, fazer o acompanhamento, mas como estamos em meio a uma pandemia é natural que haja um esforço coletivo para avançar esses testes”, explica Bonorino.
Enquanto a vacina não vem, Bonorino lembra que os bebês de até seis meses de idade possuem uma proteção já confirmada por estudos científicos: a do leite materno.
“As mães, principalmente as vacinadas, passam os anticorpos tanto pela placenta, na gestação, quanto pelo leite materno, então não podemos nos esquecer da importante proteção conferida pelas mamães aos bebês”, diz. “Mas acho que pelo menos uma ou duas vacinas para essa faixa etária têm grande chance de sair ainda neste ano.”
Dados oficiais do último boletim epidemiológico divulgado pela pasta da Saúde mostram que, de 1º a 26 de janeiro, foram registrados 225 novos casos de SRAG (síndrome respiratória aguda grave) por Covid em crianças de 0 a 5 anos, dos quais 111 (49,3%) foram em bebês com menos de um ano de idade.
Além disso, os óbitos por SRAG, incluindo aqueles associados à Covid, em crianças de até quatro anos são quase quatro vezes maiores do que naquelas com 5 a 11 anos, conforme mostrou levantamento da organização Vital Strategies publicado na Folha de S.Paulo.
Para Kfouri, o risco de hospitalização e morte das crianças menores de dois anos e daquelas com 11 ou mais é cerca de 2,5 vezes maior do que na faixa etária de 2 a 11 anos.
“O estado da arte atual é esse, voltar as pesquisas para as faixas etárias mais jovens, que, junto com os adolescentes, têm o maior risco de adoecimento grave. Os adolescentes já foram contemplados com a vacinação, mas os mais novinhos ainda não”, afirma.
Os estudos das vacinas nessa faixa etária podem ter ritmos diferentes de desenvolvimento, desde o início dos ensaios clínicos até serem licenciadas pelas agências regulatórias. Algumas etapas seguem da mesma forma que os testes em adultos, mas existem particularidades dessa faixa etária mais jovem em comparação com os mais velhos.
Primeiro, os testes de fase 1 e 2 devem avaliar a segurança e se as vacinas induzem resposta imune. No caso da eficácia, normalmente avaliada na fase três de estudos clínicos, a inferência pode ser feita com base em dados das vacinas já autorizadas para a faixa etária superior.
“Seria preciso envolver muitas crianças pequenas em um estudo de fase três para ter, por exemplo, dez mortes no grupo placebo e nenhuma no grupo vacinado. Então consideramos se há ou não a geração de resposta imune”, afirma Kfouri.
Alguns estudos fazem, ainda, o chamado escalonamento de dose, isto é, testam diferentes posologias para observar qual possui a melhor resposta protetora.
É o que está fazendo a Pfizer em sua pesquisa para crianças abaixo de cinco anos, com duas injeções contendo um décimo (3µg) da dose utilizada nos adultos, ou um terço da dose infantil para 5 a 11 anos, mas os resultados preliminares indicaram que essa posologia não gerou resposta imune suficiente.
Agora, a companhia estuda uma combinação de duas doses de 3µg com uma terceira também de 3µg –o que constituiria um regime vacinal de três doses nos bebês– ou então uma combinação de duas doses de 3µg mais uma de 10µg (equivalente à dose das crianças de 5 a 11). Para essa fase combinada de estudos, serão testadas cerca de 4.500 crianças de 6 meses a 12 anos.
Em nota divulgada em seu site, a Pfizer disse que, se os resultados da fase três nessa faixa etária forem bem-sucedidos, deverá entrar com o pedido de autorização ao FDA (agência que regulamenta medicamentos nos EUA) até o final do primeiro semestre.
“Os estudos são dinâmicos, existe uma flexibilidade caso um resultado não seja o esperado, as companhias testam uma dosagem um pouquinho maior”, diz Bonorino.
Outra forma de avaliar as vacinas para os pequenos é observar qual o correlato de proteção nos mais velhos e buscar uma proteção semelhante nos menores. É o chamado “immunobridging” (ou “ponte imunológica”, em inglês), afirma Kfouri.
“Esses estudos também são chamados de não inferioridade, o que significa que, se você observa uma determinada resposta protetora em uma faixa etária acima, nas faixas etárias mais jovens é preciso encontrar um valor semelhante para poder inferir proteção, não pode ser menor”, diz.
Em alguns casos, ainda, pode-se avaliar os dados de vida real, também chamados de efetividade ou fase quatro. Dados da utilização da Coronavac no Chile na faixa etária de 3 a 17 anos foram apresentados pelo Instituto Butantan à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a autorização do uso da vacina em menores de 18 anos.
A agência brasileira, no entanto, vetou o uso na faixa de 3 a 5 anos devido ao número ainda baixo de vacinados nesse grupo para ter um rigor científico na análise de eficácia.
Além dos dados chilenos, a Coronavac já foi aplicada em mais de 94 milhões de crianças de até três anos de idade na China, e a incidência de efeitos colaterais graves segue baixa, com mais de 97% dos efeitos sentidos pós-vacina sendo considerados leves, como dor no local da injeção.
Atualmente, a Sinovac está conduzindo estudos de fase três com 14 mil crianças de 6 meses a 17 anos na África do Sul, Chile, Filipinas, Malásia e Turquia. Resultados preliminares dos testes com 4.000 crianças na África do Sul indicaram que o imunizante é seguro nessa faixa etária, mas os dados completos do estudo ainda não foram divulgados.
“Estamos aguardando os estudos de fase três da Coronavac em outros países para ter a ampliação da faixa etária aqui no país”, afirma Kfouri. ANA BOTTALLO/FOLHAPRESS