A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) reajustou, nesta terça-feira (29), a tarifa da bandeira vermelha nível 2, que passará de R$ 6,24 para R$ 9,49 por kWh (quilowatt-hora) entre julho e dezembro deste ano – um reajuste de 52%.
A decisão do colegiado contrariou a recomendação da área técnica, que indicou o valor de R$ 11,50 por kWh, única forma de garantir equilíbrio entre receitas e o custo de geração da energia, que explodiu devido ao acionamento das termelétricas – muito mais caras.
Com a decisão, a diretoria da agência optou por parcelar o reajuste, repassando cerca de R$ 3 bilhões para as tarifas no próximo ano.
O sistema de bandeiras reflete a situação do sistema elétrico ainda muito dependente das hidrelétricas, que hoje se ressentem da pior seca dos últimos 91 anos, segundo o diretor-geral da agência, André Pepitone.
Reajuste por bandeiras
Na bandeira verde não há adicional para cada quilowatt-hora consumido. Na amarela, esse extra era de R$ 1,34 por kWh (quilowatt-hora). Na bandeira vermelha, há dois patamares – antes definidos em R$ 4,16 (nível 1) e R$ 6,24 (nível 2).
Se o reajuste da bandeira vermelha nível 2 fosse de R$ 11,50, o aumento previsto nas contas dos consumidores seria entre 10% e 15%, movimento que exerceria ainda mais pressão sobre a inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
No acumulado dos últimos 12 meses, o índice atingiu 8% – dos quais cinco pontos percentuais foram provenientes das altas de preços da energia.
“Se nada for feito, teremos um déficit de até R$ 5 bilhões na conta bandeiras entre julho e dezembro”, afirmou o relator do processo, o diretor Sandoval Feitosa Neto.
Com a tarifa no patamar aprovado (R$ 9,49), a Aneel decidiu adiar o repasse desses custos para as contas de luz no próximo ano.
Parte dessa decisão se deve à pandemia que, segundo Pepitone, fez os brasileiros perderem o emprego e a renda. As distribuidoras perderam receita durante a crise e uma operação de socorro foi lançada pelo governo com a participação do mercado financeiro.
“As pessoas se preparam para uma retomada da economia. A indústria prevê uma retomada. É neste momento que temos de tomar uma medida para inibir o uso da energia”, questionou o Cruz. “Colocamos agora [o reajuste] ou diluímos no ano que vem?”
De acordo com a área técnica, a diferença estimada é da ordem de R$ 3 bilhões, que poderão ser incorporados às tarifas em 2021. Esse déficit, no entanto, pode ser maior porque ainda não se sabe qual será a intensidade da seca até o final deste ano.
Somente em abril, o déficit nas tarifas das bandeiras chegou a R$ 1,5 bilhão, resultado do descolamento entre o custo de geração e as receitas.
Termelétricas
Esse rombo deve se elevar, segundo os técnicos, porque o preço da energia no mercado livre deve saltar dos atuais R$ 250 o MWh (megawatt-hora) para R$ 580 – cenário decorrente da contratação das termelétricas que estão injetando energia no sistema devido à redução da atividade das hidrelétricas, hoje com escassez de água.
Desde outubro do ano passado, o governo autorizou a geração de energia pelas térmicas, que produzem energia a um custo muito elevado, cerca de R$ 1.500 o MWh (megawatt-hora), muito acima do preço médio do mercado.
O gasto adicional com o uso de térmicas a óleo diesel desde o início da crise energética, em outubro, chegou a quase R$ 9 bilhões, valor que terá que ser rateado por todos os consumidores brasileiros, tanto as indústrias como clientes comerciais e residenciais das distribuidoras de eletricidade.
O mercado reclamava que uma inconsistência no sistema computacional que calcula o preço médio da energia no país vem escondendo esse aumento e adia o repasse de parte dele para a conta de luz das famílias que recebem energia das distribuidoras.
Por isso, a Aneel submeteu uma proposta de consulta pública para a revisão da metodologia desse cálculo. Essa mudança, no entanto, ainda está em curso.
Em entrevista recente ao jornal Folha de S.Paulo, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, reconheceu as falhas nesse sistema, que demora demais para repassar a percepção de alta do custo da energia para o consumidor. O ministro afirmou que determinou a revisão desse modelo matemático.
Nova bandeira tarifária eleva conta de luz em 8,12%, diz FGV
O reajuste na bandeira tarifária cobrada para bancar as térmicas terá um impacto médio de 8,12% na conta de luz em junho, calcula a FGV (Fundação Getúlio Vargas). A alta neste índice pressionará a inflação do mês em 0,36 pontos percentuais.
O cálculo foi feito pelo economista André Braz, responsável pela elaboração dos índices de inflação medidos pela FGV, e considera o aumento de 52% na tarifa da bandeira vermelha nível 2, que passará de R$ 6,24 para R$ 9,49 por kWh (quilowatt-hora).
A elevação tem por objetivo arrecadar mais recursos para enfrentar a crise hídrica, que levou o governo a acionar todo o parque térmico disponível, independentemente do preço de geração de energia. Além disso, sinaliza ao consumidor a necessidade de economizar eletricidade.
Com a escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas a tendência é que o brasileiro continue pagando a bandeira vermelha durante o período seco, que vai até o início da primavera. Assim, a energia se manterá como um fator de pressão inflacionária.
Braz diz que o impacto direto na inflação pode ser temporário, já que a tendência é que a taxa seja retirada no fim do ano, quando as chuvas começarem a cair sobre os reservatórios. Mas lembra que o custo da energia tem efeito indireto sobre a inflação de outros produtos.
“Sempre que a energia aumenta, aumenta o custo de produção de vários segmentos”, frisa. “Então, esses impactos não seriam tão temporários, vão ser mais persistentes e isso pode, sim, criar uma pressão inflacionária maior para esse ano.”
Em maio, com a adoção da bandeira vermelha nível 2, a energia já foi o principal fator de pressão no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), o índice oficial de inflação, que fechou o mês em 0,83% no país, após variação de 0,31% em abril.
Foi o maior resultado para maio desde 1996 (1,22%). No acumulado de 12 meses até maio, a inflação chegou a 8,06%, bem acima do teto da meta para o ano, de 5,25%. (Folhapress)