Um membro do parlamento egípcio chamado Amr Darwish tumultuou e conseguiu, por alguns instantes, interromper as falas da ativista britânico-egípcia Sanaa Seif na COP27 (conferência do clima da ONU), em Sharm el-Sheikh, no Egito. O homem foi retirado do local por seguranças do evento.
Sanaa Seif é irmã de Alaa Abd el-Fattah, preso político no Egito que há mais de 200 dias está em greve de fome e que, durante a COP, parou também de ingerir água.
Seif foi à COP27 nesta terça-feira (8) para comentar a situação do seu irmão. Visivelmente abalada, com a voz embargada, a ativista afirmou não saber se o irmão ainda está vivo. Ela contou que a mãe está do lado de fora da prisão esperando por uma prova de vida.
Após Seif ter falado por cerca de dez minutos, os organizadores do evento deixaram que o público presente fizesse perguntas. Amr Darwish foi então o primeiro a pegar o microfone. Ele começou dizendo que falaria em árabe, não em inglês. Seif tentou iniciar uma tradução, mas foi interrompida pelo homem, que continuou a falar.
Em seguida, um segundo homem, também como uma credencial do país-sede, iniciou falas em árabe.
Segundo uma tradução resumida feita por Seif, ambos afirmavam a mesma coisa: que Fattah não seria um preso político.
Em seguida, Amr Darwish ficou em pé e levantou o tom de voz. Uma discussão teve início e um segurança retirou o homem do local.
“Você está em terra egípcia, não encoste em mim”, dizia Darwish, enquanto era conduzido para fora do encontro.
A Folha de S.Paulo, que acompanhava a sessão, registrou em vídeo a discussão.
Amr Darwish é membro da Câmara dos Representantes do Egito e também membro da Coordenação de Partidos Juvenis e Políticos. Ele chegou na manhã desta terça em Sharm el-Sheikh, cidade que recebe a COP27. Em uma postagem, Darwish se refere às falas Seif como “enganosas”.
Abdel Fattah é um militante democrático e foi uma das principais figuras da revolta popular que levou à queda do ditador egípcio Hosni Mubarak em 2011, durante as manifestações da Primavera Árabe.
Detido desde 2019, ele foi condenado por “divulgação de informações falsas”, uma das acusações genéricas que o governo egípcio costuma usar para prisões políticas.
O país é comandado por Abdel Fattah al-Sisi, ex-chefe da segurança do Exército entrou no poder em 2013, a partir de um golpe de Estado.
O presidente al-Sisi proibiu manifestações públicas e protestos no Egito, país que, segundo organizações de direitos humanos, pode ter mais de 60 mil presos políticos, sendo Fattah um dos mais conhecidos.
Não é a primeira vez que Fattah está preso sob o governo de al-Sisi. Entre 2014 e 2019, o ativista ficou preso após participação em uma manifestação. Pouco tempo depois de libertado, ele acabou preso novamente, dessa vez após postagem em redes sociais.
Por ter nacionalidade britânica, conquistada no ano passado, Fattah pode ter sua liberdade negociada pelo Reino Unido. A sua greve de fome começou em protesto às condições pelas quais era tratado, inclusive tendo acesso impedido a autoridades britânicas.
Em maio, Fattah foi transferido para uma penitenciária com centro médico. Segundo sua família, ele passou a ter um colchão para dormir.
A vinda do primeiro-ministro britânico Rishi Sunak para a COP27 levantou a possibilidade de avanço nas negociações para a liberação de Fattah. Sunak -que chegou a cogitar não estar presente na atual conferência–, inclusive, enviou uma carta para a família do prisioneiro político às vesperas de viajar para a COP.
Sunak afirma, na correspondência, estar comprometido a resolver o caso. Ele classificou o assunto como “uma prioridade para o governo britânico”, segundo o jornal The Guardian.
O primeiro-ministro britânico se encontrou com al-Sisi nesta segunda (7). Em nota, o governo britânico afirma que no encontro foi tratada a questão do prisioneiro político, um “caso de profunda preocupação”. A nota diz que Sunak continuaria a pressionar por progressos.
Sameh Shoukry, ministro das Relações Exteriores do Egito e presidente da COP27, chegou a ser questionado, pela rede CNBC, sobre a situação grave do prisioneiro político, uma vez que, sem ingerir nem mesmo água, ele pode morrer durante a conferência climática.
“Eu acho que temos que nos concentrar na missão que temos em mãos, que são as prioridades, considerando que elas estão relacionadas à mudança climática. Nós temos profundas relações bilaterais com o Reino Unido”, disse Shoukry.
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations. PHILLIPPE WATANABE/FOLHAPRESS