Para os antigos, era comum dizer que “quem não tem cão, caça com gato”. Só não se tem notícia se ocorriam êxitos nas caçadas. Pode ser que “sim”.
No futebol – falamos do verdadeiro futebol, não esta “coisa chata” que se pratica nos dias atuais -, notabilizou-se aquilo que vulgarizaram chamar de “dupla de atacantes”, de “atletas insinuantes”, infernais mesmo e que, ao se entenderem maravilhosamente bem dentro do campo de jogo, levavam o torcedor ao delírio e seus clubes a grandes vitórias e conquistas. No time de branco que encantou o mundo, também conhecido como Santos Futebol Clube, fizeram maravilhas Pelé e Coutinho. Dupla descomunal. Antes, ainda no mesmo Santos, Pagão e Pelé, Toninho e Pelé. Duplas café com leite, mortíferas. No Flamengo de tempos idos, Henrique e Dida. Na copa do mundo dos Estados Unidos, Bebeto e Romário fizeram estripulias. No Fluzão campeão, o casal 20, Washington e Assis, escreveu ricas páginas na história do clube. Há inúmeros outros exemplos de duplas fenomenais no futebol brasileiro.
E o que falar de Di Stefano e Puskas quando o Real Madri assombrava o mundo? Verdadeira covardia.
Passando para os andares inferiores, no terreno doméstico, lembramo-nos de que Bolívar e Dé vivenciaram a dupla “baião de dois”, por anos e anos, com a jaqueta democratense. Antes deles, Chico Duro e Tuca. Ah! No velho Pastoril, Lício e Bitaca. Dupla é dupla! E tem dupla de tudo.
No histórico terreno sem declive do futebol varzeano de Governador Valadares, adentrando para o período do amadorismo regularizado (reativação da liga amadora da cidade), deparamo-nos, convivemos e presenciamos por anos e anos a trajetória esportiva de uma dupla de mulatinhos (hoje não se pode chamar ninguém de crioulo, ainda que de forma carinhosa, né?), coincidentemente irmãos, que verdadeiramente se constituíam e se constituíram na “dupla do barulho” para as defesas adversárias. Referimo-nos a SINVAL E TIÃO. Quem se lembra? Sinval “o pintor” e Tião “o pedreiro”. No futebol, atacantes para ninguém botar defeito.
Para quem tem idade e não a esconde, fácil é relembrar dos movimentados campeonatos varzeanos das décadas de 60 e 70, incluindo, também, os certames amadores da liga local. Movimentações e entusiasmos aos domingos.
Para os lados do bairro Santa Terezinha, antes de que o bairro São Paulo se tornasse realidade, duas equipes rivais disputavam o tradicional campeonato varzeano. De um lado, o todo-poderoso Ypiranga de Dorly Caldas, com seu uniforme “a lá Flamengo”. Com menos prestígio e com características mais simples, os Gráficos de Antor Santana, dirigido por Zé Martins, que tinha Eudes, o açougueiro; Paulinho, que depois foi para o Vale; e um montão de gente boa (alô, Tião Batucada, por onde andas). Tinha o Kanelinha também. Mas na frente, minha gente, Sinval e Tião, irmãos de sangue, levavam terror às defesas adversárias e ao delírio a grande massa de torcedores do clube da jaqueta amarela.
Sinval, construindo; Tião, fazendo os gols. Todo tipo de gol: com a perna canhota, com a direita, com cabeceios. Gols em quantidade e qualidade. Gols para ninguém botar defeito. E não é que, um belo dia – tudo na vida tem um registro -, a dupla aporta no Esporte Clube Rio Doce, clube ferroviário dirigido por outro “mulatinho” e educador chamado João Rosa (disciplinador como poucos). E no time da locomotiva, cheio de bons valores, muito bem treinado, a dupla se consagrou e se eternizou por anos e anos em defesa do clube também de camisa amarela. Fez história. Conquistou títulos. Os dois deixaram seus nomes nas lembranças dos torcedores do clube e daqueles que apreciavam um futebol bem jogado. Tião, em especial, fazendo gols em profusão. Tivemos o privilégio de atuar ao lado da dupla, bem como, quando no EC Democrata, estivemos em lados opostos. Dificuldades para ninguém botar defeito.
Nosso inesquecível João “Jota” Nunes, o imortal Cavaleiro Negro, quando nos confrontos entre Democrata x Rio Doce, tinha verdadeiros pesadelos em ter pela frente o desbravador Tião. Independentemente dos resultados, quase sempre favoráveis ao Democrata, Tião consignava em profusão seus gols contra a Pantera. De pé, quase caído (Tião não caía nunca), de cabeça, de joelhos, enfim, de todo jeito. As narrativas de Jota sobre o nosso Tião são pitorescas.
Detalhe: o nosso Tião, irmão do Sinval, da dupla do barulho e do inferno astral para as defesas adversárias, é cunhado do nosso Tião Boleiro, o Tiãozinho, de tanto sucesso no futebol brasileiro. Fazer o quê? É a vida.
Tião, o da dupla, pessoa de personalidade ímpar, coração puro, enfrenta problemas de saúde. Quanto a Sinval, com sua sanfona de oito (8) baixos, continua animando forrós.
Vida longa para Sinval e Tião, uma dupla do barulho no futebol amador de Governador Valadares!
Luiz Alves Lopes (Ex-atleta)