BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – Desde outubro, pedestres mais atentos que cruzam o centro de Belo Horizonte têm a oportunidade de conhecer um pedaço da história que foi soterrado durante a construção da capital de Minas Gerais, que foi fundada em dezembro de 1897.
Entre a rua dos Timbiras e a rua da Bahia foi instalado pela prefeitura no último mês um totem informativo sobre o largo do Rosário. Local construído pela Irmandade dos Homens Pretos, era a referência para a população negra do antigo Curral del-Rey, constituído por uma capela e um cemitério erguidos, respectivamente, em 1819 e 1811.
Uma placa informativa, que deve ser inaugurada no próximo sábado (19), véspera do Dia da Consciência Negra, com detalhes sobre a importância do espaço, apresenta-se como mais uma iniciativa para preservar a memória do largo. Neste ano, o local ganhou registro definitivo de patrimônio cultural imaterial.
Há até pouco mais de cinco anos, a memória do largo do Rosário estava restrita aos documentos históricos preservados pelo Arquivo Público de Belo Horizonte e o Museu Histórico Abílio Barreto.
Iniciativas em busca do resgate do passado da população negra da cidade possibilitaram o acesso à história uma cidade que antecede a criação de Belo Horizonte.
“Não se fala nada sobre a história do Curral del-Rey, isso não entrou na nossa história. Isso é algo muito cômodo para algumas instituições, como as imobiliárias, dizer que não havia nada a ser preservado. Não é verdade”, diz o criador e curador do Muquifu (Museu dos Quilombos e Favelas Urbanas), padre Mauro Luiz da Silva.
Segundo os documentos recuperados, o largo do Rosário se situava na região onde hoje estão as ruas dos Guajajaras, dos Timbiras, Espírito Santo e da Bahia e a avenida Álvares Cabral.
Tudo construído dentro do que seria a avenida Dezessete de Dezembro – atual avenida do Contorno – foi demolido para a execução de uma cidade mais republicana e positivista. É que uma cidade moderna não comportaria os curralenses e seus costumes, afirma o professor e pesquisador Alessandro Borsagli.
“Se pensarmos de uma maneira paisagística, a posição do Rosário era muito mais atraente do que a posição da Igreja da Boa Viagem [no bairro Funcionários, erguida no lugar de uma capela]. A ideia era acabar com o lugar para as pessoas perderem a identidade daquele local e não frequentar mais”, diz Borsagli.
Patrimônio Imaterial
O registro do largo do Rosário como Patrimônio Imaterial foi confirmado pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte.
O processo, iniciado em 2021, é uma tentativa de reparar o apagamento da Irmandade dos Irmãos Pretos e da comunidade negra na história da cidade, segundo pesquisadores.
“Expulsar as irmandades e os reinados atendia o desejo não só da igreja católica como dos construtores da cidade em expulsar a população negra”, diz padre Mauro.
O religioso cita documento em que o engenheiro da época, Aarão Reis, apontava que a população do arraial não habitaria a nova cidade. “E eles [os moradores] vão para fora da cidade, ficando esse conceito de muro imaginário que divide a periferia da cidade.”
Demolido em 1897, o largo composto pelo Cemitério dos Homens Pretos e a Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos não foi devidamente registrado ou substituído.
Uma nova capela foi erguida e inaugurada dois meses antes da fundação oficial de Belo Horizonte, em 26 de setembro, com uma procissão.
Os registros da época não citam a participação da Irmandade dos Homens Pretos. O mesmo descaso histórico, apontam pesquisadores, acontece com os registros das 60 sepulturas que faziam parte do cemitério.
“Quem foi sepultado ali pagou para ser sepultado, ser velado e protegido, não para ser devorado por animais ou soterrado. É incômoda a memória de dizer que aquelas pessoas foram deixadas para trás”, diz o padre, que no último dia 2 celebrou a primeira missa de Finados em 125 anos no lugar onde se estima ter sido largo do Rosário.
A placa indicativa será inaugurada com cortejo de Reinados e congados de Belo Horizonte.
“A nossa luta agora é reparar essa história”, diz o religioso. “Passamos 125 anos sem ter nada que nos dizia que existia um monte de gente negra que construiu um templo, rezou por décadas e sepultou aqui seus mortos.”
NINA ROCHA