O público que foi ao cinema em 2022 ultrapassou os 95 milhões de espectadores, e, desse total, apenas 4% assistiram a filmes nacionais
Dia 19 de junho de 1898 é historicamente a data em que foi realizada a primeira exibição de filme no Brasil. Na época, o ítalo-brasileiro Afonso Segreto, considerado o primeiro cineasta nacional, filmou a Baía de Guanabara, quando estava a bordo do navio Brèsil. Foram poucos minutos projetados na tela de um teatro improvisado de sala de cinema do Rio de Janeiro, já que não havia, de fato, locais para a exibição comercial de filmes. Embora não exista registro desse material, a data é considerada, até hoje, o Dia do Cinema Brasileiro, que em 2023 é comemorada nesta segunda, dia 19.
Mais de um século depois dessa primeira exibição, o cinema nacional passou por diversas mudanças, com inúmeros altos e baixos, que até hoje impactam a indústria cinematográfica brasileira. Segundo a Ancine (Agência Nacional do Cinema), o público que foi ao cinema em 2022 ultrapassou os 95 milhões de espectadores, e, desse total, apenas 4% foram para assistir a filmes nacionais; em números absolutos, 4.021.731 espectadores.
Ainda de acordo com as informações divulgadas pela Ancine, os 10 filmes com as maiores bilheterias no país, no ano passado, eram estrangeiros, com a presença massiva de produções de Hollywood. Apenas dois filmes brasileiros conseguiram alcançar a marca de meio milhão de espectadores – Turma da Mônica: Lições e Tô Ryca 2. Para efeito de comparação, o filme Homem Aranha: Sem Volta para Casa, que ficou em 10º lugar no ranking de mais assistidos nos cinemas brasileiros, teve a bilheteria de público de quase 4 milhões de espectadores.
“O que acontece com o nosso audiovisual é o contrário do que acontece na música. Há bastante tempo no Brasil a gente consome mais música nacional do que música estrangeira. Os artistas nacionais têm um peso muito grande no Brasil e com o cinema ocorre o contrário. A gente consome muito cinema de fora e aprecia muito pouco o nosso. Eu não vejo amadurecimento do público, mas não por culpa do público, porque ele tem que ser formado e informado”, destaca Bob Villela, coordenador dos curso de Jornalismo e Publicidade, na Universidade Vale do Rio Doce (Univale).
Em 2022, no Brasil, 244 filmes nacionais foram exibidos nos cinemas contra 408 filmes estrangeiros. O volume das produções cinematográficas brasileiras também esbarra na concentração de salas de cinemas nas regiões sul e sudeste do país, com destaque para os estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Com isso, de certa forma, o alcance dessas produções nacionais ainda têm dificuldade de chegar em um público maior.
Atualmente, os deputados federais analisam a prorrogação da Política Nacional de Cinema, a chamada “cota de tela”, que permanece em vigência até 5 de setembro deste ano. A cota de tela foi criada por meio de Medida Provisória. Na opinião do professor Bob Villela, além da participação do Poder Público em iniciativas que fomentem a cultura e a indústria cinematográfica, a popularização do cinema nacional carece de mais investimento em produções. “O que o Brasil precisa é ter mais produção de filmes. A gente produz sim, mas é preciso aumentar o volume desse tipo de conteúdo. Porque tendo mais produção nós vamos começar a formar um público, que a partir de um filme mais popular, ele também conheça outros estilos e outros gêneros. Nos Estados Unidos, na França, no Reino Unido e até mesmo na Argentina, o público de cinema consome tudo porque eles produzem muitos filmes. O padrão de busca do público pelo mainstream não muda muito na sociedade ocidental”, diz o professor.
Sobre o cenário da indústria cinematográfica brasileira, a conclusão da Ancine é sucinta e reflete a realidade das salas de cinema no país. “No caso dos filmes brasileiros, nota-se a ausência de um grande sucesso nacional com o impacto de ‘Minha mãe é uma peça 3’ – que teve uma ocupação maciça de salas e foi responsável por cerca de 98% do público total dos filmes brasileiros em 2020. Em 2023, espera-se que lançamentos mais diversos e em maior número atraiam o público para os cinemas, ampliando a receita das bilheterias”.
Pela análise do professor Bob Villela, os filmes estrangeiros têm o seu lugar e público no Brasil, mas também é necessário que os filmes nacionais ampliem ainda mais a presença nas salas de cinema. “A gente só consegue entender culturalmente a nossa condição como país, como povo, como sociedade, consumindo coisas que são genuinamente feitas por nós e para nós. E o cinema contribuiu para isso. A gente consumindo é que teremos uma posição esclarecida a respeito do que devemos fazer como ator na sociedade. Os filmes estrangeiros importantes para a gente entender a humanidade e a sociedade por um outro olhar, devem ser assistidos pelos brasileiros, mas a gente também precisa consumir e valorizar o nosso produto”.