O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ingressou na tarde desta sexta-feira (20) com um pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
A formalização ocorre no dia em que a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços do cantor Sérgio Reis e do deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), aliados do presidente.
As medidas foram solicitadas pela Procuradoria-Geral da República e autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo.
Auxiliares palacianos viram na apresentação do pedido uma reação do presidente à operação da PF. Bolsonaro havia anunciado que também pediria o afastamento do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, o que não ocorreu.
No último sábado, um dia após a prisão de seu aliado Roberto Jefferson, Bolsonaro anunciou que iria entrar com a ação. A detenção do ex-deputado ocorreu por ordem de Moraes, após ataques do político às instituições.
Ao justificar o pedido de impeachment, Bolsonaro afirma que o ministro cometeu crime de responsabilidade no âmbito do inquérito das fake news, no qual ele foi incluído por Moraes por ataques às urnas.
Segundo Bolsonaro, os atos praticados pelo ministro “transbordam os limites republicanos aceitáveis” e que Moraes não “tem a indispensável imparcialidade para o julgamento dos atos” do presidente da República.
Na peça, ele ainda diz que o ministro “comporta-se de forma incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções, ao descumprir compromissos firmados ao tempo da sabatina realizada perante o Senado Federal”.
“Como demonstrado, o denunciado tem se comportado, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, como um juiz absolutista que concentra poderes de investigação, acusação e julgamento”, diz Bolsonaro.
O presidente também reclama do fato de Moraes ter acolhido a notícia-crime do TSE e ter decidido investigá-lo por suposto vazamento de dados sigilosos de inquérito da Polícia Federal sobre invasão hacker à corte eleitoral em 2018.
“A notícia-crime é encaminhada pelo Excelentíssimo ministro Alexandre de Moraes (e seus pares, do TSE) para o próprio Excelentíssimo Ministro Alexandre de Moraes, no STF. Pior, sem a oitiva do Ministério Público Federal”, diz em outro trecho.
Sem a presença de autoridades, o protocolo dos pedidos de impeachment nesta sexta foi bem diferente do que Bolsonaro havia planejado inicialmente.
A ideia era levar pessoalmente os documentos, acompanhado de ministros de Estado, às mãos do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
No entanto, os pedidos de impeachment foram protocolados no início da noite de sexta-feira, quando Brasília, em especial o Congresso, está esvaziada. Até mesmo Pacheco está fora de Brasília.
Diante da resistência de Bolsonaro em ceder, ministros palacianos trabalhavam com a hipótese de convencê-lo ao menos a não fazer um ato político em torno dos pedidos.
Na avaliação deles, isso traria um constrangimento ainda maior para os parlamentares, em especial para Pacheco.
Uma ala de ministros do Supremo admite que o pedido de impeachment não colabora para a pacificação entre os Poderes, mas ainda acredita que a temperatura vai baixar.
Apesar de o presidente ter anunciado que protocolaria o pedido nesta semana, auxiliares palacianos acreditavam que estavam ganhando tempo para dissuadi-lo.
Mas mesmo os que duvidam do recuo de Bolsonaro foram pegos de surpresa com a apresentação do pedido nesta sexta.
Fora da agenda, o presidente viajou para Eldorado (SP) e havia uma expectativa de que ele dormisse no Vale do Ribeira, em visita a familiares.
A representação de Bolsonaro vai entrar em uma fila atrás de outras 17 iniciativas de abertura de investigação contra os ministros do STF que tramitam no Senado, responsável por processar e julgar os membros da corte. Ao todo, há 10 pedidos contra Moraes e 5 contra Barroso —alguns, no entanto, solicitam a abertura de processos contra mais de um ministro.
Essa quantidade se refere a apenas os ingressados neste ano. Antes de deixar a presidência do Senado, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) arquivou todos os existentes até então.
Ao longo da semana, Pacheco fez alertas a Bolsonaro e disse que não considerava recomendável a abertura de processos de impeachment de ministros do STF neste momento.
Embora tenha dito que iria considerar a iniciativa de Bolsonaro, Pacheco afirmou que um pedido como esse poderia prejudicar a “pacificação” da sociedade brasileira.
O senador também foi ao Supremo na quarta-feira conversar com o presidente da corte, Luiz Fux, para tentar amenizar a crise provocada entre os poderes. Ele pediu para que Fux reconsiderasse e remarcasse a reunião que estava prevista entre os representantes dos três Poderes, mas que havia sido cancelada pelo ministro após os ataques de Bolsonaro ao Judiciário.
No mesmo dia, o ministro Ciro Nogueira (Casa Civil) também esteve com Fux e fez um apelo para que a reunião fosse retomada.
O chefe da corte, entretanto, não garantiu que remarcaria o encontro. Aos dois afirmou apenas que irá reavaliar. No encontro com Ciro, Fux disse que vai esperar os desdobramentos da crise.
O presidente do STF sinalizou que aguardaria os próximos dias para ver se Bolsonaro está disposto a baixar a temperatura ou seguirá com os ataques a membros da corte.
Na quinta, Pacheco fez mais um aceno ao Planalto e deu início aos trâmites das indicações de André Mendonça para o STF (Supremo Tribunal Federal) e da recondução de Augusto Aras para mais dois anos à frente da Procuradoria-Geral da República.
As mensagens estavam paradas desde julho no Senado e aguardavam o encaminhamento para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), onde os indicados serão sabatinados.
O ato de Pacheco era esperado por governistas como parte das concessões que cada Poder está fazendo para pacificar as relações em meio a uma crise iniciada com ataques golpistas de Bolsonaro às eleições.
Aliados do presidente também o pressionaram para que ele esfriasse a crise entre os Poderes. Na terça, em entrevista a uma rádio de Cuiabá, Bolsonaro chegou a sinalizar uma trégua e afirmou reconhecer a independência do Legislativo e disse que não iria cooptar senadores para quem apoiassem o pedido de impeachment dos ministros.
Nesta sexta, o governo Bolsonaro também ingressou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) em que pede que seja anulado o artigo do regimento interno da corte que permite a instauração de inquérito de ofício, ou seja, sem pedido do Ministério Público.
O processo foi apresentado pela AGU (Advocacia-Geral da União), órgão que faz a defesa judicial do governo.
A ação é uma reação do chefe do Executivo contra as recentes decisões do Supremo e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para investigar a conduta de Bolsonaro por, sem provas, acusar o sistema eletrônico de votação de fraude.
O clima entre Bolsonaro, STF e TSE esquentou após o presidente insistir nos ataques às urnas eletrônicas e na insinuação de que há um complô para fraudar as eleições de 2022 a fim de evitar sua vitória no pleito.
O Judiciário voltou do recesso disposto a dar uma resposta dura a Bolsonaro.
Primeiramente, a corte eleitoral decidiu, por unanimidade, abrir um inquérito para apurar as acusações feitas pelo presidente, sem provas, de que o TSE frauda as eleições. Depois, Barroso assinou uma queixa-crime contra chefe do Executivo e recebeu o aval do plenário da corte eleitoral para enviá-la ao STF.
Também na semana passada, o corregedor-geral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, solicitou ao Supremo o compartilhamento de provas dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos com a ação que pode levar à cassação de Bolsonaro.
Moraes aceitou a queixa-crime de Barroso e incluiu Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news. FOLHAPRESS