Falta de estudos técnicos, fracasso do modelo em outros estados e questões trabalhistas foram discutidos em audiência
A justificativa utilizada pelo governo estadual, comandado por Romeu Zema (Novo), para a transferência de 12 unidades socioeducativas de internação para o modelo de cogestão foi um dos maiores questionamentos de convidados de audiência pública dessa segunda-feira (14) em relação à decisão. O Poder Executivo alega que a transferência é a única forma de superar o fim dos contratos de muitos trabalhadores, que devem vencer em fevereiro e não poderão ser renovados.
Na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), porém, os convidados apontaram que projeto em tramitação na Casa Legislativa pode ajudar a superar a questão. Além disso, foi pontuado que nenhum estudo sobre a viabilidade da decisão foi apresentado pelo governo, e muitos dos presentes disseram que o modelo já foi usado, sem êxito, em Minas Gerais e em outros estados.
De acordo com o coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública da PUC Minas, Luis Flávio Sapori, o sistema socioeducativo mineiro já foi administrado como cogestão, de forma que as unidades eram geridas, de maneira geral, por grupos religiosos. Há cerca de 15 anos o Estado teria assumido essa estrutura e, segundo Sapori, o funcionamento atual do sistema é satisfatório.
“O sistema socioeducativo de Minas Gerais é hoje referência em todo o País”, disse. Ele ainda explicou que em estudo recente coordenado por ele verificou-se que a reiteração dos atos infracionais se dá em 30% dos casos dos adolescentes que passaram pelas unidades. O índice é considerado baixo para os parâmetros nacionais. Assim, Sapori disse que não há motivo ancorado no funcionamento do sistema para modificar o modelo atual em direção à cogestão.
Nesse mesmo sentido, a representante do Coletivo de Conselhos e Sindicatos de Profissões que atuam no Sistema Prisional/Socioeducativo, Michelle Nunes de Sousa Santos, apontou que o governo estadual não apresentou nenhum estudo que indique que a cogestão poderá melhorar os serviços públicos prestados. Ela apontou que, antes de mudar estruturalmente uma política importante, é necessário ter, no mínimo, um diagnóstico com dados concretos.
As experiências do País indicam, ainda conforme apontamentos da Michelle Santos, que o modelo é ineficiente: tende a ser mais caro e a prestar serviços piores. Ela exemplificou com o caso do Espírito Santo, que estaria agora retomando a administração de unidades de internação depois de denúncias de corrupção nos contratos de cogestão.
Por fim, Michelle Santos lembrou que a pandemia levou ao esvaziamento de muitas unidades de internação, já que foram priorizados atendimentos em meio aberto e até internação em domicílio com continuidade de atendimentos assistenciais. Na avaliação dela, a experiência demonstrou grande potencial, especialmente por permitir o fortalecimento de laços familiares e comunitários dos adolescentes. Assim, deveria ser esse o tom, para a convidada, do tratamento dos adolescentes que cometerem atos infracionais sempre que possível, evitando-se a internação.
Legalidade – A presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB/MG, Sarah Campos, destacou que a proposta de cogestão nas unidades socioeducativas é inconstitucional. “Apesar de o governo afirmar que o Estado continuará encarregado das metodologias e das diretrizes do sistema, o que se tem é a proposta de privatização de um serviço que é exclusivo do Estado”, disse.
Segundo ela, cabe aos entes estatais a responsabilidade sobre as medidas de internação e, dentre os serviços a serem transferidos de acordo com a proposta do governo estadual, está, por exemplo, a de ensino. Esses profissionais serão responsáveis por escrever os relatórios que devem interferir diretamente na libertação ou não dos internados – e, por isso, precisam ser servidores públicos.
Servidores e trabalhadores contratados pedem atenção às suas situações
A justificativa utilizada pelo governo estadual para propor a cogestão é a impossibilidade de renovar os contratos de muitos trabalhadores que devem vencer em fevereiro do próximo ano. Luis Flávio Sapori, porém, questionou se o Projeto de Lei (PL) 2.150/20, que trata dos contratos temporários do Estado, não poderia resolver a questão. O PL é de autoria do próprio governador e está em tramitação na ALMG.
Quem reivindicou que seja analisada a viabilidade de garantir, via PL 2.150/20, a permanência dos trabalhadores temporários do sistema socioeducativo, até que sejam realizados concursos, foi Gilberto de Souza, agente de segurança socioeducativo. Ele repesenta grupo de 700 contratados do sistema. Já Michelle Santos, do Coletivo de Conselhos e Sindicatos, lembrou, ainda, que o último concurso para o sistema foi em 2013 e que os aprovados não foram nomeados na quantidade em que já se sabia ser necessário.
José Lino Esteves dos Santos, presidente do Sindicato dos Auxiliares, Assistentes e Analistas do Sistema Prisional e Socioeducativo, por sua vez, lembrou que a decisão coloca em situação vulnerável tanto os adolescentes atendidos quanto os servidores do socioeducativo. Ele apontou que já foram emitidos comunicados acerca de transferências de servidores públicos concursados para outros municípios e que isso, em especial na pandemia, gera ansiedades e fragilidades entre os profissionais.
A deputada Ana Paula Siqueira (Rede), uma das autoras do requerimento que deu origem à audiência, destacou que decisão que implica em mudanças estruturais em um política importante, como a que foi discutida na reunião, não pode ser tomada sem amplo debate. Assim, ela criticou a falta de abertura do governo estadual e destacou que já aprovou, em diferentes comissões, ofícios com pedidos de informações ao governo estadual e que nenhum deles foi responsiqueiradido ao longo dos meses.