TETÉ RIBEIRO
(FOLHAPRESS) – Você vai ler muito estas duas palavras nas próximas semanas -favorito e Oscar. Como acontece todos os anos, o outono do hemisfério norte, nossa primavera, abre a temporada de estreia dos filmes mais ambiciosos, aqueles em que os estúdios apostam que vão render prêmios importantes.
O curioso, neste ano, foi que os atores do sindicato americano SAG-AFTRA ficaram 118 dias em greve, entre 13 de julho e 8 de novembro. Durante esses quase quatro meses, nada de entrevistas, talk shows ou comentários em tempo real sobre os acontecimentos do mundo.
Não é incrível que a gente tenha conseguido sobreviver sem saber o que George Clooney ou Gwyneth Paltrow pensam sobre a guerra Israel-Hamas?
Então, a imprensa especializada se debruçou sobre os diretores. Nunca se leu tantos perfis longos e profundos sobre Martin Scorsese, que lançou seu belíssimo “Assassinos da Lua das Flores” em outubro, Greta Gerwig, diretora de “Barbie”, ou Wes Anderson, criador de “Asteroid City”.
Bradley Cooper podia ter dado entrevista como diretor ou produtor -os roteiristas também estavam em greve-, mas foi leal aos colegas atores e só começou a falar sobre “Maestro”, cinebiografia do compositor Leonard Bernstein, que ele dirige e protagoniza, após fim da paralisação. O filme estreia nas salas de cinema nesta quinta-feira depois de o filme passar por alguns dos festivais de cinema mais importantes do mundo.
A primeira exibição do filme da Netflix foi em setembro, durante a 80ª edição do festival de Veneza, em que foi aplaudido durante sete minutos. No Festival de Nova York, sua segunda apresentação oficial contou com Cooper na plateia, mas ele não deu um pio com a imprensa.
O filme foi escolhido para a sessão de gala do evento, que aconteceu no recém-reinaugurado David Geffen Hall, no Lincoln Center, o lar da Orquestra Filarmônica de Nova York -a mesma que Leonard Bernstein conduziu oficialmente por muitos anos e onde deixou uma de suas marcas fundamentais. Um sistema especial de projeção e de som foi instalado especialmente para a estreia americana de “Maestro”. O filme foi considerado uma conquista corajosa do ator e diretor.
Sua turnê internacional continuou com o festival de Zurique, na Suíça, o de Londres, na Inglaterra, e, finalmente, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em novembro, numa sessão romântica e grandiosa ao ar livre na linda sede da Cinemateca, onde foi considerado um triunfo.
Liberado para entrevistas, Cooper as faz com moderação. Divulgar o filme, o primeiro objetivo do encontro dos “talentos” -como os assessores internacionais se referem aos atores, às atrizes e aos diretores, sejam eles portadores de algum talento ou não- com os jornalistas, ele sabe que não precisa.
A escolha pelo nariz protético que usou para ficar mais parecido com o personagem -e que foi atacado quando surgiram as primeiras imagens do longa, como se tivesse sido uma zombaria com o fato de Bernstein ser judeu- também já ficou para trás.
Cooper tem outra missão, bem mais trabalhosa. O mundo inteiro já sabe que seu filme existe e que o seu trabalho foi bem feito. O que ele precisa daqui para frente é convencer os votantes dos maiores prêmios do cinema que é melhor que os outros, e que ele, tanto como diretor e produtor como protagonista, merece um troféu.
Assim como sua atriz coadjuvante, Carey Mulligan, que interpreta a mulher de Bernstein, e a atriz costa-riquenha Felicia Montealegre, mãe dos três filhos do músico, com quem ele viveu um relacionamento não exatamente aberto, mas flexível, que acomodava sem grandes choques o interesse dele por outros homens.
Tem sido dito por aí que o filme seria uma biografia do casamento de Bernstein e Montealegre, mas não é bem assim. Como na vida, a atriz do filme tem um papel secundário em relação ao músico, que tinha fome de existir, pressa de conquistar lugares, pessoas, público, crítica, prêmios, dinheiro, festas, tudo.
Bernstein atravessou barreiras consideradas intransponíveis entre a música clássica e os musicais da Broadway, as apresentações ao vivo e as televisionadas, a música feita para grandes conhecedores e para crianças. Mas não transformou seu amor por Felicia em paixão nem o desejo que sentia por outros homens em um simples hobby.
Agora chegou a hora de Bradley Cooper atravessar suas próprias barreiras, para deixar de ser visto como um galã competente e virar um grande ator. Mas não só isso, também precisa passar de ator que dirige a cineasta. Talvez esses obstáculos estejam ao alcance de seu talento e sua ambição, mas o jogo dos prêmios não tem regras claras. E, às vezes, o excesso de ambição mais atrapalha que ajuda.
Vendo o filme, chega a causar um certo incômodo os longos “closes” no rosto de quem também está por trás das câmeras e talvez um pouco mais apaixonado pela sua própria imagem do que devia.
Uma sequência, em especial, pode conquistar de vez o coração dos votantes ou entregar demais o jogo de Cooper, que passa seis longos minutos com a câmera apontada apenas para o seu maestro, enquanto rege a segunda sinfonia de Gustav Mahler, um concerto famoso e exaustivo na Catedral de Ely, na Inglaterra.
Cooper não fez esse filme pensando em se economizar. É tudo grandioso mesmo, e de propósito, como era a vida do biografado, afinal. Nenhuma escolha é gratuita, nem mesmo as que podem parecer desnecessárias, como uma cena em que ele dança vestido de marinheiro num palco da Broadway, o que não aconteceu de verdade.
Ou a mudança do preto e branco para o colorido, ousadia que até o próprio Spielberg usou apenas uma vez, com muita moderação, em “A Lista de Schindler”, de 1993 -filme pelo qual ganhou seu primeiro Oscar, fato que aposto que Bradley Cooper sabe de cor.
Scorsese, o outro grande nome de peso a assinar como produtor em “Maestro”, tem um de seus maiores sucessos filmado em preto e branco, “Touro Indomável”, um dos auges de sua parceria com Robert De Niro.
Bradley Cooper conquistou muito terreno desde que fez seu primeiro papel, uma ponta na primeira temporada de “Sex and the City”, em 1999. Sua estreia de verdade, aquela em que deixou de ser visto como um bonitão qualquer, aconteceu em 2009, na comédia “Se Beber, Não Case”, em que provou, aos 34 anos, que era um bonitão ainda mais bonitão do que antes, e com grande presença em cena.
Agora, aos 48, quer mostrar ao mundo que pode conquistar o público tanto por trás quanto pela frente. A ver.